Meu amigo (e ídolo) Zé Carlos

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  • Paulo Leandro

Publicado em 17 de fevereiro de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Não sei se já tá liberado um rubro-negro ter como ídolo um tricolor, mas para mim, José Carlos Conceição dos Anjos, o Zé Carlos da Baixa de Quintas, é o referencial de craque e cidadão. Já me dou por feliz em conhecer uma pessoa tão boa assim nesta vida.

A dois dias do trigésimo aniversário do bi nacional conquistado pelo Bahia, vou gastar minhas tintas no CORREIO líder de hoje lembrando aspectos da cobertura desta campanha que, para nós, representa o que foi a Odisseia para os gregos. Zé Carlos é nosso Ulisses. Zé jogou todas as 29 batalhas da Odisseia. Na reta final, pendurado, aguentou seis jogos sem ser suspenso. Maior artilheiro, era quem dava mais passe para os colegas. Nos empates, chamava a responsa para decidir nos pênaltis.

Zé Carlos é a cara do baiano que admiramos: teve seus tataravós capturados do outro lado do oceano e trazidos acorrentados em navios, entre ratazanas. Passou fome, quando era criança, ia dormir após tomar mingau de cachorro (uma mistura com farinha e sal).

Quando a mãe dona Estela espichava a ferro o cabelo da vizinha ou fazia faxina é que Zé disputava com os irmãos um pedacinho de carne. Seu Pernoitão, o paizão, inventou de fazer outra família e aí o pequeno ordenado de cobrador Pirajá-Lapa ficou miudinho. O barraco onde a família Conceição dos Anjos se malocava era tão frágil que, quando ventava, a porta caía. Zé dormia esperto com os ratos e formigões que lhe entravam nos ouvidos. E cresceu driblando as surras da mãe que virou sua torcedora número um.

Na campanha do bi, quando o centroavante era Renato, o fôlego de Zé e Bobô ia todo embora porque a bola batia na canela do cara e voltava. Foi quando Evaristo botou Charles no time; Charles fazia o pivô e esperava Zé e Bobô passarem para tocar a bola. Fui repórter na campanha da Odisseia: nunca mais veremos nada parecido com aqueles 150 mil (110 mil no borderô) insanos pulando sem parar, alguns na marquise da Fonte Nova, para levar o Bahia a vencer o Flu do Rio, bem no dia do meu aniversário.

Minha pauta foi o bozó que Lourinho botou no vestiário carioca, enlameando os uniformes limpinhos dos fluminenses com farofa de dendê. E fiz o duelo dos técnicos: Sérgio Cosme fumando um Galaxy atrás do outro e Evaristo ralhando com os repórteres.

Foi uma cobertura de sonho. Lembro da reforma dos alojamentos do Fazendão, com todos os quartos pintadinhos e da dedicação de cada um dos 39 funcionários; e da vaquinha que Zé Carlos Queirós, o preparador físico, criava para ajudar na nutrição. O presidente Maracajá, todo gordinho, correu picado para pegar a bola e botar no centro do campo, validando, ele mesmo, sem precisar do juizão, um polêmico segundo gol contra o América, que classificou o Bahia para a segunda fase, disputada em 1989.

No dia da final, o primeiro tempo eu vi na casa do goleiro campeão de 1959, Nadinho, gente muito boa, caladão. O segundo tempo foi o oposto: Biriba, ponta-pescador, aditivado de brahmas, saiu dando volta olímpica arrastando palhas de coqueiro por Itapuã toda.  

Escrevi a biografia de Zé Carlos, mas não acerto publicar por minha incompetência de empreendedor. Não vai dar para citar todos os heróis, mas saibam que o desporto da Bahia deve muito a todos vocês.

Paulo Leandro é jornalista e professor Doutor em Cultura e Sociedade