Manifesto dos 150 pediatras e o exemplo de irresponsabilidade que eles dão

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  • Flavia Azevedo

Publicado em 6 de dezembro de 2020 às 13:37

- Atualizado há um ano

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Lembrei do nome daquela banda baiana dos anos 90, a brincando de deus (em minúsculas mesmo, é assim), quando vi que um grupo de pediatras brasileiros publicou um manifesto pela reabertura das nossas escolas públicas em fevereiro de 2021. Eles/as sugerem adequações, obras e tal e um dos representantes garante que “a escola com estrutura e protocolos protege, em vez de colocar em risco”. Fiquei aqui pensando assim: “que incrível eles/as descobrirem que escola com boa estrutura e pessoal bem formado e boa merenda e ambiente saudável protege!”. Fora isso, a constatação "inédita" de que a nossa rede pública precisa (já houve um tempo em que não precisasse?) de melhorias. Eu tô é besta com tanta perspicácia. Que galera sagaz! Só que não.

("Mas em outros países reabriram". Oi? Vamos MESMO comparar?)

São pediatras. Beleza. Infelizmente, faz sentido a intervenção pirotécnica. Treinados para cuidar de crianças, não raro ultrapassam limites e viram "gurus" de famílias inteiras. Porque muitos são assim (e a gente deixa), agora, acenam com a "solução" para a vida de milhões de crianças brasileiras. E a solução é “arruma essas escola tudo aí e abre que #lugardecriançaénaescola, pronto acabou”. Bem "fácil", bem "adequado", bem "possível" e pra quê multidisciplinaridade, afinal? Para alguns/as doutores/as bastam as suas certezas. Estes/as, tão irresponsáveis quanto aquela que me mandou dar leite artificial ao meu filho de um mês. Tão arrogantes quanto os que nos chamam de “mãezinha” porque, evidentemente, se não fiz medicina - e me especializei em pediatria -, sou bem “inha” e devo, apenas, obedecer. 

Sabe o que, em uma situação como a que vivemos, uma categoria, sozinha, apita no todo? Nada. Principalmente porque, nesse caso, o barulho foi muito, mas são apenas 150 indivíduos. Compartilhados à exaustão por gente que, compreensivelmente, não "aguenta mais". Gente louca por soluções mágicas, com as vistas (e tudo mais) cansadas, legitimam a opinião dos caras e se defendem com "mas são pediatras!". Sim, só que apenas isso, mesmo que colecionem especializações e nem sabemos se é o caso. 

O que esse grupo estudou sobre infectologia, covid-19 e sobrecarga de transporte público nas grandes cidades? Sabem quantas pessoas são mobilizadas para o funcionamento de uma única escola ou imaginam que cada instituição é uma ilha onde crianças e funcionários/as se materializam no início de cada turno e de lá saem voando, até as próprias casas, com suas próprias asinhas? Nessas casas não há idosos, pacientes crônicos, gente frágil? Estavam estudando a dinâmica da rede pública de ensino desde quando, em suas trajetórias profissionais? Já são quase dez meses de escolas fechadas e reabrí-las é a única proposta para assegurar os direitos dos pequenos cidadãos? Alô!!!! Tem alguém pensando em alternativas, de fato? 

Não consigo ver essa postura de outra forma que não seja fazendo o paralelo com a atuação em consultório. Pediatras que mandam tirar do peito "porque sim", que "não pode deixar chupar o dedo", que cama compartilhada "atrapalha o casal", que um monte de coisas sobre as quais se sentem magicamente autorizados/as a opinar. E humildemente acatados/as por quem não consegue pensar. Uma relação esquisita da qual só fui salva porque sorte pouca é bobagem e "minha pediatra" repete que "pediatra não é deus" e "confie em você". Recortes que desconsideram contextos são recorrentes, passar por cima da complexidade humana é comum. Neste momento, da complexidade coletiva, de um cenário de pandemia e, inclusive, de questões básicas, por exemplo de mobilidade urbana. Bom lembrar que "pediatra não é deus" e, acredite, pode até nem entender de criança.

Escola faz uma baita falta. Se faz aqui em casa - onde não há qualquer vulnerabilidade social - evidentemente que sei da tragédia em realidades menos confortáveis. É um problema gigante, mas nenhum raciocínio que eu faça aponta para a possibilidade de que reformar todas as escolas do Brasil, vestir todas as crianças e funcionários/as de astronautas e exigir delas/es comportamento impecável possa ser uma solução factível para o caos. Acho criminoso, até, que se proponha isso. Em muitos âmbitos, inclusive no evidente impacto emocional de cobrar o impossível de quem não tem idade pra dar. Isso, como proposta para salvar crianças da miséria doméstica instalada. Mas com tanto estudo, ainda não há uma solução intermediária? Pasmo.

Vamos penar, ainda. Por quanto tempo, não se sabe. Mas, talvez, por um período menor se cada um/a jogar, direito, na posição para a qual foi escalado/a. Aos fatos: pediatras, por exemplo, poderiam bem se manifestar pela inclusão das crianças nos estudos das vacinas e nos grupos prioritários, quando da vacinação. Só uma dica, claro. Porque é inevitável querer pautar a "militância" alheia quando é tão evidente o deslocamento de função. De todo modo, há milhares de pediatras, no Brasil. Outra coisa que acho importante, agora, é saber o que pensam, que responsabilidades assumem e do lado de quem esses outros tantos estão.