Miliciano Adriano da Nóbrega soube de operação para capturá-lo na véspera

Morto em fazenda em Esplanada, a 170km de Salvador, deu ordem para que um fazendeiro o levasse a outro esconderijo

Publicado em 11 de fevereiro de 2020 às 09:40

- Atualizado há um ano

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(Foto: Reprodução) Um dia antes de ser morto por policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope) em Esplanada, a 170km de Salvador, o ex-policial militar do Rio Adriano Magalhães da Nóbrega soube que a polícia preparava uma operação para prendê-lo. A revelação foi feita pelo fazendeiro Leandro Abreu Guimarães, que abrigou Adriano durante cinco dias à Polícia Civil da Bahia.

Segundo o jornal carioca Extra, Guimarães foi preso na ação porque policiais encontraram armas em sua propriedade e ele alegou à polícia que Adriano estava apreensivo e deu uma ordem para que ele o levasse a outro esconderijo.

Autoridades que trabalhavam para localizar Adriano - apontado como chefe de um grupo de matadores de aluguel chamado Escritório do Crime, no Rio de Janeiro, que lavava dinheiro com compra de gado e terrenos na Bahia - estão convencidas de que ele recebia informações privilegiadas da polícia do Rio e que foi avisado sobre a operação. Por isso, na noite anterior à ação, por volta das 21h, Adriano deixou às pressas a fazenda de Leandro para se esconder em outra propriedade próxima, afirma o jornal.

Ainda de acordo com o Extra, o fazendeiro disse que foi obrigado a levar Adriano para o sítio onde acabou sendo morto pelo Bope baiano. Segundo seu relato à Polícia Civil, no sábado, Guimarães viu Adriano “teclando no aparelho celular (...) bastante nervoso”. Em seguida, o ex-tenente mandou que ele o levasse para outro esconderijo: “Adriano exigiu sob ameaça de morte que o levasse a um dos sítios que o mesmo tinha visitado, tendo o interrogado atendido aquele, deixando-o no sítio, onde aquele reiterou as ameaças para que não declarasse a localização do mesmo para ninguém”.

De acordo com o depoimento de Leandro, os dois já se conheciam anteriormente por conta de eventos, como vaquejadas, organizados pelo fazendeiro na região. Ele afirmou que não sabia que Adriano Nóbrega era matador de aluguel ou miliciano: “Sempre o tratei como criador de cavalos”, disse à polícia. O fazendeiro também afirmou que, quando foi procurado pelo ex-capitão, depois de ele fugir de uma ação anterior da PM numa mansão na Costa do Sauípe, no litoral da Bahia, há duas semanas, Adriano disse que estava de férias e “procurava terras para comprar na região”.

O sítio para onde Leandro levou Adriano na noite de sábado pertence ao vereador Gilson Dedé, do PSL, que afirma nunca ter visto Adriano e alega que o imóvel foi invadido pelo criminoso.

Entenda quem foi Adriano da Nóbrega O CORREIO publicou reportagem nesta segunda-feira (10) reprotagem sobre Adriano Magalhães da Nóbrega, que entrou na Polícia Militar do Rio de Janeiro em 1996. Fez cursos de segurança vip, virou atirador de elite e chegou a integrar uma das mais prestigiadas unidades policiais daquele estado – o Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope). Mas, em algum momento, os caminhos do ex-policial se inverteram.  (Foto: Reprodução) Nóbrega passou a ser apontado como o chefe de uma das maiores milícias cariocas – o Escritório do Crime, fundado na comunidade do Rio das Pedras, na Zona Oeste da cidade. Em seu currículo, há ligações com políticos e autoridades fluminenses, a exemplo do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ). No rastro da milícia comandada por ele, ainda pesam as suspeitas de envolvimento com o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) e do motorista Anderson Gomes, em março de 2018. 

É possível dizer que foi devido a esse histórico que a notícia de sua morte reverberou tanto nos últimos dias. Nóbrega foi morto, aos 43 anos, no domingo (9), em uma fazenda na zona rural de Esplanada, município no Litoral Norte da Bahia. De acordo com a Secretaria da Segurança Pública da Bahia (SSP-BA), ele estava escondido na cidade e teria resistido à operação montada para prendê-lo. 

No ano passado, o nome de Adriano da Nóbrega foi parar entre os alvos da Operação Intocáveis, cuja primeira fase foi deflagrada em janeiro do ano passado, no Rio de Janeiro, A segunda fase aconteceu mais de um ano depois, no dia 30 de janeiro de 2020, e chegou a prender 33 pessoas.

Desde a primeira, porém, é considerado foragido. Sua defesa chegou a impetrar um habeas corpus, mas o pedido foi negado por unanimidade pelos desembargadores da Quarta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.  

O envolvimento com as milícias teria começado quando ainda estava no Bope. Em entrevista aos jornalistas Flávio Costa e Sérgio Ramalho, do UOL, em abril do ano passado, um oficial da Polícia Militar do Rio revelou que todos os colegas sabiam da ligação de Nóbrega com a “contravenção”. “No fundo, a gente tinha medo dele. O cara parecia um psicopata. Diziam que ele gostava de matar com faca, mas nunca o vi matar ninguém”, afirmou o oficial, na ocasião, sem se identificar. Ainda na polícia, Nóbrega foi preso em três momentos. Em 2005, foi condenado a 19 anos de prisão pela morte do guardador de carros Leandro dos Santos Silva, 24 anos. O ex-policial, que estava preso preventivamente desde 2006, foi solto em 2006 e absolvido na segunda instância em 2007. 

A outra prisão foi em 2008. Na época, foi acusado de tentar matar o pecuarista Rogério Mesquisa. Foi solto um mês depois. Devido a esse mesmo caso, foi novamente preso em 2011. No entanto, no ano seguinte, a Justiça entendeu que as provas apresentadas não serviram para confirmar a acusação.

Caso Marielle  Inicialmente, a própria SSP-BA divulgou que Nóbrega era ligado ao Caso Marielle. No entanto, isso foi questionado por figuras da política carioca. Foi o caso do deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ), que era amigo de Marielle e presidu a CPI das Milícias na Alerj, em 2008. “Adriano deveria ser investigado pela relação com os Bolsonaro. A ex-mulher e a mãe do miliciano eram assessoras do @FlavioBolsonaro  e estavam no esquema da rachadinha. Flávio deu medalha ao Adriano e Jair o elogiou no Congresso quando ele estava preso”, publicou o deputado federal, em sua conta no Twitter. O PSOL, partido ao qual Marielle também era filiada, divulgou uma nota que vai no mesmo sentido. 

"Na manhã deste domingo ficamos sabendo pela imprensa que Adriano da Nóbrega, miliciano ligado a Flávio Bolsonaro e um dos chefes da milícia conhecida como Escritório do Crime, foi morto pela polícia na Bahia. Adriano estava foragido e a milícia da qual fazia parte era suspeita de envolvimento no assassinato de nossa companheira Marielle Franco e Anderson Gomes", escreveram. 

O partido ainda afirmou que sua executiva nacional exige esclarecimentos sobre as circunstâncias da morte de Nóbrega e que vai solicitar uma audiência com a SSP-BA para obter maiores informações. Para a executiva nacional do PSOL, Adriano da Nóbrega era "peça chave para revelar diversos crimes, incluindo aqueles envolvendo Queiroz e Flávio Bolsonaro".

De acordo com a polícia, Nóbrega não tinha ligação direta com o assassinato da vereadora e do motorista. Um dos suspeitos de matá-la, porém, o policial militar reformado Ronnie Lessa, é que também seria integrante do Escritório do Crime. 

O advogado Paulo Emílio Catta Preta, que representou Adriano da Nóbrega nos últimos meses, foi procurado pelo CORREIO, mas não respondeu aos pedidos de entrevista.