'Me reconheço privilegiado por ter nascido branco', diz Ciro Sales

Ator baiano interpreta Du Love em Segundo Sol, apresenta o Catfish Brasil, da MTV, e está com uma peça no Rio de Janeiro

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  • Naiana Ribeiro

Publicado em 22 de julho de 2018 às 06:35

- Atualizado há um ano

. Crédito: Pino Gomes/Divulgação

Quem vê o garoto de programa Du Love na novela Segundo Sol, da Globo/TV Bahia, pode até não se lembrar, mas quem está por trás do bonitão é uma figura familiar. Bem capaz até de você ter se batido com ele nas ruas da capital baiana. Apesar de morar há quase quatro anos no Rio de Janeiro, o ator baiano Ciro Sales, 32 anos, não cortou os laços com a terra natal: vira e mexe está por aqui e leva consigo as raízes baianas.

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Nascido no bairro da Graça, o artista e gestor cultural já morou no Costa Azul e na Ladeira da Barra. É ator desde pequeno e formou-se em produção cultural pela Faculdade de Comunicação da Ufba. Também fez cursos na Espanha e nos Estados Unidos e se especializou em políticas culturais. Trabalhou como diretor de fomento à cultura na Secretaria de Cultura da Bahia e foi diretor do Teatro Vila Velha. Ganhou ainda o Prêmio Braskem de Teatro 2016 com Efeito Werther (2015) e produziu diversos espetáculos em Salvador e no Rio. Prêmio Braskem 2016: Peça Efeito Werther, com Luisa Proserpio, Ciro e Will Brandão foi premiada pela iluminação (Foto: Divulgação) Ciro ficou mais conhecido nas telinhas ao tornar-se apresentador do reality Catfish Brasil, da MTV brasileira. A segunda temporada do programa, que discute relacionamentos virtuais, inclusive, estreia quarta-feira (25). Participou ainda das novelas Haja Coração (2016) e Rock Story (2017). 

Em entrevista ao CORREIO, ele declarou seu amor pela Bahia, falou sobre sua trajetória profissional e opinou sobre a cena artística local. Disse que encara de forma tranquila o rótulo de galã, mas reconheceu seus privilégios: “Me preocupo com minha disposição física mais do que com a estética, mas me reconheço uma pessoa privilegiada por ter nascido branco, de olho claro, e por ter tido a instrução que tive. Tenho consciência que isso é um lugar de poder no nosso país”. Leia entrevista completa abaixo.

Além de ator, você é também gestor cultural. Como você conduziu sua carreira? Profissionalmente, desenvolvi essa trajetória como gestor cultural – eu trabalho com isso até hoje, faço consultoria – e, em paralelo, fui trabalhando como ator sempre. Em 2002, fiz meu primeiro curso profissionalizante como ator. Foi na Faculdade Social da Bahia (FSBA) e já nem existe mais. Antes disso, já fazia teatro na escola. Desde pequeno eu sempre tive muito contato com teatro e, em Salvador, fiz o Curso ATO de Teatro, com a Andréa Elia. Quando fiz vestibular, minha mãe falou que eu deveria fazer teatro, mas, apesar de ser ator, imaginava que podia trabalhar também como produtor, não só estando em cena, mas ajudando a coisa acontecer. (Foto: Pino Gomes/Divulgação) Minha trajetória acadêmica foi para o lado da produção cultural. Eu fiz Facom e me formei em produção. Depois fui para Espanha – onde estudei produção de cinema – voltei e comecei a trabalhar na Secretaria de Cultura da Bahia. Me especializei em gestão cultural, em políticas culturais, e fui Diretor de Fomento à Cultura da Bahia durante um período. Mas, teve um momento em que achei que, como gestor, já tinha alcançado muito terreno. Com 23 anos de idade,  tinha uma vida muito bem estruturada e chefiava 40 pessoas, todas mais velhas que eu. Tinha um salário razoável, morava sozinho, tinha um carro... 

Decidi produzir espetáculos e me dedicar integralmente à carreira de ator. Foi o ano  que estreou Drácula (2012). Fiz Amor Barato (2013), um musical, e Nunca Nade Sozinho (2013).

Quando e por que mudou-se para o Rio de Janeiro? Me mudei com uma temporada da peça Nunca Nade Sozinho, que foi dirigido pela Nadja Turenkko - atriz que faleceu vítima de câncer muito jovem - em 2014. Quando estreou Apartamento 1201 (2015), ficava indo e voltando toda semana. Levei Cristina Moura, do Rio, para dirigir profissionais de Salvador. Ir para o Rio não era uma meta de vida: quis sair  para aumentar o mercado de trabalho. Mas meu objetivo de vida é voltar.

Os modelos de trajetória profissional da minha geração saíram de Salvador. Foi o caso de Wagner Moura, Lázaro Ramos. Eu gostaria de fazer parte de uma geração que constroi um modelo oposto para os próximos atores. Ao invés de reclamar do mercado, gosto de tentar fazer minha parte para que o mercado seja melhor. Ao invés de reclamar que os atores ganham muito mal, gosto de fazer um projeto, captar recursos e pagar bem. Sempre acreditei que as práticas que a gente faz precisam ser o exemplo do que a gente quer ver.  Efeito Werther: Luisa Proserpio, Ciro e Will Brandão (Foto: Divulgação) Me mudei para o Rio, mas não cortei vínculos com Salvador, muito pelo contrário. Eu moro no Rio, mas trabalho em Salvador. A gente também fez Efeito Werther, que ganhou o Prêmio Braskem 2016. Foi o último espetáculo do SuperNova, a nossa companhia. Ensaiamos no Rio, estreamos em Salvador, teve uma temporada incrível. Essa ponte Salvador-Rio me interessa muito.

Onde você nasceu e estudou aqui em Salvador? Nasci na Graça, morei no Costa Azul e estudei no colégio Gênesis. Mudei para Campinas quando tinha seis anos. Fui alfabetizado lá e depois fui para a França. Passei um muito tempo da minha infância fora de Salvador. Quando voltei de Paris, com 11 anos, fui morar no interior da Bahia com meus avós. Quando voltei fiquei em Miguel Calmon, que é a minha referência de casa, de família e de vida no campo. Sou muito ligado a fazenda. Depois, de volta à Salvador, eu já tinha 12 anos e estudei no Colégio Portinari. Segui até o vestibular.

Entrei na Ufba e nessa época já morava na Barra. Depois fui para Espanha, onde passei por Salamanca, Madri e Barcelona. Voltei para Salvador e já comecei a trabalhar no governo. 

Você apresenta o Catfish, da MTV Brasil, que estreia essa semana. Como surgiu essa oportunidade? Depois da minha mudança pro Rio, trabalhei bastante com teatro e audiovisual. Fiz o teste para ser apresentador do Catfish, em 2016, e passei. Foi um teste disputado, demorou muito. Virei o apresentador do Catfish, que é uma coisa que eu amo fazer, tem muito a ver comigo. Sou esse cara que realmente cuida dos outros, dos amigos, que aconselha. O programa faz muito sentido pra mim. A partir do Catfish, as pessoas perguntavam se eu já era apresentador e na verdade não. Como ator, eu trabalho com material sensível, com emoção e sentimento. No Catfish, o que eu faço é conduzir o processo com o Ricardo Gadelha do meu lado.  Ricardo Gadelha e Ciro Sales apresentam o Catfish Brasil (Foto: Divulgação) Além disso, você é o Du Love em Segundo Sol. Como surgiu o papel? Já tinha feito outros trabalhos e testes e quase fiz uma novela, mas, por conta do Catfish, ficou uma relação como se eu não estivesse disponível com a Globo. E, como eu estava na MTV, não me chamaram para teste, porque estava em outro canal... Quando a Vanessa Veiga, a produtora de elenco que faz Segundo Sol, recebeu esse trabalho ela veio com essa bandeira de colocar atores baianos nessa novela (que se passa em Salvador). Ela começou a testar vários atores baianos para colocar na novela. Dentre eles, eu estava e ajudei a Vanessa quando ela foi a Salvador.

Apresentei ela a vários atores, como a Claudia di Moura (Zefa). Fiz o teste do Segundo Sol e ela me disse que me queria na novela. Num primeiro momento foi difícil de confirmar o personagem e depois me disseram que tinha o Du Love. Fiquei muito feliz, porque é um universo muito distante de mim – um garoto de programa, que vive numa casa de prostituição – mas é um desafio. O gostoso dessa carreira é que o ator sempre tem a chance de se confrontar com realidades que não necessariamente são a sua.  Garoto de programa, Du Love já namorou a vilã Laureta (Foto: Reprodução) Como foi o processo de construção do personagem? Entrei num trabalho de pesquisa de entender como é a prostituição de luxo, se existe isso em Salvador, como que seria esse garoto e porque ela faz programa. Foi quando fiquei sabendo que mais do que estar na casa, o Du Love é o ex-namorado da Laureta (Adriana Esteves). Que ele iria se sentir ameaçado pela chegada do Ícaro (Chay Suede) e achei muito gostoso tudo isso. Estou tentando construir um Du Love como sendo um cara que não é mau caráter. Ele foi acostumado a ter uma posição de destaque, tem um lugar de prestígio na casa. Quando sente que está ameaçado, tenta recuperar isso.  (Foto: Reprodução) O Du Love está virando bem parceiro da Rosa (Letícia Colin). O que você pode contar dessa relação? Ele descobre que a Laureta está traficando drogas e, numa tentativa de se manter influente na casa, tenta ir ali com a Rosa e passa essa informação pra ela. Assim, a Rosa vai em cima da Laureta. Isso está acontecendo por agora. Depois, a Rosa vai continuar pedindo informações para ele. Eles criam uma relação que a gente não sabe ainda para onde que vai. Está previsto que a Rosa vai ter uma grande virada na novela e a gente acha que o Du Love vai estar mais próximo dela.

O Du Love e a Rosa têm uma relação. A Rosa não está julgando se é certo ou errado fazer o que ela faz. É uma mulher independente que está correndo atrás do seu conforto, da sua tranquilidade. Dentro disso, apareceu a oportunidade de fazer programa e ela faz sem julgar. Acho que o Du também caiu nesse lugar. Talvez, em um primeiro momento, ele tivesse até vergonha. Mas depois ele pensou que está tudo bem, que está trabalhando e que o trabalho dele faz as pessoas felizes.  Rosa terá uma grande virada em Segundo Sol; Ciro crê que os personagens estarão mais próximos (Foto: TV Globo) Tem muitas coisas que vão acontecer. A Laureta e o Du Love vão ter uma recaída em breve – a gente já gravou e é muito divertido.

O Du Love está chegando nos 30 e já é considerado ‘ultrapassado’ na profissão. Vocês têm se preocupado com essa discussão? A gente gravou umas cenas do Du Love estudando pro Enem e depois esse assunto volta. A gente vê que ele está programando um plano B ali e já entendeu que não vai poder viver de prostituição a vida toda. Ele até aconselha o Ícaro de que ninguém dura muito nessa vida.

Essa semana, chegaram umas outras cenas relacionadas a essa história do vestibular, da faculdade, da vida depois, mais para frente. O que está no ar agora está em torno do capítulo 50 e pouco e a gente está no 70 e pouco. Ainda tem coisas por vir. Você também participou de Rock Story e Haja Coração. Quer fazer mais novelas? A vantagem de trabalhar como ator é essa possibilidade que você tem de viver diversas experiências, que te transportam para outras realidades, e gosto muito disso. Estou sempre aberto a trabalhos novos que façam algum sentido pra mim. Faz muito sentido estar em uma novela que se passa em Salvador. É a primeira vez que o horário nobre da Rede Globo retrata uma Salvador contemporânea, de hoje em dia, onde tem gente bem sucedida e a coisa circula. Não é aquela coisa folclórica. Eu queria estar nessa novela e que bom que estou nela. E quero estar em uma próxima se assim fizer sentido pra mim. Se tiver algo que eu possa dizer com esse trabalho.

A gente vai amadurecendo e chegando em um lugar de carreira onde a gente não quer fazer qualquer coisa. Eu sou muito romântico e preciso acreditar que meu trabalho muda o mundo. Sempre foi assim. Por isso trabalhei no programa de fomento à cultura: eu queria que os recursos públicos fossem bem distribuídos e que não fossem para os projetos amigos do governador. Continuo conduzindo minha carreira artística da mesma forma. Quero, sempre, que meu trabalho faça a diferença.

Quando eu entro em cena no teatro é porque eu quero muito dizer aquelas coisas; quero muito que alguém naquela plateia tenha sua vida mudada. Sei que é muito utópico falar assim, mas sou mesmo. Eu penso assim. Não vou pegar um projeto, tirar dias da minha vida pra escrever o projeto, defendê-lo, apresentar para possíveis patrocinadores, mobilizar uma equipe, pensar em uma divulgação, ensaiar aquilo e levar à cena se eu não tiver acreditando que aquilo vai fazer o mundo ser melhor. Gosto de fazer as pessoas rirem – nessa peça que estou agora elas riem muito - mas também quero que reflitam. Além de tudo, você está numa peça! Sobre o que ela fala? Se chama Match e quero levar para Salvador no ano que vem. É um casal que se encontra em um aplicativo e o espetáculo fala muito sobre como a gente se relaciona hoje em dia. Existem certas relações que são meio truncadas e que a gente poderia ser tudo muito mais simples. Poderia sempre dizer objetivamente, com honestidade o que estão sentindo, mas não. As pessoas fazem jogo. Não querem mostrar suas fraquezas, nem se revelar para o outro e, nisso, todo mundo se perde. A peça é sobre um casal que fica nesses altos e baixos. Carol Tilkian e Ciro Sales: Peça Match deve vir para Salvador em 2019 (Foto: Divulgação) Todo mundo se identifica e acaba tendo um paralelo com o Catfish, porque no programa eu também falo muito sobre isso com as pessoas que participam. Tanto no espetáculo quanto na maioria dos episódios do Catfish, a virtualidade tem um papel muito grande porque esse casal da peça se conheceu num aplicativo. Independente deles terem se encontrado ou não, ambos fazem a gente pensar sobre o que a gente está fazendo com a nossa forma de se relacionar. Os dois acabam sendo uma reflexão para quem assiste sobre o que podem fazer diferente sobre a forma de se relacionar com as pessoas, como podem ser mais honestos consigo e mais diretos com o outro.

Tanto o programa quanto a peça são um apelo por uma forma mais saudável de se relacionar. É também um apelo meu. Eu gostaria que as pessoas relacionassem de uma forma mais saudável com elas mesmas, com o planeta, com seus paqueras, crushes, maridos, namorados... Quanto mais a gente cuida da qualidade das relações, tudo reverbera positivamente ao redor.Como surgiu a ideia da peça? É uma produção minha junto com a Carol Tilkian, atriz que faz par comigo. O projeto é dela e do diretor Bruno Guida, que assistiu  nos Estados Unidos, comprou os direitos, traduziu o texto para português e montou no Brasil. Eles me apresentaram, eu gostei da ideia, e produzi. Está em cartaz na sala principal do Espaço Cultural Municipal Sérgio Porto, no Humaitá, até dia 29 de julho.O programa e a peça têm a ver com algum momento pessoal seu? Com certeza. Como artista, tento sempre ser atravessado com a minha experiência pessoal, em relação a qualquer trabalho. Imprimir algo da minha experiência profissional ou absorver algo. Quando eu fui selecionado para o Catfish, foi uma surpresa muito grande, porque não tinha nenhuma intimidade nem com o programa e nem com o próprio universo de relacionamentos virtuais, porque eu nunca me relacionei dessa forma. Sou uma pessoa muito da presença, eu nunca consegui ficar muito tempo em uma conversa virtual sem encontrar. Tive que lidar com um preconceito meu, de acreditar que, porque eu não consigo, ninguém conseguiria. Isso foi um aprendizado na gravação da primeira temporada do Catfish: entender e conhecer essas pessoas e aceitar que o amor existe mesmo sem a presença. As pessoas dão um jeito de serem presentes de outra forma. (Foto: Divulgação) Foi muito curioso refazer esses conceitos dentro de mim. Passei a ter uma relação muito mais saudável com a abordagem virtual das pessoas. Depois do Catfish, eu já começo a acreditar que conversas que a gente tem online podem virar outras coisas, porque as pessoas se conhecem de formas completamente inusitadas. O programa contribui muito para abrir minha cabeça e fazer que eu entenda mais sobre o afeto e o que realmente importa. Me ajudou as pessoas passaram a confiar mais em mim – eu tinha uma amiga super próxima que nunca tinha me contado que vivia um relacionamento virtual. Já o espetáculo Match me ajudou muito no âmbito pessoal a colocar clareza na relação que eu estava vivendo, no meu namoro. Ao assistir à peça, você entende que o que falta aos personagens é falar claramente.

Na web, vi muita gente elogiando sua beleza. Você se considera bonito e vaidoso? Eu tenho uma relação muito tranquila com isso. Acho que todo ator é um ser vaidoso. Mas ao invés de rechaçar a vaidade, é importante reconhecê-la e trabalhar a partir dela. Não tenho medo dela e nem acho que ela me transforma em uma pessoa ruim. Eu sempre a coloco em um lugar saudável - do cuidado com a minha saúde, do bem-estar. Me preocupo com minha disposição física mais do que com a estética e com a beleza do músculo. Me preocupo mais com a capacidade do meu corpo de se mover. Como eu faço teatro desde muito pequeno, sempre entendi meu corpo como meu instrumento de trabalho. Um ator trabalha com seu corpo, sua voz e seu material sensível, suas emoções. (Foto: Arquivo pessoal) Quando faço um trabalho de fortalecimento no corpo, isso nunca passa pela estética. É sempre pela disposição. Nunca fiz musculação porque sempre consegui o resultado com outras atividades, com dança. Hoje faço remo, bicicleta, natação, fortaleço com pilates, faço acupuntura e tento fazer yoga e meditação. Me perguntam se eu tenho medo do rótulo galã, mas não. Se eu for fazer um personagem que é galã, ótimo, estarei servindo ao lugar de galã naquele momento.

Penso que a beleza é um assunto, quando a gente olha alguém a gente comenta sobre a beleza ou sobre a falta de beleza da pessoa. No mundo artístico, a beleza é um problema. Ou você se apega a ela e vive disso, mas precisa lembrar que não dura pra sempre. Ou você se liberta dela e transcende. E são belezas: cada pessoa é bonita de um jeito. Acho que existe um padrão de beleza que aprisiona, escraviza, e eu não acredito nesse modelo. Não sou escravo. Me amo do jeito que sou e me reconheço privilegiado por ter nascido branco, de olho claro, em um país como o Brasil, por ter tido a instrução que eu tive. Tenho consciência que isso é um lugar de poder no nosso país.  (Foto: Pino Gomes/Divulgação) Qual a sua análise sobre a cena teatral local?  Eu tenho muito orgulho de ser um artista baiano. Eu me defino assim. Pra mim, o baiano é uma grande qualidade do que sou. Tenho um enorme orgulho do teatro que se faz na Bahia, de ter aprendido a fazer teatro na Bahia, e não é uma coisa retórica. Tendo viajado, conhecendo outras realidades e trabalhado com artistas de outros lugares, tenho entendido essa qualidade do ator baiano, de se preocupar muito com o outro. O ator baiano joga capoeira e tem esse coisa da malícia, da proposta, de desafiar o outro. Aprendi isso com meus mestres, professores e pessoas com quem eu trabalhei, que são baianos: Fernando Guerreiro, Marcio Meirelles, Harildo Deda.  Harildo Déda foi mestre de Ciro (Foto: Diney Araújo/Divulgação) Quando eu te digo que sou um artista de grupo isso vem da Bahia. Eu aprendi a fazer teatro coletivamente. A minha companhia é residente do Teatro Vila Velha, que é um espaço de resistência de grupo. Ele foi fundado por um grupo de alunos da Escola de Teatro da Ufba, que reproduzia os modelos europeus de teatro.  As pessoas que escolhem fazer teatro na Bahia escolhem isso porque têm paixão por isso e pelo ofício de ator. Elas não querem necessariamente virar celebridade. Parte das pessoas que escolher ser ator no Rio e em São Paulo está mais interessada em ser celebridade do que ser artista. Isso é natural porque são mercados que estão muito próximos da televisão, da indústria da celebridade... E a gente, em Salvador, não está perto disso. Isso já imprime uma qualidade em nós, atores baianos. Quem é ator, na Bahia, é porque gosta da arte, é porque é tocado por isso.  Eu acho que isso imprime uma qualidade resulta em um mercado rico, com muita coisa sendo feita e com muito propósito. As pessoas querem falar sobre algo e por isso se reúnem e falam. É como se, grosseiramente, o mercado carioca do teatro é de oportunidade e ocasião e, na Bahia, o mercado é de propósito.

Você acredita que o ator baiano tem um diferencial? É difícil demais viver como ator, a gente ganha muito pouco. É para guerreiros. Não estou falando da minha vida, porque não tenho do que me queixar. Mas, justamente por produzir, vejo como é o mercado. Sei quanto ganha um técnico, quanto não ganha um ator, porque quer estar em cena mesmo quando o projeto não tem apoio. Às vezes, o ator investe para estar em cena. Isso é generalizado. Não é que o mercado, na Bahia, é fraco. Isso é com relação a ser artista no Brasil. É óbvio que no Rio de Janeiro e São Paulo os mercados são mais estruturados nos dois lados, tanto no investimento que se faz quanto o público que consome. Mas não é tão grande a diferença.

Eu moro no Rio não tem nem quatro anos e também produzia na Bahia. Em Salvador, também conseguia realizar projetos, captar recursos, fazer peças e conseguia com que o público fosse assistir aos espetáculos. Muitos colegas dizem que não dá para fazer porque não tem patrocínio, mas precisam ir tentando abrir a cabeça. Tenho uma visão otimista, não acho que está tudo ruim - não é à toa que minha produtora se chama Otimistas. Sempre acho que dá jeito e o mais importante é você ter um propósito e acreditar que o que você está fazendo transforma o mundo em um lugar melhor. Quebro a cara muitas vezes, porque o mundo não é só sorrisos, mas prefiro do que não fazer nada.  Os meus contemporâneos - Rafa Medrado, Luisa Proserpio, Thales Castro – nós somos uma galera muito consciente desse lugar e dessa questão de não pensar que a vida só vai dar certo se sair de Salvador. De tentar puxar e realizar os projetos em Salvador. Tem um sentimento de coletivo que é muito legal.  Luisa Proserpio é contemporânea de Ciro Sales e era sócia da produtora SuperNova com ele (Foto: Dudu Assunção/Divulgação) O que precisa acontecer para o cenário melhorar? Falando como gestor, acho que existe um despertar de consciência para a cultura, nos últimos anos. A cultura começou a ser enxergada como uma coisa além do espetáculo de ballet da Ana Botafogo. Começou a ser enxergada como uma construção simbólica e identitária de uma sociedade.

É claro que as ondas vão acontecendo. A gente está vivendo um momento difícil, onde os maiores patrocinadores da cultura do Brasil diminuíram seus orçamentos, empresas estão diminuindo seus programas culturais. A gente está vivendo a nível global uma onda conservadora e isso afeta a cultura. E tem muita gente que pensa e que acredita nesses valores conservadores na sociedade. Quando você vai dando espaço para isso, as pessoas querem consumir menos as coisas que fazem elas pensarem.

Elas não querem ir pro cinema e sair se perguntando sobre o sentido da vida. Elas querem ir e se divertir - o que não é um problema. Acho que tudo tem que coexistir. Tem que ter espaço para tudo, mas tenho que respeitar. Eu não posso achar que o meu jeito é o jeito certo. Acho que isso está acontecendo. Tem as redes sociais, que dão espaços para os discursos de ódio terem eco, mas essas esferas de reverberação também dão espaço para que discursos feministas e as minorias tenham espaço. Tudo tem os dois lados.

Não acredito em uma crise de linguagem e nem que o teatro está perdendo espaço porque as pessoas querem ficar em casa vendo Netflix. Nenhuma nova forma de produzir cultura compete com a anterior. Elas só se resignificam. As coisas só vão se encaixando. Sempre vai existir quem sabe o que quer falar e quem está falando qualquer coisa. Quem está falando qualquer coisa vai criar produtos que são um pouco mais vazios.

Acredito que todos os agentes envolvidos no mercado cultural precisam ter consciência sobre seus papéis. Se sou produtor, preciso ter consciência do meu papel no quesito formar público. Não posso simplesmente fazer uma peça e jogar lá. Tenho que pensar em como é que eu trago as pessoas para cá, como faço com que o projeto faça a diferença. Admiro muito quem faz teatro com escola, muita gente aprendeu a ver teatro quando estava na escola.  Quais lugares você costuma frequentar aqui em Salvador?  Eu tenho uma relação muito apaixonada pela minha cidade. Ninguém pode falar mal de Salvador perto de mim porque é o melhor lugar do mundo (risos). É óbvio que tenho um raciocínio crítico sobre a minha cidade, mas ninguém de fora pode perto de mim. Eu uso muito a cidade. Amo aquele perímetro do Mam, do Solar do Unhão, com parque de esculturas e a praiazinha que tem ao fundo. Aquele lugar inteiro que foi um Engenho e que tinha uma senzala me faz muito pensar. Tem a energia de ter sido um lugar de opressão que hoje é aberto às pessoas.

Tenho uma relação muito especial com o Porto da Barra, porque  morava ali, no início da Ladeira da Barra. Remava três vezes por semana. Saía remando do Porto até o Forte de São Marcelo e voltava. O dia começava assim, com a exuberância do lugar, com a coletividade – porque você não rema sozinho. Adoro a Casa de Fotografia Baiana, o Instituto Carybé. Amo o perímetro cultural que vai da Graça – com o Palacete das Artes – até o Pelourinho. Você sai do Palacete, entra na Vitória, passa pela Aliança Francesa, onde tem o Teatro Molière, o Museu da Bahia, pelo Carlos Costa Pinto, pelo Museu Geológico, Teatro Acbeu, e, no Campo Grande, tem o TCA, Vila Velha, Passeio Público, Gamboa... Esse pedaço todo acho que são os metros de piso onde eu mais andei na vida. Os parques públicos me encantam - quando eu era pequeno, ia muito com meus pais... Adoro ir na Cidade Baixa, na Ponta do Humaitá e frequento muito a Ribeira.  (Foto: Reprodução) Você gosta de comer em quais lugares? Sou uma pessoa que come muito (risos). E sou aquilo que as pessoas chamam de magro de ruim. Só que eu não sou ruim. Comer é meu programa favorito. Adoro descobrir os lugares novos da cidade. Acho a vinda dos estrangeiros para cá incrível - o italiano Alessandro Narduzzi, do La Lupa, por exemplo, é ótimo. Adoro o Dona Mariquita, o Manjericão, o Shanti e o Casa da Tereza, no Rio Vermelho; Saúde Brasil (Graça), Bahia Marina (Comércio), Solar Café (Dois de Julho), Shiro (Graça), Paraíso Tropical (Cabula). Outra culinária que eu indico é a da Pitéu Cozinha Afetiva, de Katja Najara.