Luva e o contrato de pedreiro

Hiran Coutinho e Cláudia Lopes

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  • Da Redação

Publicado em 10 de julho de 2022 às 07:00

- Atualizado há um ano

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É comum escutar que “com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”. Pois é, as mídias sociais vieram para endossar este dizer, uma vez que, além dos grandes poderes, a visibilidade também está atrelada a alguns encargos, especialmente quando comercializada. Esta é, justamente, a realidade de Iran Ferreira, o Luva de Pedreiro, que fez do campinho de terra perto de casa um palco para demonstrar mundialmente o seu talento futebolístico e humorístico, e entreter milhares de internautas, ora tendo 15 milhões de seguidores somente no Instagram.  Há alguns meses, quando o influenciador possuía cerca de 250 mil seguidores, fora contatado pela agência ASJ Consultoria, representada por Allan Jesus, que, desde então, passou a gerir a carreira de Iran. Contudo, no último mês de junho, diversas notícias estamparam os tabloides digitais afirmando que, mesmo tendo firmado contratos milionários, o Luva de Pedreiro ainda conviveria com dificuldades financeiras e que a soma dos extratos de sua conta bancária demonstrava uma movimentação total inferior a R$ 7.500.  A divulgação de tais informações culminou em um rompimento turbulento entre a empresa agenciadora e o influenciador digital, com direito à concessão de uma tutela de urgência (liminar) que proibiu a veiculação de informações sobre o contrato firmado e imposição do pagamento de multa contratual estipulada em R$ 5,2 milhões. Esta última decisão judicial, em juízo sumário (decisão não definitiva), ainda ordenou o repasse de 30% (trinta por cento) dos valores angariados com os contratos do influenciador para a ASJ Consultoria até o cumprimento da integralidade do quantum rescisório.  Pois é, grandes contratos geram grandes responsabilidades, e, ainda que sejam repletos de aspectos positivos, como a possibilidade de ascensão social de um jovem humilde nascido em Quijingue-BA, acarretam relações jurídicas complexas. Entretanto, contratos não se concentram em folhas de papéis, em termos jurídicos de difícil compreensão e uma formalidade excessiva; pelo menos, não exclusivamente.  Contratar é algo mais comum do que se imagina. Está nas relações diárias com os bancos, na compra e venda de itens domésticos e até no simples empréstimo de uma bicicleta para um amigo. A informalidade dos contratos nos permite construir relações jurídicas sem uma forma específica, ratificando pactos orais, e não se atentar a tais características pode causar grandes prejuízos, especialmente a pessoas com baixa instrução.   Existem, porém, inúmeras singularidades nos diversos tipos contratuais.  Aqueles regidos pelo Código de Defesa do Consumidor, por exemplo, geralmente advindos de um termo de adesão, presumem uma vulnerabilidade do contratante. De outro modo, naqueles pautados no Código Civil – como é o caso do Luva de Pedreiro –, a hipossuficiência técnica, fática ou jurídica deve ser provada.  Em todas as espécies de relações contratuais, das mais simples às mais complexas, é imprescindível a prévia consciência de tudo o que será pactuado, a exemplo do objeto e do período contratado (o quê e por qual período), a forma de pagamento, as obrigações de cada parte e, especialmente, as formas de rescisão e suas consequências.  Portanto, atente-se! Ainda que qualquer negócio jurídico possa ser anulado em caso de vício de consentimento – erro, dolo, coação, simulação ou fraude –, isso não nos exime de chateações futuras. Pois, caso este contrato esteja firmado e exista a percepção ou a desconfiança de cláusulas abusivas, a orientação é sempre procurar uma consultoria jurídica para a realização de uma análise dos termos. Dessa maneira, o contrato poderá ser minuciosamente revisto e os termos e condições comparados ao tipo de relação, as partes e, também, ao mercado, culminando em uma possível propositura de ação anulatória de contrato ou de cláusulas contratuais específicas (caso a possibilidade de anulação não se estenda por todo o negócio jurídico).  Sendo assim, o melhor remédio é sempre prevenir contratações desvantajosas. Para isso, antes da assinatura de qualquer termo, sempre busque a orientação de um profissional do Direito para análise e esclarecimentos. Um ato simples, como este, poderá livrar uma grande dor de cabeça e resultados indesejados, além de afastar a possibilidade de golpes.

*Hiran Coutinho (@hirancoutinho) é advogado e professor universitário, mestre em Ciências Sociais. Cláudia Lopes (@claul_) é advogada.