Receba por email.
Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Linha Fina Lorem ipsum dolor sit amet consectetur adipisicing elit. Dolorum ipsa voluptatum enim voluptatem dignissimos.
Paulo Leandro
Publicado em 29 de setembro de 2021 às 05:07
- Atualizado há um ano
Fosse o futebol um soneto, alguns dos mais belos versos seriam dedicados à Estrela Solitária, considerando a condição dupla, de astro fadado à solidão e ao bom destino de um perfil identitário baseado em aura e autenticidade.
Em um breve exercício de premiação, torna-se imperativo ao ser, enquanto ser, praticar o dom da nostalgia, lembrando aquilo capaz de alegrar, ou, na falta da experiência, é possível buscar conhecimento junto a mitógrafos, a fim de tocar o louvor aos ídolos do Botafogo.
A décima musa pode assoprar aos ouvidos do apreciador da linguagem artística da bola, aderindo no culto ao Bota, representando com fidedignidade o maior fornecedor de craques da Seleção, além de não ter tanta ajuda dos wrights da vida, como o antípoda Flamengo.
Vamos verificar com quantos heróis se diz Botafogo, desculpando-nos pelas lacunas, pressupondo a memória como a faculdade de esquecer, e o saber, necessariamente incompleto, refutável e provisório.
Começo pelo gol, com o grande Manga e suas mãos fraturadas, de forma tal a agarrar a bola como um engaste, qual titânide mutante, erguendo-se o arqueiro incomum das sombras de Wendell e Ubirajara na regra-3 deste Botafogo atemporal porque eterno.
Na lateral direita, vamos de Perivaldo, revelado aqui no Itabuna e projetado pelo Bahia, formando no time tetracampeão de 1976; e Josimar, autor de dois golaços na Copa de 1986: dois craques pretos revezando.
O beque Osmar Guarnelli formaria par com Hércules Brito Ruas, tricampeão em 1970, o primeiro saindo com a bola grudada aos pés, enquanto o parceiro estaria sempre pronto a educar o atacante, demarcando linha limite até onde poderia avançar sem precisar de cirurgia.
Na ala esquerda, a disputa é entre o reinventor da posição, Nilton Santos, ao marcar o segundo sobre a Áustria, na Copa de 1958; e Marinho Bruxa, tempero da técnica de Michelangelo com o veneno nas cobranças de falta. Ainda tem Rildo ou Rodrigues Neto!
O volante titular é Carlos Roberto, recordista de jogos com a camisa alvinegra, servindo bem a Gérson, o Canhotinha de Ouro, Didi e sua folha-seca, meu caro amigo Afonsinho e o arisco Mendonça, ao entortar Júnior, em lance sempre repetido e, ao mesmo tempo, inédito a cada vídeo-tape.
No ataque, o poema à Estrela Solitária tem sua hora-auge com a figura do imarcável ponta de um drible só: Mané Garrincha, titular do Monte Olimpo F.R., megadeus das crianças, dos artistas, dos bêbados e dos passarinhos, vivos ou mortos: eis aí o glorioso vômito de Dioniso!
Zequinha e Rogério têm a honra de comer banco para Garrincha, em ataque superdotado de Jairzinho, o Furacão; El Lobo Fischer; Ferreti; Amarildo, o Possesso; Roberto Miranda; Cláudio Adão; e Túlio, talvez a última lenda, unindo bom humor ao balançar do filó.
A ponta esquerda teria Zagallo, deus da Obediência Tática, enquanto Dirceuzinho ginga em modo criativo, e Mário Sérgio Pontes de Paiva não permite às palavras darem conta da sua canhota, cultuada em Salvador com nome de avenida.
Não poderiam escapar dos versos o brilho do genial ‘malcolm X’ Paulo César e o silêncio de Quarentinha, homem-gol cujo senso de dever o impedia de comemorar pois achava obrigação botar lá dentro. Agora, falta só o técnico: João Saldanha ou Tim?
Paulo Leandro é jornalista e professor doutor em Cultura e Sociedade.