Look da vacina: pessoas estão mostrando poder político da moda na fila da imunização

Dia tão esperado revela demanda por roupa especial e necessidade de mostrar o que se pensa; veja onde comprar camisetas

  • Foto do(a) author(a) Hilza Cordeiro
  • Hilza Cordeiro

Publicado em 27 de junho de 2021 às 05:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Fotos: Reprodução/Instagram
Use a máscara, desgraça por Foto: Reprodução/El Cabriton

A fila do postinho está com um desfile lindo de viver. Em todo canto do país, pessoas têm planejado e vestido looks especiais para o tão aguardado dia da vacinação contra a covid-19. A ocasião histórica e o misto de sentimentos — felicidade, esperança e revolta — dão o tom do figurino que inclui, principalmente, camisetas estampadas e plaquinhas com frases em defesa do SUS, da ciência, da educação e uma série de outras pautas. 

Na contramão do pensamento comum de que moda é cultura fútil, essas manifestações mostram que, na passarela desta dura época, ela pode provar seu valor social e político.

Concluinte do curso de Farmácia e trabalhador da área da saúde, João Victor Rodrigues, 26, integra o grupo prioritário e comprou duas camisetas bem-humoradas para seu grande momento, uma para vestir na aplicação da primeira dose e outra para a segunda.

Para João, a decisão de se vestir especialmente, de ter uma peça para a data, não se trata de uma mera escolha de look, mas sim um “ato de resistência”. Estagiário de duas grandes redes de farmácia, ele viu a necessidade de defender a organização dos serviços de saúde. “O governo atual me fez querer defender ainda mais o SUS. Aproveitei a oportunidade do dia de me vacinar para mostrar ao público, tanto no local de vacinação quanto nas redes sociais, a importância deste instrumento valiosíssimo para o país, que infelizmente vem sendo defasado”, relata.Na sua vez, viu várias pessoas também com roupas carregadas de mensagens, não só jovens, “mas também adultos mais velhos com camisas e placas com mensagens de esperança e pedindo Fora Bolsonaro”, completa. João registrou seu momento na saída do posto. Ele usa modelo da marca Brusinhas (Foto: Acervo pessoal) Dona da loja curitibana Brusinhas — onde João comprou a camisa —, Laissa Negoseki diz que, antes mesmo da pandemia, a marca já tinha produtos relacionados à valorização do SUS e, ao assistir à negligência do governo federal em relação à crise sanitária, decidiram lançar uma versão com o Zé Gotinha, personagem mascote da imunização no Brasil. 

Na época do lançamento, sequer havia vacina no país. Segundo ela, a ideia era fazer uma pressão popular, através da comunicação nas redes da empresa e das camisetas, para que houvesse foco na vacinação e não em outros métodos sem comprovação científica contra a doença, como a cloroquina. Antes do início da campanha, as camisetas eram vendidas para profissionais da saúde, como médicos, enfermeiros, auxiliares. Quando as doses chegaram ao Brasil, as pessoas, de modo geral, passaram a procurar um look para o dia.

Como o público principal da loja são jovens adultos, de 22 a 38 anos, as vendas decolaram mesmo a partir da liberação de imunização para grupos com comorbidades, que abarcou parte dos seus clientes. “Mas também temos clientes que, inclusive, compraram camiseta para mãe, pai e avós se vacinarem”, conta ela.

A proprietária acredita que três fatores motivam as pessoas na busca por uma roupa para o momento:

1. A cultura da foto como registro do momento histórico e também para comprovação de que a vacina foi, de fato, aplicada; 2. A vontade de se posicionar politicamente com relação ao governo federal e ao ritmo de controle da pandemia; e 3. Poder estimular que mais pessoas se vacinem mostrando que se vacinou, tornando público o ato, já que a vacina se tornou alvo de debate político e informações falsas.

A primeira estampa criada pela marca foi com dois personagens profissionais da saúde usando máscaras e com a frase “Proteja o SUS - Gostoso Demais”. Laissa conta que, como a linha editorial da Brusinhas é meme e internet, ela encomendou a arte à ilustradora Bonnes, pedindo elementos de valorização dos profissionais da linha de frente, uso de máscara e também uma meme viral — no caso, o Gostoso Demais — na intenção de espalhar a mensagem.

“A gente lança o que tá rolando na hora em consonância com o que tá acontecendo, é tudo muito rápido. A segunda estampa foi do Zé Gotinha, em um momento em que a negociação da vacina estava sendo negligenciada por causa da compra da cloroquina e dos entraves com a China, que estavam atrapalhando a produção de vacinas”, recorda.

Depois que essas estampas fizeram sucesso, artistas passaram a enviar para a empresa artes que julgavam interessantes, como a divertida e poderosa ilustração “Vacinação em Massa”, com a ideia de pressionar para que todos os brasileiros fossem vacinados, contra a tese da imunidade de rebanho. Vacinação em massa (Foto: Reprodução/Brusinhas | Ilustração: Greg SMO @greg_smo) Também foi lançada uma camiseta pedindo que a galera desobedecesse o presidente da república, Jair Bolsonaro. Até agora, mais de 500 peças desta linha já foram vendidas para todo o país. As peças custam de R$60 a R$80.

“Às vezes, não podemos nos manifestar tão diretamente e as camisetas servem pra isso, para usar o nosso corpo como outdoor. Tem gente que prefere estampar o cavalinho da Ralph Lauren, tem gente que prefere estampar o que pensa. Acho que nesse momento está sendo necessário falar mais o que pensamos”, diz a empreendedora, que relata já ter sofrido ataques bolsonaristas.

Nutricionista especialista em Saúde da Família, Alana Moraes, 26, pesquisou referências na internet e até achou alguns sites que vendiam camistesas com estampas bacanas, mas nenhuma chegaria a tempo do seu dia de se vacinar, então acionou uma conhecida que trabalha com sublimação e mandou confeccionar. 

"Atuo na área de saúde, trabalhei no SUS, sei da importância da vacinação em massa e ver o presidente, que deveria ser o maior exemplo positivo para o país, duvidar da eficácia das vacinas, questionar a ciência e desmobilizar a população a se vacinar usando argumentos ignorantes, me deixa furiosa. A ideia da camisa é uma maneira de mostrar que sou contra esse governo de morte, é uma forma de conscientizar quem está por perto. Foi legal ver a reação das pessoas na fila e reconfortante saber que elas gostaram!", diz ela. Alana mandou fazer a camisa (Foto: Acervo pessoal) Papel da moda na história

Num país onde a vacinação é considerada lenta e com escândalos diários em relação ao controle da pandemia, o uso destas peças parece ganhar contornos bem particulares por aqui. Doutora em Comunicação e pesquisadora de moda, Renata Pitombo, professora da UFRB, adianta que vestir-se é uma forma de estar no mundo e que as roupas são capazes de revelar as fases vividas pela humanidade, as influências sob as quais se estava, se eram momentos de alegria, angústia, bonança, crise.

No caso das camisetas, a história dos modelos T-shirt inicia por volta de 1920, pós-primeira guerra, quando militares dos exércitos europeu e estadunidense passam a usá-las no dia a dia, por ser mais prática. Antes tida como uma roupa interior, vestida por baixo de camisas de botão, ela ganha o primeiro plano, começando a ser exibida nessa época.

A partir daí, os EUA dão outros rumos para a peça: fazem com que vire identificação de funcionários, times de futebol, grupos colegiais e de universidades. Em 1940, já era usada para estampar rostos de políticos em campanhas eleitorais, tinha slogans, frases de efeito.

Duas décadas depois, entre 1950 e 1960, tornaram-se símbolo de uma juventude rebelde, contestadora e libertária. A partir de 1990, já era parte do guarda-roupa de todo o mundo. Hoje em dia, os próprios consumidores podem escolher as mensagens que querem colocar, procurando pequenas empresas de impressão silk screen.

Essas peças com mensagens de protesto dão a certeza de que a moda assumiu um certo protagonismo no tema da imunização, a roupa assumiu mais fortemente a forma de expressão, como uma mídia. “Neste momento, as pessoas mostram que algo supostamente tido como inútil se prova útil, a moda cumpre papel social em momentos de crise”, analisa a pesquisadora.

Designer e gestora de moda, Luciana Galeão recorda do case de sucesso da campanha mundial “Câncer de Mama no Alvo da Moda”, lançada em 1994, nos EUA, que rodou o mundo com diversos produtos estampados com a logo criada pelo estilista Ralph Lauren.

A campanha foi criada após a morte da amiga do estilista, a jornalista Nina Hyde, e o valor das vendas com a estampa, no Brasil, foi revertido para instituições de apoio a mulheres, ultrapassando mais de R$80 milhões arrecadados.

A ideia foi rapidamente acolhida pelo mundo da moda e das celebridades e ficou marcada pela camiseta branca com o alvo azul. No ano passado, a campanha completou 25 anos no país e segue ativa conscientizando sobre a importância da prevenção ao câncer.

Assim como esse movimento, Galeão vê que, nesta era, a moda também está se apresentando como sinônimo de proteção, protesto e cura. “É importante a moda ser vista como forma de contribuir para tudo isso, ela é reflexo do nosso comportamento, vestimos o que somos, a roupa fala por nós”, encerra.

CINCO LOJINHAS PARA COMPRAR SUA CAMISETA PARA O GRANDE DIA

1. Vista Representa (@vistarepresenta) Marca soteropolitana tem modelo a partir de R$ 35 2. El Cabriton (@elcabriton) A partir de R$ 68

3. Brusinhas (@usebrusinhas) A partir de R$ 60 4. Chico Rei (@chicorei) A partir de R$ 69,90 5. Vandal (@vandalpower) A partir de R$ 70

(Clique na foto para ampliar) [[galeria]]