Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Da Redação
Publicado em 9 de fevereiro de 2022 às 11:46
- Atualizado há 2 anos
No segundo ano seguido sem Carnaval, o Brasil começou fevereiro chocado com outra fantasia. O apresentador de podcast Monark, 31 anos, e Kim Kataguiri, 26 anos, deputado federal pelo Podemos e líder do MBL, declararam em debate que são contrários à criminalização de um partido Nazista. O principal argumento deles é a “liberdade de expressão”, que fundamentaria a “democracia”. Ambos, adultos tratados como garotos, são retrato do que pode ser o grande problema de uma época.>
Ambos cresceram sob a égide de dois fenômenos que colonizaram pensamentos e cujas consequências ainda não sabemos bem enfrentar: o neoliberalismo e a as redes sociais. Hoje, há predominância de um pensamento político em que liberdade e democracia se confundem com o pronome “eu” e a internet funciona como uma plataforma onde todos se sentem livres para xingar, ofender ou se orgulhar da ignorância.>
Liberdade, como qualquer outro direito fundamental, não é um brinquedo com o qual cada criança pode usar a imaginação e manejar como quiser. Tem regras e o mau uso tem consequências. >
Há alguns anos, pessoas contrariadas por queixas contra piadas preconceituosas perguntavam indignadas qual seria limite do humor. O limite vale para qualquer texto, seja piada, discurso político ou conversa de bar: é o direito do outro. Não existe liberdade de proferir opiniões racistas (ao contrário do que Monark já havia dito), de inferiorizar homossexuais, de defender o holocausto, nem de ameaçar fuzilar opositores políticos.>
Democracia, por sua vez, não é uma relação de consumo em que cada um é um cliente vip, tratado como centro de tudo, mimado e bajulado. A arrogante expressão “porque eu mereço” equivale ao “porque eu paguei”. >
Na leitura equivocada, o regime democrático passou a ser visto como aquele em que o interesse individual é direito absoluto e as instâncias representativas funcionam como garçons, devendo sempre consultar e obedecer aos desejos particulares, sejam quais forem (exceto os do outro). O freguês tem sempre razão e o freguês mais importante sempre sou “eu”.>
Quando uma aspiração não pode ser atendida, seja por restrição legal, por impossibilidade material ou porque é inadequada (a vida adulta é assim, nem sempre podemos tudo), pode-se simplesmente exigir a demissão do garçom que não aceitar ignorar a lei, a impossibilidade ou a inadequação. Assim, são banalizadas ideias golpistas (lembremos da origem do MBL de Kataguiri) ou a subversão de instituições (com congresso, judiciário e executivo invadindo as esferas uns dos outros, por exemplo). >
A regras podem ser desprezadas se isso satisfizer a “minha” aspiração. O fenômeno vai desde a sala de aula, em que alunos acham ser ditadura a indicação de livros por professores, a clubes de futebol, onde torcedores acham que têm direito de ver os seus times vencerem.>
A visão ingênua de liberdade de expressão resulta na ode ao “politicamente incorreto”. A visão consumerista de democracia nos leva à anti-política. A dimensão de bem comum e a percepção de que o comum não se restringe ao grupo específico do qual faço parte acabam. A leitura irresponsável gera situações insustentáveis e pode fortalecer a percepção de que o problema está nos direitos e não na distorçam que sofrem. Como as democracias morrem? Tudo indica que hoje em dia é desse modo.>
Não podemos, contudo, achar que é um fenômeno localizado em quem concorda com as declarações dos debatedores sobre o nazismo. Há pessoas que repudiam veementemente as falas e que não gostam deles, mas sem perceber confundem direitos e vontades da mesma forma imatura. Por outro lado, é necessário lembrar que Kim e Monark ilustram um comportamento, mas há pessoas criadas sob as mesmas influências estruturais que demonstram maturidade. >
No mesmo debate, a Deputada Federal Tábata Amaral (PSB), 28 anos, contrapôs os argumentos com muita tranquilidade. Aqui não importa apoio ou não às bandeiras políticas que a parlamentar democraticamente sustenta. Importa saber que o problema aqui exposto não é um destino já escrito. Há sempre esperança de enfrentá-lo.>
É sempre tempo de amadurecer.>
* Rafson Ximenes é Defensor Público Geral da Bahia>