Luedji Luna: 'É importante falar do amor na perspectiva da mulher preta'

Cantora lança segundo disco nesta quarta (14) e conversa sobre maternidade e afeto

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  • Laura Fernades

Publicado em 14 de outubro de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Helen Salomão/Divulgação

A cantora baiana Luedji Luna, 33 anos, pediu 15 minutinhos para a reportagem antes de começar a entrevista. De volta à ligação, foi questionada sobre seu filho, Dayo, que está perto de fazer 3 meses, e sorriu com a voz: “Está aqui, mamando”. Enquanto alimentava o pequeno – quem é mãe sabe o malabarismo que é voltar ao trabalho –, Luedji confessou que não imaginava parir dois filhos ao mesmo tempo.

Estava tudo planejado: o primeiro semestre estava reservado para lançar seu segundo e esperado disco, enquanto o semestre seguinte seria dedicado à maternidade do seu primeiro filho. “Mas veio uma pandemia e mudou tudo”, sorri Luedji, que se sente “duplamente mãe” com o lançamento do álbum Bom Mesmo É Estar Debaixo D’Água, nesta quarta-feira (14).

Concebido e gravado durante sua gravidez, o álbum está disponível em todas as plataformas digitais. “Quase não lanço esse ano. Eu não via sentido gravar no olho do furacão, então decidi deixar para lá”, revela a cantora. “Na medida em que a pandemia se tornou uma condição, decidi lançar em outubro. Me descobrir grávida foi determinante para definir o tempo do disco”, explica.

Como em coração de mãe sempre cabe mais um, Luedji não só assumiu sua dupla gestação como escolheu divulgar o novo trabalho expondo sua bela barriga de 4 meses de gravidez, no clipe da música Bom Mesmo É Estar Debaixo D’Água, dirigido por Joyce Prado. Composta em parceria com o cantor e compositor François Muleka, a letra traz uma metáfora da própria gestação.

“O útero cheio d’água, o lugar do conforto, de segurança de um bebê”, compara Luedji. Curioso é que a música surgiu muito antes da cantora pensar em ser mãe. Na verdade, todas as músicas do disco estavam prontas há muito tempo, por isso não têm a maternidade como tema. O amor e a afetividade da mulher negra é que costuram o álbum.

Afeto Nas letras do disco que mistura jazz e ritmos africanos, estão diferentes mulheres: a independente que sai “sem sapato e sem anel no dedo”; a que denuncia ser “a preta que tu come e não assume”; e a que se declara para o “pai dos meus filhos”. Marcado por parcerias, o álbum inclui composição com a escritora mineira Cidinha Silva e um poema de Conceição Evaristo na releitura da música Ain’t Got No, eternizada na voz de Nina Simone (1933-2003).

“Esse disco é um olhar sobre as minhas próprias experiências, afetivas e amorosas, atravessadas pelo machismo e o racismo”, explica Luedji. “Acho importante trazer à tona o tema do amor na perspectiva da mulher preta, porque há uma ausência na literatura. Essa mulher falando como ama, quem ama. Quando se pensa em luta, existe, mas no campo sensível do afeto, não”, justifica.

Segundo a cantora, há um apagamento “como se as mulheres pretas não fossem dignas de ser amadas” e “isso destitui nossa humanidade, porque o amor nos humaniza”. “É um resquício do processo de escravização e eu rompo com essa lógica – primeiro dizendo que eu amo, sim, sou amada também e não é só sobre solidão. A gente é humana, a gente fode, ama, desama, fica sozinha. A gente vive”, finaliza.

Ficha técnica Álbum: Bom Mesmo É Estar Debaixo D'água Artista: Luedji Luna Produção: Luedji Luna e Kato Change Lançamento: Independente Foto de capa: Peu Fernandes