Na contramão da crise: 19.845 empresas do ramo alimentício foram abertas na pandemia

Novos negócios ocuparam pontos estratégicos liberados após falências

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  • Wendel de Novais

Publicado em 7 de fevereiro de 2022 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Nara Gentil/CORREIO

Na contramão da onda de encerramento de negócios por conta da crise econômica agravada com a pandemia, empreendedores baianos decidiram investir na própria empresa. Ao todo, 19.845 estabelecimentos do ramo alimentício começaram a funcionar no estado de março de 2020 até agora, segundo dados fornecidos pela Junta Comercial do Estado da Bahia (Juceb). No comando das empreitadas, 87,6% são Microempreendedores Individuais (MEIs).  

Um desses novos empresários é Ruan Neves, proprietário do Casa Bar. O espaço, que pertence à sua mãe e funcionou como centro educacional por 25 anos, ficou vago após uma escola não resistir às agruras do período pandêmico e entregar o ponto. Nesse momento, Ruan teve a ideia de criar seu príprio negócio. Hoje, o Casa Bar já conta com duas unidades.

O empreendimento nasceu em agosto de 2020 e, até maio de 2021, só funcionava como depósito. O local apostou na culinária para angariar admiradores e, desde então, só cresceu. Com a primeira unidade localizada em Pernambués, tem dois principais motivos para o sucesso: o clima aconchegante "de casa" e a “Defumadinha”, feijoada que é servida com carnes que passaram por um processo especial de defumação. Ruan abriu o ponto, investiu em gastronomia e viu movimento explodir no Casa Bar (Foto: Divulgação) "No primeiro semestre de 2021, comecei a fazer o Casa Bar voltado para a gastronomia. Fui fazendo, chamando uns amigos e a coisa começou a andar. Não tinha intenção de seguir no ramo da alimentação, mas as coisas foram fluindo e gostei. Esse momento encaixou certinho com a possibilidade da volta dos bares e restaurantes. Aí também criei uma feijoada, que conhecem como Defumadinha, e comecei a vender já no formato de restaurante. Depois disso, tomou uma proporção que nem eu mesmo imaginava", conta Ruan Neves. 

Segundo o empreendedor, são atendidas, em média, 600 pessoas por semana. Até nas redes sociais, dá para medir o crescimento. Em maio do ano passado, eram 600 seguidores. Hoje, já são quase 19 mil, diz o empresário. Até o cantor Márcio Victor, líder da banda Psirico, já marcou presença no local.  

Após o sucesso da primeira unidade, o Casa Bar ganhou mais um espaço, dessa vez na Praça Colombo, no Rio Vermelho. A inauguração aconteceu no dia 28 de janeiro. "A gente se planejou, estudou o mercado. Foi uma aposta junto com um grande desafio porque é um ponto comercial pelo qual já passaram diversas marcas que não deram certo, mas é o coração do Rio Vermelho e a gente queria um lugar mais acessível porque muita gente queria conhecer o Casa Bar mas não ia por ser mais distante", acrescenta o empresário. 

O crescimento não para por aí. Ruan já planeja, ainda neste semestre, inaugurar um curso gastronômico social no Casa Bar de Pernambués. Serão aulas gratuitas para pessoas do bairro. "Eu quero, de alguma forma, dar um retorno para as pessoas do bairro, que fazem parte da história e do crescimento do Casa Bar".

Novos empresários

Resultados positivos de uma aposta ousada também são colhidos por Adolfo Maia, proprietário da Arena Dogão, inaugurada em agosto de 2021, na Federação. Adolfo trabalhava antes com gestão em saúde e abriu o negócio logo depois de ver o ponto que considerava ideal para seu projeto ficar disponível. 

"Eu procurei um lugar bem movimentado para contar com o fluxo de pessoas a meu favor. Quando vi esse [ponto] na Rua da Muriçoca, sabia que era ele. Antes, funcionava uma loja de roupas, mas fechou na pandemia. Como já tinha a ideia do que fazer e é relativamente fácil montar, botei para a frente", conta ele, que afirma ter movimentado cerca de R$ 7 mil em duas semanas de funcionamento. Adolfo abriu o Arena Dogão há três semanas (Foto: Nara Gentil/CORREIO) Quem também inaugurou seu próprio espaço recentemente foi Jozilda Correia, dona do Vira Copos, ocupando o lugar que era de uma empresa de frios, em Itapuã. "Inauguramos há cinco meses. Abri o negócio depois de vender um apartamento. Queria investir o dinheiro e estava procurando a oportunidade, quando apareceu esse ponto, que é perfeito para a gente. Foi rápido, dei muita sorte. Ponto com grande movimentação ao redor não costuma ficar vago", afirma Jozilda. No início, o Vira Copos funcionava como bar e depósito. Agora, também abre pela manhã, com venda de PF [prato feito] e, aos domingos, feijoada.  Jozilda investiu dinheiro de imóvel vendido para alugar um ponto em Itapuã (Foto: Nara Gentil/CORREIO) Passa-se o ponto

Se por um lado novos negócios surgiram, por outro, a pandemia levou ao fechamento de 24.915 empresas do ramo de alimentação (bares, restaurantes, lanchonetes) no estado. A Associação Brasileira de Bares e Restaurantes da Bahia (Abrasel-BA), estima que 30% dos comerciantes do setor fecharam as portas em definitivo pós a chegada do novo coronavírus. 

Para os novos empreendedores, no entanto, o fechamento desses negócios possibilitou o sonho de ter um estabelecimento que trabalhe com alimentação. Leandro Menezes, presidente da Abrasel, diz que ainda existem pontos à disposição de quem quer investir.

"Não temos esses números ao certo. O que sabemos é que tem ainda muita gente que quebrou e está na esperança de passar os equipamentos, os pontos, porém não tem encontrado para quem", explica.

Para o economista e educador financeiro Edísio Freire, a tendência é que os pontos para serem passados diminuam se a retomada das atividades comerciais continuar sem paralisações. "Se a pandemia melhora, a tendência do movimento nesses estabelecimentos é de crescimento. Isso equilibra as contas, diminui os problemas que os empresários têm enfrentado e, consequentemente, reduz o número de pessoas precisando abrir mão do seu ponto", analisa.

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Se comprovada a hipótese de Freire, vai ficar mais difícil fazer movimentos no mercado como os do empresário Pedro Imbassahy, que é sócio dos grupos Lôro e Ergo. Junto com seus associados, ele aproveitou duas oportunidades. Uma para o Ergo, na compra da Gelateria Crema, que tinha três unidades quando foi adquirida e agora conta com nove, incluindo lojas em Salvador, Lauro de Freitas, Praia do Forte e também São Paulo.

Já para o Lôro, foi uma nova unidade na Bahia Marina. "Com a pandemia, surgiu o ponto lá na Bahia Marina que é a nossa cara. Perto do mar, com belas paisagens e ambiente agradável. Os donos antigos sofreram com a pandemia e negociaram com a gente. Temos um retorno muito positivo. Começamos no início de 2021 e janeiro e fevereiro foram ótimos. Fechamos em março de 2021 e voltamos em abril com restrições, mas depois disso foi melhorando a cada mês. Hoje, atendemos uma média semanal entre 40 e 50 pessoas por dia, com mais destaque para os finais de semana”, afirma.

Planejamento

Pedro Imbassahy diz que o negócio teve grande sucesso até novembro de 2021, sem preocupações. Com a chegada da variante Ômicron, o cenário sofreu uma pequena modificação. “Em dezembro e janeiro já sentimos um pouco o efeito da subida dos casos de covid-19. Tem um impacto negativo para os negócios, mas nada que esteja preocupando tanto. Em pouco tempo as coisas devem retornar ao normal”, acredita. 

Para o empresário, as oportunidades aproveitadas apesar do cenário pandêmico são a prova de que o período foi interessante para quem teve capital para investir."A pandemia fez surgir muitas oportunidades para quem teve uma boa organização de caixa e conseguiu ter fôlego para fazer investimento. Conseguimos aluguéis mais atrativos, o Custo Total de Ocupação (CTO) usado por quem aluga reduziu bastante. As administrações tiveram que baixar esses preços, o que viabiliza bons resultados já no início do que é um investimento a longo prazo", declara Imbassahy. Coxa Coxinha conseguiu pontos cobiçados há anos (Foto: Bruna Leitinho/Divulgação) Renata Nasser, proprietária da Coxa Coxinha, também conseguiu dois bons negócios, que cobiçava há anos, durante a pandemia. O primeiro foi um quiosque no Shopping Boulevard, de Feira de Santana. O segundo, um estabelecimento no Shopping Barra. 

"O de Feira foi uma loja nova. No Barra, me transferi de um ponto antigo para um em frente à praça de alimentação. Fiquei de olho em quem estava saindo e consegui. O aluguel era o dobro do valor, mas fiz essa aposta mesmo assim. Hoje, vendo de 70% a 80% mais do que antigamente no Barra", relata ela.

Depois disso, Renata ainda abriu mais dois pontos em shoppings de Belo Horizonte (MG), um em julho e outro em novembro do ano passado. “Também foi a mesma situação aqui da Bahia. Os antigos donos tiveram dificuldades por conta da pandemia e acabaram tendo que passar os pontos. Aí vi nisso uma oportunidade e aproveitei porque levei dois anos querendo entrar nesses shoppings”, acrescenta.

Sucesso e otimismo

Na Arena Dogão, de Adolfo Maia, o resultado é parecido com o do Coxa Coxinha e o empresário está otimista quanto ao futuro das vendas. "Não fiquei com medo de dar errado e tenho uma previsão boa porque é um ramo interessante e o ponto é um diferencial. Larguei meu emprego fixo na área de saúde, apostei no meu próprio negócio e não tem coisa melhor porque as coisas estão dando certo, clientela aparecendo e aprovando", declara.

Jozilda Correia, do Vira Copos, também acredita que tomou a decisão certa e que seu negócio vai vingar. "A expectativa pra gente é a melhor possível. Estamos no começo ainda, acolhendo o pessoal, mostrando nosso trabalho. Porém, a gente vai conquistando a freguesia aos poucos e, pela localização e a demanda do pessoal por um lugar pra beber, tem tudo pra dar certo". 

O otimismo dos empresários não é à toa. Pelo menos, é o que garante Edísio Freire, enquanto fala sobre como a aposta em pontos de qualidade vagos para quem tem planejamento de negócio é uma decisão acertada. "Se você se planeja e a oportunidade aparece, faz todo sentido apostar. Não dá para investir só pela oportunidade porque é um tiro no pé. Porém, nesses casos, onde já há um projeto em mente, é oportuno aproveitar as vagas ociosas que estão restando no mercado e pode ser o diferencial para o negócio decolar porque o local é fundamental para o sucesso de um empreendimento", conclui Freire. *Com a orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro

**Colaborou a repórter Carolina Cerqueira