Mercado Modelo volta a funcionar, mas 116 boxes permanecem fechados

Ponto turístico símbolo de Salvador tem novas regras de funcionamento; veja

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  • Wendel de Novais

Publicado em 31 de julho de 2020 às 05:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

Um dos pontos turísticos mais simbólicos de Salvador, o Mercado Modelo, voltou a funcionar nesta quinta-feira (30) após a execução do protocolo de reabertura que mudou a logística do local, restringiu o número de pessoas permitidas e testou todos os funcionários e permissionários envolvidos com as atividades do estabelecimento. Na volta, 116 dos 265 boxes que vendem uma infinidade de variedades estavam de portas fechadas.

Com capacidade máxima para 290 pessoas em circulação simultânea e uma  pessoa por boxe atendendo os clientes, o Mercado Modelo voltou a ativa de modo quase que irreconhecível. Na fila para entrada, menos de 30 pessoas aguardavam que o relógio chegasse às 14h e a entrada fosse permitida. Nos dois pisos do local, que costumam estar repletos de visitantes que não só compram, mas assistem uma aula sobre as mercadorias que dizem tanto sobre a história de Salvador e da Bahia, o que mais se via era um volume pequeno de pessoas, comerciantes aguardando a clientela que pouco apareceu e as várias lojinhas que não foram abertas para o retorno.

Dos 265 boxes que são abrigados pelo Mercado Modelo, 116 se mantiveram fechados nos dias de abertura. O perceptível déficit na quantidade de lojas abertas marcou o início do que parece ser o novo normal de um dos pontos comerciais mais disputados de toda Salvador. Para Ana Célia Carneiro, 56, filha de um permissionário e quem realmente toca os negócios do boxe do pai, os colegas não retornaram porque a volta não é rentável para muitos, que podem e preferem esperar mais um pouco.“Com o horário reduzido e esse movimento tão fraco, boa parte decidiu que não valia a pena gastar com gasolina, pagar alimentação e ter todo trabalho para rendimentos tão baixos. A gente veio na esperança de tirar algo, mas eu compreendo quem pôde e quis não voltar agora”, disse Ana Célia.  Ana Célia crê que número grande de boxes fechados se deve a baixa rentabilidade do retorno (Arisson Marinho/CORREIO) Nelson Tupiniquim, presidente da associação de comerciantes do Mercado Modelo, pensa diferente e afirma que todos não retornaram por conta da quantidade de permissonários e funcionários testados até agora. “Quase mil trabalham aqui. Por isso se vê tantos boxes ainda fechados. A volta dos outros depende da disponibilidade de mais testes para que o retorno seja seguro. Se estivessem aptos, muitos que não vieram estariam aqui”, argumenta Nelson. 

Clientela confiante

Entre os poucos visitantes que apareceram já na reabertura, a maioria não era da capital e aproveitou a pechincha nas passagens aéreas para visitar Salvador e o tão falado Mercado Modelo. Juliana Rayssa, 20 anos, cabeleireira que veio de Recife, afirmou que não poderia deixar de passar pelo Mercado Modelo."Eu aproveitei a promoção das passagens aéreas para voltar aqui. É a segunda vez em Salvador e não poderia deixar de passar aqui para comprar as lembrancinhas para os amigos e para a família", afirma.A jovem também declarou que não sente medo de contaminação e acredita na eficiência do protocolo contra a disseminação do coronavírus no local: "Me sinto totalmente segura. Eles já estão tomando as medidas promovendo o distanciamento e disponibilizando o álcool em gel, então tô bem tranquila, sem medo nenhum", declara. Juliana Rayssa aproveitou preços baixos das passagens aéreas para vir à Salvador (Arisson Marinho/CORREIO) Quem também veio sem medo de nada foi John Lennon, 29, que é gerente de produção e mora em Fortaleza. John está em Salvador pela primeira vez e afirma que queria muito conhecer a cidade, mesmo durante a pandemia. "Muitos amigos falavam bem daqui e eu aproveitei a oportunidade que surgiu pra vir conhecer mesmo com a pandemia.  Eu decidi visitar o mercado porque me sinto seguro porque vi que tanto a infraestrutura como o cuidado estão regularizados e me passam essa segurança", relata. A Infraestrutura e os protocolos de entrada e permanência no interior do local foram os pontos mais citados por todos os entrevistados na hora de justificar o passeio.  John Lennon decidiu visitar a capital baiana pela primeira vez no meio da pandemia (Arisson Marinho/CORREIO) Débora de Lissá, 56, é do Rio de Janeiro e afirmou que o Mercado Modelo foi um dos principais motivos para a vinda dela para Salvador. "Assim que soube que estaria aberto, decidi vir para cá. Queria matar a saudade do lugar que já visitei várias vezes e que vejo como um patrimônio de grande valia", contou a cabeleireira. Sobre os riscos, Débora disse que está ciente deles, mas acredita que o autocuidado e o protocolo do mercado são capazes de mantê-la em segurança. "Claro que tenho que me preservar, ter atenção e respeitar o protocolo para não ter nenhum problema. Como eu tenho essa consciência e as medidas de prevenção estão sendo tomadas, não tenho angústia sobre isso", diz. Débora de Lissá veio para Salvador especialmente para visitar o Mercado Modelo (Arisson Marinho/CORREIO) No meio dos turistas, estava Bárbara Jackson, 26, atendente que mora no Pelourinho e quis matar a saudade do local no primeiro dia. "Meu amigo que trabalha aqui me avisou que ia reabrir e eu não perdi a chance. Na verdade, tô aqui desde a inauguração da Praça Cayru. Eu costumava vir aqui direto. Era só descer o elevador e chegava aqui. Senti falta disso aqui e, agora que reabriu, pretendo continuar frequentando", declarou.

A soteropolitana também destacou o protocolo na hora de falar sobre o risco de contaminação. "Eles estão fazendo tudo certinho. Limitaram o número de pessoas e pediram para que as lojas fornecessem álcool em gel. Acredito que não tenha problema em voltar", fala. Bárbara Jackson aproveitou para matar a saudade do Mercado Modelo (Arisson Marinho/CORREIO) Alento comerciário

A interdição de quatro meses do mercado gerou problemas financeiros sérios para os permissionários que mantêm lojas de variedades por lá. Segundo eles, o prejuízo causado pela pandemia é algo sem precedentes. Ciro dos Santos, 77, trabalha no estabelecimento há 66 anos e diz nunca ter presenciado algo parecido."Nunca houve um período tão complicado como esse. Eu tô aqui porque o negócio está ruim e preciso vender alguma coisa. Aqui, mesmo que não seja garantia do lucro anterior, é a esperança que eu tenho para levar comida para dentro de casa. Espero que as coisas melhorem", lamenta Ciro.Ana Carolina de Amorim, filha de um permissionário que cuida dos negócios para o pai, acredita que a interdição foi um problema imenso para o bolso da família. "Devido a pandemia, sofremos um impacto muito grande nas nossas projeções e nos nossos sonhos. A volta é importante desde que tenha segurança para isso. Pelo que tô observando, é o que está acontecendo e a gente fica feliz de poder recomeçar", afirma Ana, que tentou manter as vendas pelas redes sociais, mas não obteve sucesso sem o contato direto com os turistas.

Outro que teve que se adaptar às condições adversas impostas pelos desdobramentos da pandemia do novo coronavírus foi Marcos Albergaria, 29, permissionário que começou a trabalhar no mercado há 17 anos e virou até pescador durante a quarentena."Esse período foi dureza. E eu não podia parar porque tenho filho pequeno para criar. Comecei a pescar, rodei como motorista de aplicativo no carro do meu irmão. A volta é positiva pra gente mesmo com movimento fraco. Já estava na hora de liberar", declarou.Opinião dos funcionários

Há quem discorde do retorno das atividades do Mercado Modelo. Valdirene Conceição, 44, é funcionária há 20 anos no local e acredita que a volta acontece de maneira precoce. "Eu não vou ser hipócrita. A volta não é um alívio pra mim. Não acho que deveria voltar porque a gente está correndo sérios riscos aqui. Não me sinto segura aqui e nos ônibus lotados que preciso pegar para vir. Estou aqui porque preciso estar", argumenta Valdirene, que recebeu auxílio do governo e dos patrões durante o período de isolamento. 

Diferente de Valdirene, Ari Borges, 48, acredita que está seguro com os cuidados dos comerciantes e da prefeitura. O atendente, que trabalha no local há três anos, destacou também que a volta é importante para ele, que conta com comissão para complementar a renda."Quando estávamos em casa, tínhamos uma insegurança financeira grande. Com a volta das vendas, eu tenho a minha comissão que é importante e me ajuda. Sobre o risco de contaminação, acredito que seja bem pequeno com esses protocolos e não fico aflito por isso", afirma.Marla Souza, 34, concorda com Ari ao falar dos riscos da volta e destaca o aspecto psicológico para defender o retorno ao trabalho dos funcionários. “A rotina de vendas me faz bem e manda minha ansiedade embora. Ficar em casa, mesmo contando com o auxílio do governo, é ruim. Estou acostumada a trabalhar e ficar sem fazer isso da forma que foi me incomodou bastante. Afinal, não eram férias, né? Eu tinha que permanecer em casa o tempo todo por conta desse vírus. Agora, com toda a segurança que estão nos proporcionando, é uma vitória voltar para o nosso ambiente natural. Apesar dos testes positivos, creio que os riscos são pequenos”, conta Marla. 

Testagem pré-volta

Antes de permitir a reabertura do Mercado Modelo, a Prefeitura impôs normas e medidas que deveriam ser seguidas pelos comerciantes para que a volta fosse autorizada. Dentre as exigências, estava a testagem dos permissionários e funcionários que estariam presentes no local com o retorno. Foram aplicados 365 testes que resultaram em 33 novos casos positivos de covid-19.

Dos 33, nem todos foram vetados de participar normalmente das atividades do mercado. Isso porque parte deles apresentou anticorpos que são marcadores de cura, ou seja, já teriam superado o coronavírus e não representavam riscos para os outros presentes.

“As pessoas que apresentaram o anticorpo marcador IgG não tiveram indicação de afastamento porque isso significa que elas já tiveram coronavírus, mas já estão curadas”, informa Olivete Borba, coordenadora do laboratório central da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), que ressaltou que os testes aplicados identificam os anticorpos marcadores de cura ou atividade do vírus para diferenciar as orientações para os que testaram positivo. 

Os testados que apresentaram o anticorpo marcador IgM, que significa que o vírus ainda está ativo, foram proibidos de voltar ao mercado por um período de 14 dias. Olivete afirmou que a SMS encaminhou essas pessoas para o Salvador Atende, serviço de atendimeto primário por telefone, e orientou sobre as precauções necessárias.

”Encaminhamos para o Salvador Atende e estamos dizendo para essas pessoas ficarem em casa durante 14 dias. Informamos que, se sentirem sintomas mais fortes, precisam ir até uma unidade de saúde”, relata ao CORREIO. 

Protocolo de retornoSerão permitidas apenas 290 pessoas ao mesmo tempo no local; Os boxes só podem receber um cliente de cada vez; A máscara é de uso obrigatório para funcionários e clientes; Vendedores terão que usar máscara com barreira física; Permissionários precisam ter álcool em gel à disposição de clientes e funcionários; Para evitar aglomerações, a saída e a entrada foram separadas; Haverá lavatório público para a higienização das mãos; Funcionamento de segunda-feira a sábado, das 10h às 16h; *Com orientação da sub-editora Clarissa Pacheco