Municípios baianos precisam levar vacina em povoados até 220 km distantes da sede  

Equipes de saúde enfrentam estradas esburacadas e atravessam rio para vacinar população; veja vídeo 

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  • Marcela Vilar

Publicado em 12 de março de 2021 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Divulgação/PrefeituradeCorrentina
Vacinação em Sento Sé utiliza escolas para reunir idosos por Divulgação/PrefeituradeSentoSé

Enquanto os 417 municípios baianos sofrem com a chegada das vacinas contra a covid-19 a conta gotas, há outros que vivem ainda outro desafio para vacinar suas populações. Por conta da grande extensão territorial, equipes da saúde precisam fazer deslocamentos de até 220 quilômetros entre a sede e alguns povoados para garantir a imunização dos moradores. É quase a distância entre Salvador e Amargosa, no Recôncavo, indo pela BR. Os vacinadores enfrentam estrada esburacada, atravessam o rio por pinguela – aquela ponte de madeira estreita – ou até a pé mesmo, se o rio estiver cheio. Isso sem contar com eventuais chuvas e o cuidado de não deixar as doses saíram da temperatura adequada ou perderem a validade, de 6 horas após abertos os frascos.  

Sento Sé, no Vale do São Francisco, é o município que tem a terceira maior extensão territorial da Bahia (11.980,17 km²), atrás somente de Formosa do Rio Preto e São Desidério. A cidade é maior em área do que países como a Jamaica, Kosovo e Catar, por exemplo. Para chegar a determinadas comunidades - as chamadas ilhas - são 220 quilômetros de estrada, atravessando rio e levando as doses da vacina apoiado nos ombros. Nessas localidades longe da sede - são 32 no total - a equipe de vacinação precisa ficar três dias para achar os moradores.  

É aí que o corre-corre começa. “Cada lugar desse são três dias [de vacinação], o acesso é difícil demais, a gente gasta muito tempo porque, além de ser longe, a estrada é ruim e as pessoas moram distantes uma das outras. Nas ilhas, tem casa do outro lado do rio e a gente termina ficando, a maioria das vezes, até 22h na rua para não perder a dose. Quando abre o frasco, a gente tem que se virar para não deixar passar o prazo de validade. Você roda muito para vacinar pouco”, conta um dos motoristas que leva a equipe de vacinação, João Jatobá, 51. A dormida, quando não conseguem “achar uma casinha”, é na caminhonete mesmo. “É muito difícil, tem que ter muita coragem e vontade”, diz o motorista.  

A coordenadora de imunização de Sento Sé, Santana Afonso, explica que, por conta da distância, quando a equipe vai, vacina idosos de várias idades, não só o determinado pelo Plano Nacional de Imunização (PNI). “Tem povoado que só tem três idosos e você tem que vacinar. Em uma viagem dessa, de 220 km, a gente vacina 10, 15 pessoas. A gente vacina os de faixa etária menor, porque não tem como ficar indo e voltando com essa dificuldade toda”, esclarece Santana.  

Segundo ela, foram 163 pessoas vacinadas acima de 90 anos, 240 acima de 80 anos e já começaram a vacinação de 75 anos sem concluir as outras, por conta dessa logística complicada. Nessa faixa etária, foram 186 imunizados até então. Todos os 30 indígenas aldeados também receberam o imunizante e 592 trabalhadores de saúde. Mesmo com todas essas adversidades, o percentual de aplicação das vacinas está em 91%. Ao todo, foram 648 casos confirmados da covid-19 no município, de 40 mil habitantes. Há 618 recuperados, 6 casos ativos, 24 óbitos e outros 10 aguardam resultado do teste para detectar o novo coronavírus. 

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Em Correntina, quinto maior município em extensão territorial (11.504,31 km²) da Bahia, a equipe da saúde percorre até 200 quilômetros para chegar em algumas localidades da zona rural. O obstáculo não é só a distância: as equipes precisam atravessar rio por pinguela - pequenas pontes de madeira - com a vacina em um braço, e quanto, chove, o guarda-chuva no outro. Tudo isso sob as elevadas temperaturas do Oeste baiano.  

“Nosso município é muito grande, temos em torno de 40 comunidades na zona rural e a equipe está indo de casa em casa. Conforme as vacinas vão chegando, a gente começa nossa batalha. Tem muitos idosos que moram em locais que o acesso para chegar na casa deles é por uma tirinha de pau, não chega nem a ser uma ponte”, relata a coordenadora epidemiológica de Correntina, Leiliane Barbosa. Dos 10 postos de saúde da cidade, apenas três são na sede. Mais da metade da população mora nos arredores.  

Outra dificuldade é equalizar a chegada da vacina com o roteiro. “Tem localidade que a equipe já retornou três vezes, porque a vacina chega fracionada. Vacinamos na primeira etapa os maiores de 90 anos, depois os de 80 anos e, nessa mesma oportunidade, fizemos a segunda dose dos de 85 e agora os maiores de 80. Mas vamos quantas vezes precisar, não estamos deixando nenhuma zona rural descoberta, mas nem sempre dá para fazer uma região em um dia só”, diz Leiliane. Para otimizar o tempo, os vacinadores já saem da sede com uma lista de nomes dos contemplados por faixa etária. Se sobrarem doses, avançam para outra idade, por ordem decrescente.  

Todas as doses ficam na sede, na rede de frios. A coordenadora prefere não as manter nos postos das comunidades porque elas sofrem com constantes quedas de energia. Mesmo com todas essas variáveis, Correntina conseguiu atingir 85% da aplicação da vacina recebida e recebeu um novo lote nesta semana. A partir de amanhã (12), começa a vacinação dos idosos maiores de 78 anos. Foram, até então, 1.354 pessoas imunizadas com a primeira dose e 536 com a segunda. Há ainda 563 dos 712 profissionais de saúde vacinados. Com população de 32.191 habitantes, a cidade teve 1.353 casos confirmados da covid-19, 1.272 curados, 85 casos suspeitos, 19 em monitoramento, 71 ativos e 10 óbitos. 

No município de Barra, o sexto maior em extensão territorial (11.428,11 km2), a situação é parecida e, talvez, ainda mais desafiadora: são 352 comunidades fora da sede. A mais distante está a 164 quilômetros, além de haver um rio que a cidade na metade. Por conta do tamanho e distância, a secretária de saúde diz que não tem como cumprir o prazo de aplicação de doses do governo estadual, que começou a fazer entrega semanal de vacinas. 

“O tempo que o governo determina para aplicar as vacinas, com a logística de temperatura do Oeste da Bahia, sair de uma comunidade para outra, que não é no mesmo sentido, é muito complexo e um esforço enorme. A população maior é na zona rural e nos custa muito tempo, não é à toa que temos um exército de pessoas trabalhando nisso”, argumenta o diretor de vigilância epidemiológica de Barra, Paulo Fernando Rocha.   

Cerca de 54% da população mora na zona rural, segundo ele – 32 mil pessoas e outras 26 mil na sede. A maioria das comunidades tem uma distância de 100 quilômetros uma da outra, netão a estratégia foi descentralizar a campanha de vacinação para as 13 unidades de saúde da família. “Não tem como mandar vacina todos os dias, e ficar indo e voltando, 90 a 100 km”, diz Rocha. Em algumas regiões, que têm bastante areia, só dá para pegar a estrada com carro traçado, 4x4. Para chegar até os moradores perto de Xique-Xique, é estrada, balsa atravessando o rio e mais chão.   

A equipe de vacinação é composta por cerca de 60 pessoas, com 12 veículos, sendo oito exclusivos da secretaria da saúde. O município não atingiu o percentual exigido pela Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab) de 85% para o envio de novo loto. Bateu na trave: 84,8% - das 952 vacinas recebidas, 807 pessoas vacinadas. Até agora, foram 631 casos confirmados do novo coronavírus, 624 recuperados, três casos ativos e quatro óbitos. O centro de covid do hospital municipal está com lotação de 100%.   

Em São Desidério, no Oeste da Bahia, parece não haver muita dificuldade, pois, apesar das comunidades serem distantes, as estradas de acesso são boas. “A gente só tem mais dificuldade de acesso mesmo, devido à distância das localidades, mas temos apoio da gestão e os nossos profissionais também estão sempre empenhados”, diz a coordenadora de imunização, Ana Carla Moreno. A região mais distante fica a 140 quilômetros da sede. Das 1.070 doses recebidas, 992 foram aplicadas – o percentual está em 92,7%. A vacinação segue para os idosos acima de 75 anos, para não terem que retornar às zonas mais distantes. Até então, são 1.201 casos confirmados da covid-19, 1.164 curados, 12 óbitos, 24 ativos e 48 em monitoramento. 

A Sesab explicou que a decisão de não enviar novas doses para esses municípios não foi uma decisão da secretaria, mas decidida pela Comissão Intergestores Bipartite (CIB).  A pasta ainda informou que as considerações e dificuldades das cidades com grande extensão territorial podem ser apresentadas à CIB e “a avaliação poderá ser feita durante o encontro dos gestores de saúde nesta instância”. 

O CORREIO não conseguiu contato com as prefeituras de Pilão Arcado e Jaborandi. Os secretários de saúde de Cocos, Formoso do Rio Preto e Casa Nova não atenderam às ligações e não foi possível falar com a coordenadora de imunização de Barreiras antes do fechamento desta matéria. 

10 municípios da Bahia com maior extensão territorial Formosa do Rio Preto - 15.634,33 km² São Desidério - 15.156, 71 km² Sento Sé - 11.980,17 km² Pilão Arcado - 11.597,92 km² Correntina - 11.504, 31 km² Barra - 11.428,11 km²  Cocos - 10.140,57 km² Jaborandi - 9.955,11 km² Casa Nova - 9.647, 07 km²  Barreiras - 8.051,27 km

*Sob orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro