Mirem-se no exemplo da insustentável leveza

Linha Fina Lorem ipsum dolor sit amet consectetur adipisicing elit. Dolorum ipsa voluptatum enim voluptatem dignissimos.

  • Foto do(a) author(a) Gabriel Galo
  • Gabriel Galo

Publicado em 29 de junho de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: .

Em seu fenomenal livro A Insustentável Leveza do Ser, Milan Kundera narra a história do Tomas, um médico que não se rende ao sistema político que se implantou na antiga Tchecoslováquia. No enredo, o dilema peso e leveza é tratado de diferentes vertentes. Larissa Pierry lembrou, em artigo no Medium da Revista Subjetiva, de duas interpretações distintas para a relação peso e leveza.

Segundo o filósofo grego Parmênides, cuja única obra conhecida é o poema Sobre a Natureza, recuperado em fragmentos, o peso adquire conotação negativa, oposto à leveza. A visão de Parmênides, limitada por essência a uma polarização de ser ou não ser, foi contestada por muitos, como Nietzsche. O filósofo alemão elaborou um adendo ao entendimento, arguindo que o peso também se compõe de um fardo existencialista, de conexão com a realidade. Daí, o livro de chamar, de acordo com Larissa, a insustentável leveza do ser.

Na história, Tomas é atacado pelo regime comunista. Perseguido, proibido de exercer a sua profissão, vive vida próxima da miséria e é rejeitado por todos, seja por aderência ideológica, seja por meio de retaliações. O governo, constantemente, oferece uma saída: que Tomas faça um pedido público e formal de desculpas, no que sua vida, enfim, voltaria ao normal.

O médico, no entanto, permanece fiel ao seu ideal. Embora no campo da realidade existencial a sua vida fosse se tornar significativamente melhor caso cedesse aos anseios do regime, ir contra aquilo pelo que luta e crê é eliminar parte fundamental de seu espírito. Tomas é do ser, não do ter. Podem vencer, mas não terão a ele.

O escritor Alex Castro, em seu texto As únicas lutas escreve: “As lutas que mais valem a pena ser travadas são justamente aquelas nas quais nenhuma vitória decisiva jamais será possível, que travamos sem esperança e sem otimismo, simplesmente porque nos seria intolerável existir e não lutar.” E pergunta, “Você só lutaria se tivesse esperança na vitória?”

Convém não confundir o que leva indivíduos a decidirem pelo ter ou pelo ser. Cada um sabe de suas próprias necessidades, dos limites de suas possibilidades. Mas há de se perceber os personagens ativos deste duelo em que ideais enfrentam a batalha perdida contra o poder estabelecido.

Quando se propagandeia a favor do status quo, alinha-se, pois, pela perpetuação da dominação. Do outro lado, quando, apesar dos efeitos diretamente nocivos à realidade individual, se decide lutar por ideais intrinsecamente invencíveis, é correto enaltecer a leveza da alma do ato.

Assim, quando jogadores do Botafogo e um solitário atleta da Cabofriense se ajoelharam no primeiro minuto de um melancólico jogo do patético Campeonato Carioca, via-se em ação a manifestação inconteste do ser versus o ter.

A imposição da necessidade financeira pode até vencer—como imaginar ser diferente no espectro financista e elitista do futebol?—, reabrindo estádios e promovendo um espetáculo de insensatez, mas a alma de quem luta por ideais não se enverga. Este tanto se controla: a integridade.

A batalha pode ser insustentável, prejudicial e invencível, mas são estas as que valem a pena ser lutadas. Mirem-se no exemplo do glorioso Botafogo de Futebol e Regatas.

Gabriel Galo é escritor