Medidas protetivas concedidas na Bahia aumentam 100% em cinco anos

Segundo especialistas ouvidas pelo CORREIO, a pandemia fez com que as denúncias diminuíssem em 2020

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  • Da Redação

Publicado em 28 de fevereiro de 2022 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Paula Fróes

A quantidade de Medidas Protetivas de Urgência (MPU) concedidas na Bahia, através da Lei Maria da Penha, aumentou 21% entre 2020 e 2021, segundo dados do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA). Enquanto que em 2020 foram 8.155 medidas, no ano passado elas chegaram a 10.373. Em 2017, 5.193 MPUs foram distribuídas, o que representa um aumento de 100% em cinco anos. Esse tipo de mecanismo serve para proteger a integridade e vida de mulheres, que são ameaçadas ou violentadas.   

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A Câmara de Deputados aprovou, na quarta-feira (16), uma medida que determina o registro imediato de medidas protetivas judiciais para mulheres vítimas de violência nos banco de dados mantido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A defensora pública e coordenadora da Especializada de Diretos Humanos Lívia Almeida explica que será possível criar um banco nacional de MPU. A matéria será enviada para a sanção presidencial.  

“A medida protetiva já vale para o território nacional, mas agora vai ficar muito mais nítido que uma medida concedida em São Paulo, por exemplo, está valendo aqui também. Ao mesmo tempo, a Defensoria e o Ministério Público vão ter acesso mais facilitado à essa consulta”, diz Lívia Almeida. 

Érica** tem 36 anos e solicitou uma medida protetiva contra o ex-companheiro em novembro do ano passado, depois de um episódio de agressão física ocorrido na frente dos filhos pequenos. A mulher conta que agressões verbais eram frequentes no relacionamento, mas depois que ela descobriu uma traição e resolveu se separar, o homem começou a ficar mais agressivo.   “Quando você tem filhos a situação fica muito mais difícil, eu vim protelando essa decisão muito tempo por conta deles [...] Veio a traição, que eu já estava tentando me recuperar, depois a pandemia e a agressão. Quando eu olhei meu braço roxo e com o aniversário da minha mãe no dia seguinte... Todo mundo me olhando e vendo que eu não era mesma pessoa”, desabafa.   Com a medida protetiva concedida, o homem não pode mais se aproximar de Érica, mas, como ela optou para não estender a medida aos filhos, ele ainda pode ver as crianças. Mesmo se sentindo mais segura com a proteção, ela conta que o ex não a deixou em paz e que arranja maneiras de atacá-la, mesmo sem poder encontrá-la. “Hoje mesmo eu fui entrar no computador e vi que ele mudou minhas senhas”, relata. Até hoje, o divórcio não foi confirmado porque o homem não quis fazer um acordo.  

O aumento percebido entre 2020 e 2021 pode ser explicado por conta da pandemia, que contribuiu para que o número de medidas protetivas solicitadas e concedidas diminuísse no ano de 2020. Para a desembargadora e coordenadora da Coordenadoria da Mulher do TJ-BA, Nágila Brito, o período de isolamento das mulheres junto aos companheiros foi responsável pelo número menor: “Com o advento da pandemia, houve uma diminuição de medidas protetivas porque as mulheres não estavam tendo acesso a ajuda, além de estarem com muito medo. Algumas ficaram até em cárcere privado”. 

Apesar da diminuição de denúncias imposta pela pandemia, novos dados já indicam retorno do crescimento. Em janeiro de 2021, foram 815 solicitações enquanto que no mesmo período deste ano já foram feitos 1.411 pedidos. Os municípios líderes em MPU são Salvador, Vitória da Conquista e Juazeiro, ainda segundo dados do TJ-BA. 

 

A secretária de políticas para mulheres do Governo do Estado, Julieta Palmeira, pontua que o aumento de medidas protetivas concedidas que vinha sendo progressivo há cinco anos, é decorrente da maior circulação de informações e alertas para o tema da violência contra a mulher.  

“Temos facilitado a realização de denúncias. A prorrogação de medida protetiva, por exemplo, hoje já pode ser feita de forma virtual, pela delegacia digital. E esse movimento de facilitação veio por conta da pandemia já que, nesse período, a violência doméstica contra mulheres foi uma das questões mais sensíveis e tínhamos restrições enormes de deslocamento para acesso a delegacias”, destaca Julieta. 

Segundo a advogada Milena Pinheiro, especialista em Violência Doméstica e Crimes Sexuais, a violência contra as mulheres ocorre em todos os níveis sociais e culturais. Apesar disso, o número de processos judiciais é em maior volume para vítimas com baixa escolaridade, negras e de classes mais empobrecidas.  

“A vítima de violência doméstica de classe média ou baixa, com baixa ou sem escolaridade, tem menos dependência social, ou seja, ela se incomoda menos com o que a sociedade pensa sobre ela. Já as vítimas da alta sociedade, são mais dependentes socialmente. Para além disso, as vítimas com maior escolaridade e poder aquisitivo, conseguem contratar profissionais para mediar a situação [...] Já as outras, ficam na dependência dos órgãos e servidores”, explica  

O que é Medida Protetiva de Urgência (MPU)?  

As medidas protetivas de urgência foram criadas pela Lei nº11.340/2006, mais conhecida como a Lei Maria da Penha, e são mecanismos legais que visam proteger meninas, adolescentes ou mulheres em situações de vulnerabilidade. Ela pode ser solicitada tanto se houver caso concreto de violência (física, moral, sexual, patrimonial e psicológica) ou se a vítima sentir que está em risco.  “As medidas protetivas mais comuns envolvem afastamento do agressor do local de convivência com a vítima, proibição de manutenção de qualquer tipo de contato com a vítima e seus familiares, e proibição de aproximação com a vítima (a distância varia conforme cada caso)”, diz a advogada Daniela Portugal.  As medidas só passam a ter caráter criminal se o agressor as descumprir, podendo ser punido com pena de 3 meses a 2 anos de detenção. Para solicitar as medidas protetivas de urgência a vítima poderá comparecer a delegacias, promotorias ou defensorias comuns ou especializadas sem a presença de advogado. A polícia terá 48 horas para enviar o pedido ao juiz, que também terá 48 horas para responder ao pedido da ofendida.  

Feminicídios têm redução de 21% em janeiro  As medidas protetivas são um mecanismo importante para garantir a segurança de mulheres e, assim, evitar o feminicídio. Em janeiro deste ano, foram 11 crimes desse tipo no estado, uma diminuição de 21,4% em comparação ao mesmo período do ano passado, quando 14 assassinatos de mulheres foram registrados, de acordo com dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP-BA).  

Existem situações em que, mesmo com as medidas protetivas em vigor, as mulheres são mortas pelos agressores, mas Gabriela Garrido, delegada titular da Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam) de Vitória da Conquista, garante que esses casos são minoria.  “Não podemos dizer que a maior parte dos feminicídios ocorre quando as mulheres possuem medidas protetivas, porque não é verdade. Cerca de 98% das mulheres vítimas de feminicídios no Brasil não tinham medidas protetivas e não tinham procurado nem a polícia nem a Justiça”, assegura a delegada.  Leidiane Nascimento Paraguassu tinha 36 anos quando foi morta atropelada por um caminhão no dia 12, em Simões Filho, na Região Metropolitana de Salvador. O principal suspeito é o seu ex-companheiro, Silvanildo Macêdo, que foi preso cinco dias depois do crime. Segundo o irmão da vítima, Wellington Paraguassu, o casal tinha um relacionamento conturbado e Leidiane sofria ameaças. 

A vítima chegou a fazer uma representação contra Silvanildo por ameaça, mas acabou se arrependendo e desistindo de levar adiante. A mulher foi morta sem ter solicitado nenhum tipo de medida protetiva contra o ex, segundo o delegado Leandro Acácio, titular da 22ª Delegacia (Simões Filho). 

“Ela fez uma representação no Centro de Referência e Atendimento à Mulher, que é um órgão ligado à prefeitura. Ele recebe as vítimas de violência doméstica e encaminha para a delegacia, para que a gente possa fazer a medida protetiva, instaurar inquérito, encaminhar à Justiça. No entanto, ela desistiu de prosseguir com aquela reclamação”, afirmou o delegado em uma coletiva de imprensa na quinta-feira (17).  

Para que o feminicídio não ocorra mesmo quando a MPU foi concedida pela justiça, a desembargadora Nágila Brito alerta que as mulheres devem manter contato com a Vara criminal e informar quando o agressor se aproximar indevidamente. “O juiz não tem como saber quando a medida foi descumprida e, se essa informação chega para o juiz, ocorre uma gradação maior e o homem pode ser preso em flagrante”, explica.   

Delegada tira dúvidas sobre as Medidas Protetivas de Urgência  

1. Qual a importância de as mulheres terem as medidas protetivas contra os agressores?  Para mim, esse é o maior avanço que a Lei Maria da Penha trouxe, para além da prisão dos agressores. Quando o agressor quebra a medida protetiva decretada pela Justiça, ele está cometendo um crime autônomo, fora outros crimes que ele possa ter cometido durante essa quebra, podendo ser preso ainda flagrante. Isso faz com que a mulher se sinta realmente mais segura.  

2. Quais são as maiores dificuldades enfrentadas pelas vítimas para denunciar?  Dificuldade prática não existe nenhuma, porque têm vários meios de denúncia, inclusive número de telefone de denúncia anônima. A maior dificuldade comprovada estatisticamente é a dependência emocional da mulher, que se culpa pelo fracasso do relacionamento. Vivemos em uma sociedade em que a mulher ainda é responsabilizada pela manutenção do relacionamento. Embora que obviamente a dependência financeira pese também. O medo de ameaças aparece em seguida.  

3. Como essas mulheres costumam chegar na Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam)?  Algumas chegam com o psicológico muito abalado. Outras já viraram a chave e quando chegam na delegacia já decidiram que aquele relacionamento não funciona mais e querem uma resposta do Estado para as agressões. Atendemos todos os tipos de mulheres, varia muito, não existe um perfil linear.  

4. O que acontece nos casos em que mesmo com a medida protetiva, a mulher acaba sendo vítima de feminicídio? A medida protetiva efetivamente protege a mulher, mas, numa minoria de casos, não temos como prever a reação do agressor. Às veze ele está tão desestruturado psicologicamente, que mesmo sabendo que a polícia vai chegar até ele, comete esse ato. Outra coisa que foge do nosso controle é que, às vezes, mesmo tendo a medida protetiva, a mulher continua entrando em contato com o agressor. Então é muito importante que a vítima também se preserve e comunique casos de descumprimento. 

Gabriela Garrido é delegada titular da Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam) de Vitória da Conquista.  

Como denunciar agressões?

Além das delegacias, é possível denunciar agressões através de canais como: Delegacia Virtual -  www.delegaciavirtual.sinesp.gov.br  Tribunal de Justiça - Assistente virtual através do WhatsApp (71) 99978-4768  Disque 180 - Central de Atendimento à Mulher Disque 190 - Polícia Militar (necessidade imediata ou socorro rápido) Zap Respeita as Minas - Atendimento 24 horas através do WhatsApp (71) 3117-2815 10 municípios com mais MPUs solicitadas na Bahia em 2021: Salvador - 3.038 Vitória da Conquista - 962 Juazeiro - 683 Feira de Santana - 577 Barreiras - 419 Camaçari- 392 Paulo Afonso - 354 Alagoinhas - 299 Itabuna - 272 Irecê - 225 *Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro.

**Nomes fictícios foram utilizados para proteger as vítimas