Mundo tem desafio de alimentar 10 bilhões de pessoas

Produção agropecuária precisa crescer mais de 60% para alimentar população em 2050 

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  • Georgina Maynart

Publicado em 18 de outubro de 2018 às 06:01

- Atualizado há um ano

. Crédito: (Fred Veras / Arquivo Correio)

Os números são desafiadores. No ano de 2050 a população mundial será 29% maior do que a atual. Os agricultores terão que produzir alimentos suficientes para mais de 9,8 bilhões de pessoas. Cerca de 70% da população será urbana e vai gerar um impacto fortíssimo na demanda mundial por comida.   Segundo os cientistas, neste futuro cenário, não muito distante, a produção de alimentos terá que ser 60% maior do que a obtida atualmente nas lavouras do mundo inteiro.  

As projeções foram discutidas pelos cientistas, pesquisadores, produtores e representantes da sociedade civil que participaram em São Paulo do Seminário Internacional “O Futuro da Alimentação”.   Promovido pela Scientific American Brasil, com o apoio da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - SBPC, o evento lembrou o Dia Mundial da Alimentação.  

Os especialistas nacionais e estrangeiros apresentaram os caminhos que podem ampliar a oferta de alimentos no planeta nas próximas décadas. Entre eles, há unanimidade em um ponto: o grande desafio envolve o desenvolvimento de estratégias capazes de obter uma produção agrícola gigantesca, que permita alimentar tanta gente, em tão pouco tempo, sem provocar impactos negativos no meio ambiente.    Os debates giraram em torno da fome, da produção e da distribuição de alimentos, mas apontaram principalmente a ciência como principal aliada.  “Já aprendemos muito sobre processos bioquímicos complexos, genética, big data, inteligência artificial e muitos outros. Além disso, temos condições de transformar esse conhecimento em soluções inovadoras”, comentou o diretor da Scientific American Brasil, Alfredo Nastari. 

A bióloga americana Nina Fedoroff, defendeu que as respostas estão na tecnologia.    “A biologia vai ser a chave da resolução do problema para alimentar o mundo. Ela oferece uma possibilidade muito maior de produzir de maneira sustentável. No futuro isso será feito cada vez mais pelos robôs e menos pelos humanos. As lavouras serão operadas de maneira remota, com os equipamentos em campo sendo coordenados a distância”, disse a cientista, autora de diversos livros sobre uso da tecnologia para produção agrícola, ex-conselheira científica do Departamento de Estado dos EUA e ex-presidente da Sociedade Americana para o Progresso da Ciência.  

A cientista também destacou a importância da produção dos alimentos geneticamente modificados e a adoção de sistemas sustentáveis de produção.   “Nós temos uma década para modificar o sistema global energético. Mas com certeza, a biotecnologia é o passo certo na direção da sustentabilidade. A adoção de organismos geneticamente modificados reduziu o uso de inseticidas entre 30 a 40% no mundo todo. Os OGMs, como são conhecidos, não vão resolver todo os problemas do mundo, mas eles são um passo na direção certa. Plantas mais resistentes reduzem a necessidade de arar a terra e o uso de tratores. Além disso, excluem a necessidade de controle químico. Nada disso é uma bala de prata, mas é uma solução única”, complementou Fedoroff.   “Nós temos muito a fazer e é com tecnologia que poderemos fazer mais ainda”, acrescenta Adriana Brondani, diretora executiva do Conselho de Informações sobre Biotecnologia - CIB. Desperdício    De olho no mapa da abundância e da escassez de comida no mundo, muitos especialistas apontam que um dos mais graves problemas é o desperdício de alimentos e não a falta deles. Cerca de um terço dos alimentos produzidos no mundo são desperdiçados.  

“Precisamos reduzir os desperdícios. No caso do Brasil, o nosso maior problema é na fase anterior à mesa do consumidor. O grande volume de perdas está no transporte, na embalagem e na manipulação dos produtos”, diz Walter Belik, economista e professor titular da Unicamp, referência no Brasil na área de estudos sobre perdas e desperdícios de alimentos. 

Algumas alternativas já vêm sendo adotadas por organizações, indústrias e supermercados de São Paulo que criaram prateleiras específicas para os chamados produtos “feios”, aqueles que estão fora do padrão estético da maioria dos consumidores, mas possuem valor nutricional igual aos outros.  Outra alternativa são os chamados “food banks”. Os bancos de alimentos que recolhem o produto que não está sendo consumido pela sociedade e redistribui para organizações e instituições que precisam de alimentos.   “Temos pelo menos 100 organizações que já fazem isso no Brasil. Mas logicamente elas dependem de doações e voluntários”, acrescenta Belik. 

Os países desenvolvidos terão forte participação neste sistema de produção e distribuição de alimentos.  “A América Latina é a região do mundo mais próxima do fome zero. Muitos países fizeram o dever de casa em relação ao combate à pobreza e à insegurança alimentar. Mas precisamos avançar em várias áreas. Continuar investindo no combate à pobreza e nos objetivos do desenvolvimento sustentável. É preciso continuar atento aos conflitos armados, as mudanças climáticas e a deterioração da economia”, disse Gustavo Chianca, representante da Organização das Nações Unidas para Alimentação no Brasil.    Mudanças climáticas   As mudanças climáticas também estão no foco dos cientistas quando o assunto é a produção de alimentos. O debate gira em torno da busca de sistemas sustentáveis de produção, com eficiência na utilização dos recursos hídricos e energéticos. 

Segundo os especialistas em agrometeorologia, até o ano de 2100 a temperatura do planeta pode variar acima de um grau. Em função desta mudança, algumas culturas agrícolas estariam ameaçadas de desaparecer. É o caso do café, que precisa de temperaturas mais frias.    “Já é possível adaptar as principais culturas para estas alterações. A tecnologia de melhoramento genético pode ser usada para isto. Só que o custo é muito alto. Basicamente um bilhão de dólares por ano. As pesquisas levam cerca de 10 a 20 anos para serem concluídas. Obter um novo cultivar acaba custando cerca de 10 milhões de dólares por unidade. Além disso, se não fizermos nada, o impacto climático provocara a redução de 480 bilhões de dólares no PIB, que é o valor que culturas como esta representam para a economia”, aponta Hilton Silveira Pinto, engenheiro agrônomo e fundador do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas ligadas a Agricultura.   A tecnologia também é apontada como saída para diminuir ou evitar o desmatamento, aumentar a produtividade sem necessidade de expansão da área plantada.  “Hoje nós temos cerca de 6 milhões de agricultores familiares no Brasil. Eles produzem cerca de 70% da alimentação básica do país. Mas com uma baixa produtividade, cerca de 30 a 50% abaixo do potencial agrícola de produção. Se a tecnologia chegar ao campo teremos uma produtividade bem maior. A área explorada no Brasil cresceu 44% nos últimos anos. Mas a produção cresceu 75%, isso é tecnologia”, complementa Hilton.  

Potencial    Em todo o mundo, a produção de alimentos que mais cresce é o de pescado. Segundo o relatório da FAO, a aquicultura se expandiu cerca de 53% nos últimos 20 anos. A China ainda é a líder mundial, mas o Brasil desponta com grande potencial. 

Para os cientistas, incentivar a produção da aquicultura é crucial para continuar produzindo esta proteína animal considerada rica em nutrientes. “O Brasil atualmente tem muita potência para desenvolver a aquicultura. Mas a eficiência do sistema atrelada à sustentabilidade é um grande desafio. Nós temos uma biodiversidade imensa. Mas apesar de termos várias espécies, nós temos muitas não exploradas. Temos que incentivar o consumo responsável do pescado, e das espécies que são mais abundantes”, diz Cinthia Miyaji, oceanógrafa e co-fundadora da Aliança Brasileira para a Pesca Sustentável. 

A atividade também é uma importante fonte de renda. Mais de 800 milhões de pessoas no mundo dependem da pesca, principalmente nos países em desenvolvimento. 

Repolho   Um dos destaques do seminário foi a apresentação do sueco Stefan Jansson, que apresentou detalhes da tecnologia CRISPR-CAS9, uma espécie de técnica de edição genética que vem causando polêmica no mundo. 

Jansson ficou internacionalmente conhecido em 2016, quando cultivou em seu jardim uma espécie vegetal cujo DNA havia sido pela primeira vez alterado usando esta nova técnica. Em linhas gerais, a tecnologia CRISPR permite remover algumas características não desejáveis da planta.  O repolho desenvolvido por Jansson ainda está lá no jardim, e já foi consumido várias vezes em degustações experimentais dentro da casa do cientista. Na Suécia ele não foi considerado um alimento geneticamente modificado, entretanto, os outros países da União Europeia não permitiram o cultivo do alimento. 

De lá para cá, o repolho passou a ser motivo de discussões em todo o mundo científico. A técnica já vem sendo usada em vários outros setores da ciência. Jansson defende uma uniformização da legislação envolvendo o assunto. “Nós que trabalhamos com ciência não consideramos este tipo de técnica nem mais, nem menos arriscada que as outras já existentes. Essa planta faz parte de um projeto muito básico de ciência, não tem sabor melhor, nem crescimento mais rápido. Mas abre várias possibilidades científicas. Por exemplo, podemos retirar do trigo o gene que provoca alergias em pessoas que têm intolerância ao glúten. Eu quero que a Europa revise a legislação. Vai demorar um pouco, mas vai acontecer”, disse o cientista que trouxe para o Brasil uma amostra do repolho embalada em um saquinho. Aqui a exibição foi permitida. 

Controle biológico   O controle biológico de pragas também vai ser cada vez mais frequente nas discussões sobre produção de alimentos. Através dos chamados biodefensivos, os cientistas querem incentivar a produção de produtos biológicos no combate a pragas, em detrimento do uso de defensivos químicos. 

Este já é um mercado milionário que gera cerca de R$ 500 milhões por ano no Brasil e já conta com 70 empresas especializadas no segmento.   A técnica ainda é pouco difundida no Brasil, mas o uso de inimigos naturais para combater pragas nas lavouras já vem sendo usada em 10 milhões de hectares no país.    “Não existe uma lei para biodefensivos no Brasil. Estamos sempre a reboque das discussões que são geradas envolvendo os defensivos em geral. Muita gente não consegue diferenciar. A legislação é falha em vários pontos e isso a gente tem que reverter”, diz Gustavo Herrman, engenheiro agrônomo e Presidente da Associação Brasileira das Empresas de Controle Biológico