Moradia e Urbanismo

Projetos habitacionais precisam trazer consigo uma clara opção voltada à geração de empregos in loco

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  • Waldeck Ornelas

Publicado em 30 de agosto de 2020 às 07:00

- Atualizado há um ano

Desde os tempos do antigo BNH, retomada mais recentemente com o programa Minha Casa, Minha Vida, política habitacional no Brasil é vista como linha de crédito para a construção civil e não como política de desenvolvimento urbano. Isto, apesar dos graves problemas territoriais que as cidades apresentam e que só se agravam com a implantação de conjuntos habitacionais distantes e insustentáveis.

Seis décadas de política habitacional não foram ainda suficientes para ensinar aos formuladores de políticas públicas, e inclusive aos projetistas, que conjuntos habitacionais na forma como são implantados se transformam em favelas mais facilmente que em bairros e prestam um desserviço ao desenvolvimento urbano.

Esses projetos aproveitam brechas no Plano Diretor das cidades onde são implantados – ou sua inexistência – gerando mais problemas, ônus financeiros e desgaste para as prefeituras. Os prefeitos precisam estar muito atentos a esses verdadeiros “presentes de grego”.

Para receber conjuntos habitacionais é preciso que estejam pelo menos integrados ao tecido urbano, em áreas dotadas de infraestrutura e próximos a transporte coletivo. Legisladores, políticos, planejadores, projetistas, construtoras e incorporadoras imobiliárias precisam alinhar um novo entendimento a respeito de política habitacional, para que as ações não passem de falsa e temporária solução.

É preciso articular os novos projetos habitacionais com o conceito das cidades compactas, onde predominam o uso misto, a mobilidade ativa, densificação e integração com o transporte coletivo, entre outros novos valores da vida urbana.

Além da implantação de novas unidades, sempre demandadas – não necessariamente sob a forma de conjuntos habitacionais – há outros caminhos que precisam ser percorridos para o enfrentamento da questão habitacional em nossas cidades.

Um deles é o das melhorias habitacionais de unidades existentes em ocupações precárias, ressalvadas as áreas de risco e de proteção ambiental, dotando-as de instalações sanitárias, cuidando dos telhados etc. Tampouco se deve enclausurar as populações pobres nas chamadas ZEIS, as zonas especiais de interesse social, com uma ótica de deificação das favelas, perpetuando as miseráveis condições de vida. Em ambos os casos, mais vale um programa para transforma-las em bairros, integrando-as – inclusive socialmente – com a cidade formal, do que congela-las como  “comunidades”.

Em relação aos conjuntos habitacionais pré-existentes é preciso evitar que sigam o caminho da degradação, resgatando-os mediante a recuperação das áreas comuns e a dotação de infraestrutura, reprojetando-os caso a caso, para complementar o seu perfil, inclusive com atividades comerciais e de serviços.

Todo o esforço precisa ser feito para transformar em bairros esses assentamentos. Um programa de urbanização integrada, envolvendo toda a infraestrutura, praças e parques, arborização, serviços públicos e privados, equipamentos sociais, atividades econômicas e culturais pode inclusive contar com financiamentos internos e internacionais.

Os projetos habitacionais não podem mais ser apenas habitacionais. Eles precisam trazer consigo uma clara opção voltada à geração de empregos in loco bem como à necessidade de atender ao consumo primário das famílias. Ou será que não se deve entender como manifestação expressa de uma demanda efetiva a “invasão” de recuos, áreas verdes e espaços abertos com barracas e quiosques precários, quando não a construção de puxadinhos ou a transformação da sala de estar em ambiente comercial?

Indispensável também a existência de um programa permanente de assistência técnica para a habitação de interesse social, no que precisam se envolver os conselhos profissionais de engenheiros e arquitetos, para destravar as exigências corporativas que prejudicam a população mais pobre.

É preciso cuidar com atenção e prioridade para rigorosamente evitar a ocupação de áreas de risco e de proteção, como encostas, áreas alagáveis, margens de rios e outras que, com o tempo, tornam-se problemas graves, de urbanismo, de saúde, de saneamento, como se vê nas metrópoles e grandes cidades. As secretarias de Meio Ambiente deveriam se ocupar desta pauta.

Ao invés de segregar e formar guetos, as políticas públicas precisam estimular uma dinâmica urbana de mobilidade das famílias no interior das cidades.

Waldeck Ornélas é especialista em planejamento urbano-regional