Moradora da Chapada é a única mulher guia de observação de pássaros na Bahia

Turismo de observação é predominantemente masculino; apenas 16% dos guias dessa atividade são do sexo feminino

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  • Da Redação

Publicado em 5 de junho de 2022 às 07:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Fotos: Tatiane Dias/Divulgação
Cristine acompanha grupo de observação na Chapada por Foto: Acervo pessoal

A brasiliense Cristine Prates é bióloga, ornitóloga, consultora ambiental, guia e atua no Projeto de conservação da arara-azul-de-lear (Foto: Tatiane Dias/Divulgação) ‘Eu fui aparelhado para gostar de passarinhos/ Tenho abundância de ser feliz por isso’. O trecho do poema ‘O apanhador de desperdícios’, de Manoel de Barros, poderia ser um retrato literário de Cristine Prates, 38 anos. Apaixonada por aves, ela aprendeu a ‘passarinhar’ ainda criança com o avô, em seu sítio, em Planaltina, Goiás. Nascida em Brasília, há três anos Cristine fez de Lençóis, na Chapada Diamantina, seu ninho. 

Por reunir diversos biomas - Caatinga, Mata Atlântica e Cerrado -, a Bahia é um lugar propício para ‘passarinhar’. Segundo ela, são cerca de 800 espécies de pássaros no estado, o que corresponde a mais de 40% do total de aves registradas no Brasil, incluindo as endêmicas (encontradas apenas nesse local) e em extinção. Só na Chapada existem 400 espécies de pássaros, com destaque para o papa-formiga-do-sincorá, o tapaculo-da-chapada-diamantina e o  beija-flor-de-gravata-vermelha. 

Por aqui, a bióloga e ornitóloga - profissional que se dedica ao estudo das aves - é a única guia mulher de observação desse tipo de animal. O que chama atenção para um outro ponto: o turismo de observação de pássaros é predominantemente masculino. Dados do coletivo ‘Brasil Silvestre’ apontam que apenas 16% dos guias dessa atividade são do sexo feminino. “Acredito que, na realidade, essa porcentagem é bem menor”, destaca Cristine Prates. 

Em 2020, ela fundou a própria agência de turismo de observação de aves, a Birding Chapada Diamantina. A guia também desenvolve pesquisas de conservação da arara-azul-de-lear, animal ameaçado de extinção, e realiza consultoria ambiental para empreendimentos. Além de ter trabalhado em um projeto muito especial: de reintrodução da ararinha-azul, extinta da natureza há duas décadas, que vai ser solta no dia 11 de junho em Curaçá, na caatinga baiana, de onde é originária. “Será um momento histórico!”, avalia Cristine. 

O dono do coração da ornitóloga é o beija-flor-de-gravata-vermelha, também conhecido como gravatinha: “É um beija-flor fantástico, que só existe na parte norte da Serra do Espinhaço (que começa em Minas Gerais e termina na Bahia). O melhor local para ser observado é a Chapada Diamantina. Ele possui vários tons de verde, um capuz invocado e uma gravata com as cores do arco-íris. Dá pra imaginar?”, empolga-se, com razão.

Enquanto a trilha mais tradicional está associada a banhos de cachoeira, visitas a cavernas e afins, na trilha de avistamento de pássaros o objetivo é a contemplação. Para ser guia de observação de aves não é exigida formação acadêmica. A atividade sequer é regulamentada. A bióloga avisa, porém, que é necessário muito estudo e dedicação. “É preciso estudar as aves, principalmente o canto, que é a melhor forma de identificá-las e atraí-las para os observadores apreciarem as espécies. É interessante saber sobre distribuição geográfica, comportamento, alimentação, reprodução e também entender de fotografia, para colocar o cliente em boas posições em relação às aves, obtendo, assim, registros de qualidade. Tudo isso enriquece a guiada”, descreve ela, que já realizou cerca de 40 dessas incursões. Desafios  Cristine Prates estagiou no Centro de Triagens de Animais Silvestres do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e no Cemave (Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Aves Silvestres) do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).Mas, mesmo com toda dedicação em busca do conhecimento, o fato de ser mulher em uma área dominada por homens foi e continua sendo um desafio. 

Na graduação, ela e outras alunas ouviam dos colegas que mulheres têm mais dificuldade de aprender o canto das aves. Por isso, elas sempre ficavam responsáveis por tarefas consideradas ‘menores’, como projetos de laboratório e de educação ambiental, bem como a parte de armadilha “que exige um trabalho delicado de tirar a ave presa”.  “Confesso que, inicialmente, acreditei nisso, o que me desestimulou por muito tempo em aprender a vocalização dos pássaros, conhecimento fundamental para quem quer ser guia”, relembra. 

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Além do machismo no meio acadêmico, a sensação de insegurança no trabalho em campo é outro problema: “A mulher tem medo de ser assaltada, como os homens também, mas temos o agravante dos abusos sexuais. Muitas vezes, ando sozinha no mato e fico tensa quando vejo um caçador. É preciso coragem”, ressalta. 

Rede de apoio Cristine Prates encontra em outras mulheres o suporte para vencer os desafios impostos ao gênero. A paulistana Tati Ponguilippi, que mora no Espírito Santo, é sua grande parceira nos passeios de observação de pássaros que realiza na Bahia: “Conheci a Tati na rede de observadores de aves e ornitólogos. Foi a primeira guia de observação de aves mulher que encontrei e que me inspirou e me deu coragem para assumir essa profissão também”, conta.

Para Ponguilippi, a amiga é um grande exemplo de determinação: “Ela estuda os pássaros há muitos anos e, agora, com muito carinho, compartilha esse conhecimento e, através das lindas aves da Chapada Diamantina, inspira tantas pessoas a apreciar a natureza. Ela é uma fonte de inspiração para muitas outras mulheres”.

Nessa rede de apoio, elas buscam fortalecer a si mesmas, bem como às outras mulheres-pássaro. E sonham: “Imaginamos o quão incrível seria uma expedição de observação de aves por grandes regiões, lideradas somente por guias mulheres. Por enquanto, realizamos esse nosso sonho apenas nós duas juntas, mas, a ideia é que possamos, no futuro, trabalhar numa rede com outras guias, por vários locais do país”, torce Cristine Prates. No Dia Mundial do Meio Ambiente, comemorado em 05 de junho, esse seria um grande presente.