“Morra quem morrer”, vamos continuar espalhando a covid?

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  • Paulo Leandro

Publicado em 12 de agosto de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Guardar equidistância em caso de pontos de vista distintos; buscar a utopia – algo que serve como um guia de conduta – de uma impossível neutralidade; e mais, chegar perto de deus, sendo imparcial; e, enfim, dar voz aos segmentos envolvidos, a pluralidade.

São muitos os deveres do zeloso profissional de comunicação, dentro da lógica de mercado, na qual dispensou-se a formação acadêmica como porta de acesso e até o registro em órgão de classe pode tornar-se algo supérfluo, pois não há luta.

Só quando questionamos nossa hierarquia de valores, para fazer as escolhas da vida, verificamos a impossibilidade de subirmos ao confortável muro em situações nas quais a pandemia tem sido decisiva para desestabilizar os mitos do exercício da profissão.

Não há como ser neutro ou imparcial - doce soninho de crianças -, quando há vida e morte em jogo: as aglomerações começam a produzir suas vítimas na mesma proporção das mentiras varridas para debaixo do tapete. O futebol não foi feito para entristecer.

Os jogadores são mandados a campo para manter os bons negócios de empresários, agentes, marqueteiros e adjacentes, atendendo a exigência dos patrocinadores, em um mundo já inexistente, cuja torcida é só um fantasma na imensidão do concreto sem vida.

Por ignorância, má fé ou estupidez, estamos expondo inocentes à morte e destruindo a nós mesmos, arriscando também a espécie, pois o descontrole da pandemia levará a humanidade à extinção em breves anos, com a nossa imensa – e genocida – colaboração.

A falácia do “novo normal” e a cantilena de “protocolos de segurança”, repetidas à exaustão, servem às pessoas cujo apego ao poder e à vida monetarizada está no topo da hierarquia de seus costumes: não se deve chamar de valores, mas de contra-valores.

Considerando a epistemologia como gêmea da ética, além de sermos muito despreparados, de um ponto de vista cognitivo e de repertório moral, esquecemos de fazer a necessária revisão de similares, buscando exemplos positivos de senso crítico.

Ou tivemos nossas mentes capturadas por seres alienígenas e deixamos de pensar ou somos liberais demais a ponto de pensarmos em nossas carreiras de “sucesso”, enquanto o mundo se desmancha à nossa frente, com o tom macabro de banalizar a finitude.

Livres de adesão ao negacionismo medieval, se conseguirmos pensar novamente, vamos verificar a desumanidade de escalar jogadores cujo final infeliz será a infecção, pois futebol é esporte de contato e inevitavelmente todos vão contaminar-se, sem exceção.

Já há também cronistas morrendo ou infectados? Basta uma lista de pêsames no facebook, como se estes óbitos não fossem resultado da parceria do coronavírus com nossa crueldade mórbida. Minha moção de nojo para a idiotia geral.

Quem ganha com a exposição dos jogadores? Os magnatas e seus servidores. Quem perde? Toda a sociedade, pois o futebol sem vacina ajuda a espalhar coronavírus e poderá matar também os entes queridos dos imbecis imaginando-se protegidos.

Daí, seu pai está hospitalizado, sua amiga morre, e você poderá culpar a si mesmo por ser tão profissional, pois está entrosado com a mecânica de mercado. Parafraseando Fernando, prefeito de Itabuna: “morra quem morrer, vamos jogar, vamos divulgar!”. 

Paulo Leandro é jornalista e professor doutor em Cultura e Sociedade.