'Mil e uma utilidades': boa safra derruba preço do milho em 80%

Uma das principais commodities brasileiras, o milho se consolida na economia e vai muito além do São João aquecendo a economia do estado o ano inteiro

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  • Georgina Maynart

Publicado em 24 de junho de 2019 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Georgina Maynart/ Jornal CORREIO

Na central de abastecimento de Simões Filho, a maior da Bahia, o desembarque de caminhões carregados de milho não pára. Só na última semana, às vésperas de São João, a Ceasa recebeu centenas de carregamentos vindos de várias regiões da Bahia e de outros estados.

Já na Feira de São Joaquim, as cargas também chegam a todo momento. São tantos que um estacionamento foi reservado só para eles. As cargas são trazidas principalmente por pequenos agricultores familiares que plantaram no dia 29 de março, dia de São José, para colher no São João.  É tanto milho que caminhões carregados formam fila em um estacionamento perto da Feira de São Joaquim (Foto: Georginna Maynart/ CORREIO) De uma data à outra são exatos 90 dias. Período necessário para o plantio e colheita do milho verde, fase em que a espiga ainda está com grãos macios e leitosos, e com umidade média de 70%, ideal para consumo in natura, cozido ou assado.

“Este milho é o fresco, mais amarelinho e molinho. Basta enfiar a unha que sai um sumo” conta o agricultor Heleno Fernandes, de Maragogipe, que trouxe um caminhão carregado com mais de 20 mil espigas para vender. A "mão" do milho, com 50 espigas, está custando R$ 25 reais. Agricultores com Heleno Fernandes, do recôncavo baiano, vendem o milho diretamente na feira de São Joaquim (Foto: Georgina Maynart/ CORREIO) A fartura de milho tem sido tão grande que a unidade pode ser encontrada por até R$ 0,30. Cerca de 80% abaixo do preço do ano passado, quando a espiga chegou a ser vendida por até R$ 1,50 centavos.

Mas a redução de preço não desanima quem está no ramo. O produtor rural Silas Rodrigues Silva tem vindo de Sergipe para vender o milho que cultiva em Itabaianinha. A safra por lá também foi excelente. O caminhão traz diariamente 30 mil espigas.

"É invocado. O milho é tão bom que, ao contrario de outros alimentos, quanto mais chove, mais vende. As pessoas procuram para consumir quentinho, por causa do frio. A gente vende tudo em poucas horas", afirma o agricultor.  Consumo aquecido atrai agricultores até de outros estados, como Silas Rodrigues, que veio de Sergipe escoar o milho cultivado em Itabaianinha  (Foto: Georgina Maynart/ CORREIO)  Além do grão

O movimento nos dois principais entrepostos comerciais da capital baiana serve apenas de amostra do potencial econômico deste cereal, um dos mais consumidos no mundo. 

É que apesar do volume intenso, estas remessas correspondem a menor parte do milho consumido no Brasil. Isso mesmo. Segundo a Associação Brasileira das Indústrias do Milho (Abimilho), o volume direcionado para alimentação humana representa apenas 15% do total produzido no país. 

O cereal, que reina absoluto nas mesas nordestinas nesta época, exibe sua principal pujança econômica no restante do ano, e em outros segmentos da economia. 

A maior parte da produção, cerca de 75%, tem como destino a alimentação animal e serve de insumo para a indústria da carne. Neste caso, o milho é cultivado em grande escala, na versão seca, colhido em 120 dias já com o grão duro, no ponto ideal para a ser triturado e transformado em ração.

Cerca de 60% deste volume vira matéria prima para ração de aves. Outros 32% vão para as granjas de suínos. Aproximadamente 5% são reservados para as indústrias de sementes, e 3% vão para a pecuária, de acordo com dados da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), onde se concentram muitas indústrias moageiras.  Cerca de 75% do milho produzido no Brasil são usados para produção de ração animal (Foto: CIB) Uma outra pequena parcela da produção nacional de milho, menos de 10%, é direcionada para fabricação de produtos variados que vão desde cosméticos, talcos, chicletes, biodiesel, até produtos farmacêuticos.

Utilidades 

A cadeia produtiva do milho envolve ainda uma ampla rede de agentes comerciais, que vão desde os produtores de sementes, às empresas e cooperativas que armazenam e processam o cereal. 

Nas indústrias, o chamado “milho com moagem via úmida” é transformado em amido, óleo e amilopectina, matérias primas usadas, por exemplo, na fabricação de cervejas e refrigerantes.

Já o milho “moagem seca” é usado na produção de fubá, farinha, cuscuz, canjica e outros produtos, geralmente utilizados na produção de sopas, cereais matinais e misturas para bolos. Canjicas, pamonhas e bolos são alguns dos derivados do milho verde mais consumidos nesta época do ano (Foto:Georgina Maynart) Produção crescente

Apesar das oscilações registradas nesta década, principalmente devido as estiagens, a produção brasileira de milho aumentou quase 70% nos últimos 9 anos. 

Em 2010 o volume nacional não passava de 53,17 milhões de toneladas. Em 2018 a produção ultrapassou 82 milhões de toneladas, segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. 

Este ano, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) também está estimando para cima a segunda safra de milho, cultivada entre abril e agosto. Os agricultores brasileiros devem produzir 11,2 milhões de toneladas a mais na safra de inverno, uma evolução de 4,9% em relação ao mesmo período do ano passado. Já o crescimento anual deve ultrapassar os 21%.

Um dos motivos do bom desempenho é o constante aumento da produtividade por hectare. No oeste da Bahia, responsável por 66% do milho produzido no estado, o volume colhido mais que dobrou nos últimos vinte anos, subiu de 700 mil toneladas para 1,5 milhão de toneladas, entre 1999 e 2019.

Outro fator foi a migração dos agricultores que não produziam milho e passaram a cultivar o cereal. No nordeste da Bahia, segundo maior polo produtor de milho no estado, mais de 90% dos agricultores aderiram ao cultivo do cereal, abandonando as plantações de feijão. Situação registrada principalmente nos municípios de Adustina e Paripiranga, onde se concentram as maiores plantações desta época do ano. Milharais do nordeste da Bahia foram beneficiados pelas chuvas das últimas semanas. Produção poderá ser até 540% maior. (Foto:Georgina Maynart/ CORREIO) Por causa da seca, ano passado os agricultores desta região perderam em média 85% da produção de milho. Mas na segunda safrinha deste ano, que deve começar a ser colhida a partir de setembro, o IBGE estima um crescimento de 540,5% na produção. Na Bahia, as plantações de inverno devem gerar mais de 303 mil toneladas do cereal. As chuvas que caíram nas últimas semanas ajudam a manter a projeção otimista, os milharais estão verdinhos.

Exportações

De janeiro e maio deste ano, as exportações de milho em grãos renderam à balança comercial brasileira, mais de 1,4 bilhão de dólares. E com o grão valorizado no mercado internacional, isso representa um aumento de 74,4% no faturamento, frente ao mesmo período do ano passado, segundo a Secretaria de Comércio Exterior. 

Na primeira quinzena de junho, com a alta do dólar, tendência de aumento nas exportações, e o crescimento da demanda interna, os preços voltaram a registrar alta de 3,55% no mercado nacional.

“Hoje os preços do milho no mercado doméstico estão abaixo da paridade de exportação, mas os embarques do produto nacional estão aquecidos. E, se os futuros na Bolsa de Chicago (CBOT) subirem, as cotações por aqui devem acompanhar”, afirma Luiz Fernando Pacheco, analista da T&F consultoria.

O milho representa cerca de 40% da safra brasileira de grãos. O Brasil é o 3º maior produtor do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e da China. A Bahia se mantem como o 9º produtor nacional.

Consumo

Não existem dados específicos sobre o consumo de milho no Nordeste, mas dados da Abimilho indicam que cada brasileiro consome, em média, cerca de vinte quilos por ano. É um volume ainda considerado baixo. Em outros países, como o México, o consumo por pessoa chega a sessenta e três quilos por ano. 

Alheios as estatísticas oficiais, os vendedores de milho das feiras de Salvador, comemoram. Nunca venderam tanto milho como este ano.“O consumidor esta comprando muito, e certamente até segunda-feira ainda vai tem mais saída", afirma Emanuel de Jesus, feirante há 41 anos na feira de São Joaquim. 

Invenções

Os especialistas são unânimes em afirmar que um conjunto de fatores vem contribuindo para a melhoria da produção. As estratégias envolvem desde sementes cada vez mais resistentes as pragas, uso de tecnologia de última geração, ao apuro no manejo das plantações. Atualmente existem mais de 150 espécies de milho cultivadas no Brasil, de diversas cores e formatos, transgênicos e não-transgênicos.

E tem agricultores investindo também no plantio orgânico. É o caso dos produtores rurais da Associação de Desenvolvimento Rural Sustentável de Macambira, em Ribeira do Pombal, no nordeste do estado. Com o apoio do projeto Bahia Produtiva, desenvolvido pela Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDR), cerca de 30 famílias estão cultivando milho da variedade cateto e usam sementes 100% crioulas, como são chamadas as sementes selecionadas naturalmente, e cultivadas por comunidades tradicionais. 

A produção vem dando tão certo, que um agricultor da comunidade, Valdiram Anchieta Costa, desenvolveu até um moinho elétrico para ajudar no beneficiamento do milho. Enquanto no equipamento manual eram gastos dez minutos para produzir um quilo de milho moído, a versão elétrica permite moer até vinte quilos em uma hora. O agricultor Valdiram Anchieta Costa desenvolveu um moinho elétrico para ajudar a beneficiar o milho cultivado pela comunidade de Macambira, em Ribera do Pombal. Segundo o técnico agrícola Lucelio Bastos, o equipamento dá agilidade ao processo.  (Foto: Georgina Maynart/ CORREIO) “Foi montada uma espécie de mesa de apoio para o antigo moinho manual. Tem um motor de meio cavalo, de baixa rotação, e também uma corrente de moto reaproveitada para fazer tudo funcionar. A massa moída já cai em uma vasilha”, conta o técnico agrícola e primo do agricultor, Lucélio Bastos.

A produção ainda é artesanal, mas a máquina adaptada vem fazendo sucesso. Já foram comercializadas cerca de 10 unidades, com preço médio de R$ 1.200 reais. Já o milho orgânico produzido pela comunidade vem sendo utilizado em pratos como cuscuz e bolos, e está sendo comercializado por encomenda, ou na feira agroecológica do município. 

Ameaça

Mas nem tudo brilha no mundo do milho. Um estudo divulgado este mês revelou que a proliferação de pragas nas lavouras pode reduzir a produtividade e aumentar os preços de produtos como farinha de milho, fubá, carnes de suínos, frangos, ovos e leite. A pesquisa chama a atenção para necessidade de monitoramento constante das lavouras.

A ameaça mais perigosa é a lagarta Spodoptera. Ela seria capaz de reduzir em 40% a produção brasileira e aumentar em 13,6% os preços do milho. Entre os derivados, as elevações nos preços podem variar de 4,4% no caso do leite, até 5,0% no caso do fubá de milho.  Estudo aponta impacto das pragas sobre preço final da matéria prima e dos derivados do milho no Brasil (Foto:Georgina Maynart/ CORREIO) O estudo foi divulgado pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Universidade Luiz de Queiroz/USP, em parceria com a Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef). O levantamento traz ainda projeções dos impactos que podem ser provocados por outras pragas, como os percevejos e a cigarrinha do milho. 

“Perdas agrícolas causadas pelo não tratamento de pragas e doenças na cultura do milho trariam impactos relevantes nos aumentos dos preços disponíveis aos consumidores, penalizando toda a sociedade com maiores taxas de inflação de alimentos. Claramente, o desempenho das safras agrícolas impacta toda a sociedade, via acesso a alimentos para a população, em termos de preços, principalmente às categorias de renda mais baixa, para as quais os alimentos respondem pela maior parcela de seu orçamento familiar”, conclui a pesquisa.