Mais colados do que nunca: como a pandemia afeta o temperamento dos animais domésticos

Convivência em tempo integral com os donos e o distanciamento social interferem no temperamento dos pets

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  • Kátia Borges

Publicado em 5 de setembro de 2020 às 07:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Acervo pessoal

Se há um consenso nessa pandemia é de que os bichinhos andam felizes da vida com seus tutores em casa, mas tão desregulados quanto eles. Que o digam Brad e Malu, os cães da advogada Silvia Novis. Com passeios mais curtos e a higienização das patas a cada saída, tornaram-se ansiosos e mais apegados do que nunca. “Eles comem e dormem bem mais que antes e vivem grudados em mim”, diz.

Mas como administrar esse cotidiano tão coladinho e diferente, vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana, ao longo de quase seis meses? “Cuidar dos meus cachorros na pandemia tem sido uma questão de amor incondicional”, resume Silvia Novis. E amor, sabemos desde sempre, envolve dedicação e paciência.

Foi assim que a assistente social Ana Maltez conseguiu lidar com a integração entre Mema e Sintra, que se tornaram uma a sombra da outra na pandemia, embora sejam um cão e um gato. “Como adotamos a gatinha bem filhotinha, nossa cachorra, que é muito carinhosa, virou a referência dela para tudo, inclusive em comportamento. Acho que ela nem sabe mais se é um gato ou um cachorro”, conta rindo.

Tom e Ducha, os gatos do casal de jornalistas Nilson Galvão e Emília Valente, não têm do que reclamar quando o assunto é viver grudadinho com eles, bem ao estilo sombra na parede. “Mesmo quando estamos trabalhando remotamente, eles aparecem volta e meia, sobem na bancada do computador, pisam no teclado e ficam deitados com poses dengosas à espera de cafuné”, conta Nilson.

Dia desses, ele se viu em maus lençóis ao vivo, durante um sarau online que reuniu escritores de vários países da América Latina. Não contente em assistir tudo na área VIP, Ducha decidiu encarar a câmera e roubou a cena: quase derrubou uma taça de vinho e se enroscou no fio da luminária, deixando o poeta praticamente às escuras. “A lâmpada queimou. Sorte que o sarau já estava perto de acabar, mas passei o resto do tempo sem a iluminação cênica”, diz. Nada que não rendesse umas boas gargalhadas e uma conversa séria com a exibicionista nos bastidores.

Afinal, papos longos também fazem parte do cotidiano quando se reparte um convívio tão intenso diariamente. Os gatos da professora universitária e poeta Ângela Vilma viraram experts em diversos assuntos, enquanto assistiam a programas da TV junto com ela na cama. 

“Como somos só nós três em casa, eu me acostumei a conversar com eles sobre tudo, desde impressões sobre o que vejo no jornal ou na novela ou num filme ou num livro”, diz. E é claro que os dois prestam atenção e, às vezes, até respondem com um ronronar de mais pura aprovação.

Papo sério Mas nem tudo é engraçado e relaxante na convivência com os animais de estimação durante uma pandemia. A fisioterapeuta Jamile Ribeiro, por exemplo, perdeu um de seus três cachorros, Foquinho, em meados de julho e ainda hoje administra a reação dos outros dois, Lolô e Babalu, a essa perda. “Ele estava com câncer no fígado. Era o mais velho e os outros dois ficaram muito tristes e estressados. Um deles precisou colocar um colar no pescoço para não lamber a pata compulsivamente”, detalha.

A ansiedade dos animais, conta, foi agravada pela atitude do condomínio onde a família mora, em Lauro de Freitas, que proibiu os passeios com cães enquanto durar o distanciamento social. “Eles sentem falta de sair. Ficaram mais sensíveis na pandemia. Todas as vezes em que chegamos perto de Lolô, ela pega a coleira e vem nos entregar. E Babalu, uma vez, escapou. Deu um trabalhão, mas conseguimos trazer de volta”.

Pelo visto, só não dá para fugir mesmo da necessidade de higienizar todos os objetos que entram em casa, mais uma tarefa que se soma a todas as outras em meio ao isolamento. “Esse lado é bem difícil, ter que dar conta de limpar tudo, cuidar pessoalmente dos gatos e ainda encontrar espaço e concentração para estudar e ler. Ao mesmo tempo, sinto que isso nos aproxima ainda mais”, diz Ângela Vilma. Amor, sabemos desde sempre. Infelizmente, nem todos amam os animais. Jamile com o marido Moacir, a filha Alice e as cadelas Lola e Babalu (Foto: Acervo pessoal) Estado de emergência  O crescimento do abandono de animais nas ruas de Salvador, desde o começo da pandemia do covid-19 – apesar do consenso médico de que eles não transmitem o vírus e da existência de uma central tira-dúvidas (71 3283-6736) –, tem deixado ONGs e protetores independentes em alerta. Felizmente, as adoções também seguiram firmes e até aumentaram um pouco no mesmo período.

Fundadora de um instituto que leva seu nome, Patruska Barreiro diz que estamos vivendo hoje em estado de emergência na área da proteção animal. “Não temos atendimento gratuito e até as castrações estão dificílimas de conseguir. Contamos apenas com a ajuda de alguns parceiros, distribuidoras de ração, protetores independentes, clínicas e hospitais, além da população da cidade”.

O abandono se dá, sobretudo, pelo medo injustificado de contaminação. Alguns animais até têm o vírus, mas ele não é transmissível para os seres humanos. “Quando você se informa pelos canais certos, esse receio não existe. Felizmente, os veterinários têm feito um trabalho muito bom de esclarecimento”, observa Ana Maltez.

Preocupada com a saúde do seu pequeno Lion, a estudante Lays Oliveira diz ter reforçado a higienização de tudo que é destinado a ele, sejam brinquedos ou alimentos. Também passou a organizar novos horários de passeio, de modo a reduzir o contato com outros humanos ou animais. “Agora, levamos eles bem cedo ou mais tarde, quando o fluxo de pessoas na rua é menor”, explica.

De acordo com a OMS, Lays está agindo corretamente. No caso dos bichinhos, a regra é a mesma que vale para os humanos: higiene. 

Saiu com seu pet e encontrou muitas pessoas? Dê um bom banho com água e sabão e limpe bem as patinhas. Está com sintomas, mas precisa lidar com ele? Use máscaras e luvas. A situação econômica deu uma piorada? Peça ajuda. Só não vale abandonar à própria sorte nas ruas, ok? Memi e Sintra, os pets da assistente social Ana Maltez (Foto: Acervo pessoal_ Doações e adoções Se na pandemia os laços de afeto ficaram mais evidentes, o mesmo aconteceu em relação às necessidades de atenção animal. “Já começamos a sofrer os efeitos da inércia em relação às políticas públicas nessa área, pois a vulnerabilidade social afeta diretamente os animais”, observa Patruska Barreiro. Em seu instituto, ela abriga mais de 200 bichinhos e vive com eles, já que ainda não conseguiram uma sede.

As doações, diz ela, caíram 70%, enquanto os pedidos de ajuda subiram 400%. “Tentamos, na medida do possível, ajudar a todos, orientando, buscando atendimentos solidários e intermediando adoções”, conta. Mas, como eu, que nem tenho animas de estimação, posso ajudar? Bom, vai no @institutopatruska e adota um bichinho (não tem risco algum) ou liga para o 71 99933-1450, que também é WhatsApp. Vale para tirar dúvidas e também para fazer doações. Os bichinhos agradecem.