Madre Encarnação era voltada para a contemplação

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  • Nelson Cadena

Publicado em 22 de novembro de 2019 às 15:09

- Atualizado há um ano

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Na manhã de 21/10/1687, Frei Euzébio de Mattos Guerra, irmão do poeta Gregório de Mattos, pregou o evangelho na solenidade de admissão de duas novas freiras clarissas - concluído o noviciado de um ano - as irmãs Madre Maria da Conceição e Madre Vitória da Encarnação. Esta última, conforme relatou o CORREIO, em reportagem publicada semana passada, poderá ser algum dia a segunda Santa do Brasil e da Bahia, a partir de processo recém instaurado no Vaticano por solicitação de Dom Murilo.

No dia em que Madre Encarnação recebeu a consagração como religiosa do Convento de Santa Clara do Desterro, a cidade celebrava com pompa a festa das 11 mil virgens. Foi com base nessa informação do arcebispo Sebastião Monteiro da Vide, que escreveu um opúsculo sobre a vida e morte da religiosa, que deduzimos a data da solenidade. O 21 de outubro é consagrado a Santa Úrsula e as 11 meninas (e não as onze mil da lenda) sacrificadas por Atila, Rei dos Hunus, no ano de 383.

O livro, publicado em Roma em 1720, nos revela o perfil de uma freira voltada para a contemplação e mortificação, dor e sofrimento como o caminho para se aproximar de Cristo. Era um dos cinco filhos de um casal nobre, três faleceram na primeira idade, restaram as duas meninas que ingressaram no noviciado. Vitória Encarnação, ao que parece, tinha o dom da mediunidade, conversava com as almas, as suas próprias colegas assistiram vários momentos dessa interlocução com os mortos.

A sua vivência de clausura foi marcada pela humildade. Varria os dormitórios, cozinhas e os quintais e “praticava ofícios baixos”, próprios das servas e foi vista comendo algumas vezes no mesmo prato dos cachorros. Foi extremada na pobreza, descreve o arcebispo: “Vestia sempre o mais grosseiro hábito e ele curto e remendado e nunca teve mais de um... Seu enxoval de roupa branca consistia em 2 camisas de fio... Servia-lhe de cama uma banca de 3 palmos de largura e descansava a cabeça num pequeno, mas, duro cepo.... Era seu guarda-roupa um balaio que guardava embaixo da cama”.

No final da vida doou a banca que lhe servia de cama e passou a dormir em uma esteira coberta com lençol de algodão. Essa limitação material fez com que, próxima da morte, fosse transferida para a cela da Irmã, com maior conforto e espaço para os cuidados médicos e espirituais.

O mais impressionante da biografia da freira baiana é seu excesso na flagelação e mortificação do corpo. Sextas feiras carregava uma pesada cruz de madeira, colocava na cabeça uma coroa de espinhos e batia com força nas faces da cara ao ponto de inchar. “Usava instrumentos penitenciais para macerar seu corpo: umas de fio com pontas molestíssimas, outras de corda de viola, outras finalmente, de couro cru, que ela mesma torcia, e que depois das de ferro, de que também usava, aturavam mais os rigores com que afligia seu virginal e delicado corpo. Muitas vezes era preciso caiar as paredes do coro, manchadas de sangue”.

Faleceu após seis anos de uma grave doença “interna” e de um corpo flagelado, cheio de feridas semelhantes às da lepra e chagas de “malignos entrazes”, os temíveis furúnculos avermelhados que afligiam as populações daquele tempo. O opúsculo de Monteiro da Vide não teve o efeito desejado, a instauração de um processo de beatificação. A causa não vingou. Os arquivos da Sagrada Congregação dos Ritos, no Vaticano, se consultados podem revelar-nos o por que do pungente relato do prelado, detalhando o zelo com os doentes e supostos milagres da freira soteropolitana, não sensibilizou a Congregação Para as Causas dos Santos.