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Kátia Borges
Publicado em 4 de setembro de 2022 às 05:30
- Atualizado há 2 anos
Já parou para pensar no seu maior medo? Há quem se acomode bem no centro, sem caçar coragem para dar um giro, um passo ao menos. E há quem dance em volta do abismo sem espiar lá dentro. Vai que o abismo olha de volta? Ser corajoso é puro molde de ajustar uma pipa ao vento.>
Que com o cerol se tempera o barbante, dessas pequeninas saliências que laceram a palma da mão e as pontas dos dedos. Trilha invisível de morte nos fios temperados atravessando a cidade. Sangue acolá no “relo”, a arte de bambolear e de cortar. Cola, vidro moído, limalha de ferro.>
É só dar a corda do jeito certo e o bicho colorido sobe ao céu, solto no mundo. No Nordeste da infância se dizia, da pipa, ser papagaio ou arraia. Enfatiotada e quadrada, feita de papel fino de seda, com varetas de bambu cruzadas ou pauzinhos de picolé, com que também se improvisava o estico.>
Daí era só montar uma rabiola bem bonita, feita com plástico cortado ou de fita, que era para a cauda ganhar equilíbrio. Menina não podia empinar, só escondido de todos. Pensar que um general chinês foi o primeiro a fazer folha avoar. Estratégia de guerra que inspirou contemplação e combate.>
Deu de andar da China até a Europa, essa arte, e veio se aboletar nas mãos dos meninos do Nordeste, primeiro no Ceará. Na Bahia, não existia rua em que não se avistasse garotos de short quase caindo, manejando uma carretilha com a cara para cima. Pura concentração, domínio de manobras.>
“Vem pro X”, insinuava o que queria afronta. Do medo não se escapa, querido empinador de arraia. Nem brincando. Ninguém vai tranquilo e sem aperto ao istmo. Pega esse seu medo e solta a mão, até que ganhe altura e leveza suficientes para ser possível manejar. “Desbica” o medo no ar.>
Ou então, pés pregados no chão, oferece o seu medo a algum passante empedernido, que o guarde no alforje pra viagem. Porque tudo é possibilidade, antes da travessia do Estige. Deixa que o ensine, essa brincadeira de controlar os “piparotes”, mantendo a sua cabeça erguida sempre.>