Morador que comeu carne de baleia ganhou R$ 300 com vendas: ‘Não enganei ninguém’

Jorge Silva fez vídeo comendo churrasco de baleia; ele usará lucro para pagar aluguel

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  • Eduardo Dias

Publicado em 3 de setembro de 2019 às 16:55

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO

Os moradores que tiraram a carne da baleia jubarte adulta, morta na última sexta-feira (30), após encalhar na praia de Coutos, no Subúrbio Ferroviário de Salvador, resolveram vender ou jogar fora o material após descobrirem que corriam risco de sofrer uma infecção alimentar em caso de consumo. Os alertas de especialistas sobre a ameaça à saúde e até de um possível crime ambiental assustaram a maioria das pessoas, mas em alguns casos a informação já chegou tarde.

O caso que mais chamou a atenção foi o do auxiliar de pedreiro Jorge Silva, 28 anos, que contou ter armazenado carne suficiente para comer durante cerca de dois meses, junto com a família.

Na porta de sua casa, e ao lado de dois de seus três filhos, Jorge conversou novamente com o CORREIO nesta terça-feira (3). Ele revelou que se livrou de todo o material que tinha conseguido retirar por medo de intoxicação alimentar. No entanto, afirmou que não sentiu nenhuma diferença em seu estado de saúde desde o primeiro dia que consumiu a iguaria. Aliás, desde que fez um churrasco com carne de jubarte.

“Desde domingo que eu como e não senti nada até agora. Mas, depois de toda a repercussão, as pessoas me mandando prints da reportagem falando que seria crime, que tinha risco à saúde, eu resolvi vender tudo o que sobrou. Não enganei ninguém, vendi para as pessoas avisando que se tratava de carne de baleia mesmo”, explicou.

Ao todo, Jorge conseguiu arrecadar cerca de R$ 300 que, segundo ele, serão utilizados para pagar o carreto e o primeiro aluguel da nova casa onde ele e a família pretendem morar. Cada quilo da carne exótica saiu por R$ 10.

Jorge, que atualmente está desempregado, contou também que, no domingo, vendeu os últimos 6 kg da carne da baleia que haviam sobrado para uma pessoa que o contatou, em Simões Filho, na Região Metropolitana de Salvador, após saber de seu estoque. “Vendi tudo por R$ 60 e lá mesmo eles fizeram um churrasco e eu comi também”, comentou ele, que gravou um vídeo mostrando e convidando os amigos para o 'churras do finde'.

Veja a gravação feita no domingo.

Crime ambiental Embora já saiba que a prática de consumir a carne de baleia é considerada crime ambiental, por se tratar de um animal protegido pela Lei 7.643, de 18 de dezembro de 1987, que em seu Art. 1º, prevê a proibição da pesca ou qualquer forma de molestamento intencional de toda espécie de cetáceo [animais de vida aquática e mamíferos das águas jurisdicionais brasileiras], Jorge garantiu que queria apenas levar o que comer para dentro de casa.“Sou pai de família e estou desempregado. Apenas a minha esposa está trabalhando hoje como manicure. Quando eu vi a oportunidade de pegar uma carne e economizar o pouco que ganhamos para outra coisa, não pensei duas vezes”, contou.Quem também resolveu se desfazer da carne da baleia quando ficou sabendo do zum zum zum foi a catadora de marisco Jussara Moura, 47, que tinha guardado em casa, dentro de um balde, cerca de 8 kg da carne do animal.

“Eu peguei, mas não fui lá tirar. Uma pessoa que tirou dividiu comigo. No início, eu estava curiosa em saber qual era o gosto, mas desisti. Eu lembrei do sofrimento da baleia na hora da morte. Jamais comeria a carne dela depois daquela imagem que vi”, lamentou Jussara.

Remoção Em nota, a Empresa de Limpeza Urbana de Salvador (Limpurb) informou que na segunda-feira à noite, uma equipe fez a retirada total da carcaça da baleia. No total, foram retirados 28.930 kg (cerca de 29 toneladas) e encaminhados para o Aterro Metropolitano Centro (AMC). 

Para que a operação fosse concluída seguindo o protocolo de remoção do Instituto Baleia Jubarte, a solução foi rebocar os restos do animal morto para a Praia de Tubarão, com uso de um barco. Antes, houve algumas tentativas de retirada sem sucesso devido à Praia de Coutos ser de difícil acesso e pela dimensão do animal, que media cerca de 15 metros de comprimento e 39 toneladas. 

O novo local permitiu o acesso dos equipamentos necessários para a total remoção dos restos da carcaça. Foram utilizados uma retroescavadeira, dois caminhões, duas caçambas, um munck (veículo com guindaste) e dois contêineres de 20 metros cúbicos. 

A equipe iniciou o trabalho de retalhar os restos da baleia nessa segunda, às 21h, quando a maré começou a baixar, e seguiu até concluir a remoção. Para a total limpeza da praia, tanto de Coutos quanto de Tubarão, foram utilizados 120 mil litros de água e 240 litros de sabão aromatizante até esta terça. Nessa quarta (4) também será feito um repasse da lavagem e da limpeza para garantir a higiene do local, que encontra-se repleto de urubus. Urubus na Praia de Tubarão, para onde carcaça de baleia chegou a ser levada antes de ir para aterro (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO) Saúde A assessoria da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) informou que não há registros de casos de entrada de pacientes, desde a sexta-feira, com sintomas de naúseas, enjoos ou vômitos, oriundos do consumo da carne da baleia.

Procurado pelo CORREIO para falar sobre o assunto, a assessoria do Greenpeace Brasil informou que, infelizmente, os problemas ambientais no país são muitos e a organização não governamental dispõe de poucas pessoas, por isso, há temas dos quais a instituição não trata, como é o caso de baleias. Ainda segundo a nota, a campanha de oceanos é uma campanha do Greenpeace Internacional.

Lei De acordo com a bióloga do Instituto Baleia Jubarte, Luena Fernandes, além da Lei nº 7.643 de 1987, outra lei que protege os animais é a de nº 9.605, dos crimes ambientais, de 12 de fevereiro de 1998. O parágrafo V, Seção I, no Art. 29, dispõe sobre os Crimes contra a Fauna.

A lei prevê que matar, perseguir, caçar, apanhar ou utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida, pode resultar em pena, com detenção de seis meses a um ano, e multa.

Incorre nas mesmas penas, quem vende, expõe à venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou depósito, utiliza ou transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes de criadouros não autorizados ou sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente.

*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro.