Na sala com machistas: como casos de assédio sexual no Ifba refletem cultura histórica na escola

Estudantes e reitoria tentam enfrentar o problema escondido por décadas; especialistas defendem uma educação capaz de compreender gênero, raça e classe

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  • Thais Borges

Publicado em 7 de agosto de 2021 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Foto: Divulgação Se pudesse, Miranda* apagaria um dia específico da memória. Só que, como esquecer de quando sofreu um assédio sexual dentro da própria escola se mostrou uma tarefa impossível, queimou as roupas que usava naquela data. Ex-aluna do Instituto Federal da Bahia (Ifba), ela tinha 18 anos quando se tornou mais uma vítima de uma cultura que atinge mulheres no ambiente escolar há mais tempo do que é possível calcular. “Me senti totalmente desamparada. Depois disso, todos os dias eu via aquele homem. E ele fazia questão de me cumprimentar, para me deixar desconfortável”, diz a jovem, que, aos 25 anos, cursa o Bacharelado Interdisciplinar em Humanidades da Universidade Federal da Bahia (Ufba). Alguns meses após o episódio, ela, que é uma estudante negra, abandonou o Ifba (leia o relato completo abaixo).  As denúncias de assédio sexual no instituto que vieram à tona no mês passado foram apenas um indicativo de um problema que se arrasta e é ainda mais cruel com mulheres negras. A informação de que ao menos 21 denúncias foram registradas desde 2015, em 11 dos 22 campi, representava um pequeno número de estudantes que decidiram quebrar, de alguma forma, o silêncio. A maioria dos casos - como o de Miranda - nunca foram conhecidos. Alguns sequer foram entendidos como agressões, de tão naturalizada que a coisa era, em épocas anteriores. 

Porém, mais do que engrossar as fichas de notificações na ouvidoria, experiências como a dela evidenciam o quanto o machismo, o sexismo e o racismo estão presentes na educação - porque, sim, todos eles não poderiam estar mais interligados. Mostram, inclusive, que o desafio é muito maior do que o Ifba ou que é um problema apenas da instituição. 

Por lá, estudantes deram início a um levante nos últimos meses. Vieram queixas, manifestações em grupo em lives em que supostos agressores participavam e perfis de denúncias nas redes sociais - são os chamados ‘exposed’, quando crimes ou condutas consideradas inadequadas são expostas na internet. 

E o Ifba respondeu ao movimento. A atual reitora - que já tinha prometido enfrentar o problema em sua plataforma de campanha, em 2018 - definiu que uma política institucional seria criada para enfrentar e prevenir a violência de gênero. O próprio instituto já tem uma experiência mais combativa: o campus de Salvador foi o primeiro uma comissão permanente de combate ao assédio sexual. Mas o caminho a ser percorrido ainda é longo. 

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Professores  Historicamente, o Ifba tem uma presença maior de homens em seus campi. Desde que foi originalmente fundado - em 1910, ainda sob o nome de Escola de Aprendizes Artífices - passou por algumas reestruturações. Muitos ainda se referem ao instituto como a “antiga Escola Técnica” ou “o antigo Cefet”. Em todos esses momentos, os homens eram maioria, ainda que a diferença venha caindo ao longo dos anos. 

Hoje, dentre os mais de 31 mil estudantes,  43,5% são mulheres. Entre os 1,5 mil professores, a proporção é parecida - os homens são seis a cada dez docentes. Não dá para dizer que os números são responsáveis pelo cenário, mas os relatos de alunas descrevem um ambiente que pode ser pouco acolhedor em alguns contextos. 

Mesmo quem nunca viveu diretamente um assédio pode já ter presenciado ou percebido alguma situação."Acho que só tive três professoras mulheres. O resto foi homem. Teve um que falou para uma amiga 'eu pegava', enquanto olhava para a bunda dela. Outro tem mania de chamar as alunas por apelidos e você percebe que é interesse porque as pessoas acham estranho", conta uma estudante de 18 anos do campus de Simões Filho. Ela está no Ifba desde 2018. E o machismo não é só assédio. É bem mais comum que ele apareça quando, nas aulas, a participação ou a dúvida de uma aluna é encarada de forma diferente da de um ano. "Quando tenho colegas com as mesmas ideias que as minhas, por exemplo, mas que falam de uma forma diferente com o professor, ele atende, cede espaço. Quanto a mim, ele passa batido. Percebo isso desde 2018, quando entrei lá", diz uma jovem de 18 anos, estudante do campus de Porto Seguro. 

Sem mercado A historiadora Sonia Brito conseguiu observar bem as vivências das estudantes ao longo dos 30 anos em que foi professora do Ifba. No doutorado em Estudos Interdisciplinares em Mulheres, Gênero e Feminismo na Ufba, ela pesquisou justamente as estudantes da então Escola Técnica na década de 1970 que se tornaram docentes da instituição. O objetivo inicial era entender por quais razões mulheres que tinham escolhido fazer cursos tido como masculinos acabaram se tornando professoras do Ifba. "Eu ouvi questões do tipo: 'o mercado não me absorveu', 'as empresas só aceitavam homens'. Uma delas disse que tinha vindo para a Escola Técnica para romper o ciclo de professoras na família. Ela queria trabalhar em fábrica, fazer metalurgia. Mas o mercado não a quis e ela sequer conseguiu estagiar. O caminho, nas palavras dela, foi usar os conhecimentos técnicos na escola", explica. Era curioso - afinal, esse era o momento em que espaços como o Complexo Industrial de Aratu (CIA) e o Polo Petroquímico de Camaçari começavam a ser implementados. Além disso, Sonia começava a despertar para o fato de que, por trás da resposta mais óbvia - que o mercado não absorvia mulheres - existiam outros aspectos. 

Daí, vieram os relatos de mulheres que escutavam que não deviam fazer certas atividades. Ouviam que as 'atividades de forno', como os da indústria, não eram para elas. Uma professora disse que, enquanto estudante, em quatro anos no curso de Eletrotécnica, nunca chegou a fazer uma atividade de laboratório. Numa turma de 39 alunos, ela e a outra colega, as únicas mulheres, eram colocadas para fazer relatórios. 

Foi nas entrevistas que a questão do assédio apareceu. Algumas contavam que os colegas homens brigavam se, em dias de prova, não usassem saia ou vestido para distrair os professores. Queriam usá-las como estratégia para colar nos testes. Outras se referem aos professores que usavam apelidos carinhosos, sempre no diminutivo, exclusivamente para mulheres. 

"Tive que pegar o recorte racial de que 80% dessas mulheres são negras. Elas falavam que, dentro da sala, tinham que provar o tempo todo que tinham potencial. Eram testadas o tempo inteiro", analisa Sonia. 

Segundo a historiadora, a relação entre gênero e raça aparece sempre nos relatos das estudantes. Era sempre assim: ser mulher na Escola Técnica já era um problema; ser uma mulher negra era outro. Uma delas narrou o episódio em que ouviu de um colega branco que, na empresa onde ela conseguisse trabalho, ele pagaria o dobro para que ela - uma mulher negra - servisse cafezinho. "A gente fica com essa ideia de que a escola, por ser um centro de educar, não reproduz, mas na verdade ela reproduz direitinho as relações sociais de gênero, étnico e raciais que a sociedade impõe", diz ela, que reforça que os casos de assédio não são pontuais. "Pontuais são os casos que vêm à tona porque as pessoas denunciam. Aí, sim, são pontuais". Internamente, ainda havia outras divisões não admitidas. Alguns cursos eram mais femininos que outros. Era o caso dos de Química ou de Edificações. Em outros, como os de Eletrotécnica ou de Eletrônica, por outro lado, a disparidade de gênero nos discentes era gritante. "Até hoje é assim. Tem uma divisão dentro da escola. Claro que, com o processo de evolução da sociedade, a gente encontra um número maior. Mas ainda parece muito natural que as meninas estejam no curso de Química", diz a historiadora. 

Entre as hoje professoras que participaram da pesquisa, as que cursavam eletrotécnica ou eletrônica chegavam a ouvir de colegas que o curso não era para elas; que deviam fazer química. "Esse discurso elas ouviam em casa, na rua, na escola. Elas ficavam todo o processo formativo sendo questionadas e, em determinado momento, foram se questionando. Disseram tanto que elas não podiam, que elas passaram a acreditar. Acabavam incorporando isso e, quando recebiam o convite para serem professoras, parecia algo natural", completa. 

Mulheres negras são mais vítimas de assédio no Ifba; até o tipo de agressão é diferente A assistente social Heide Damasceno sabe que a pauta do assédio sexual não é recente no Ifba. Ela também sabe que enfrentá-lo não é uma tarefa simples. À frente da Comissão Permanente de Prevenção e Combate ao Assédio do campus Salvador, a servidora admite: não é só a instituição que faz as coisas mudarem. 

"A comissão surgiu exatamente por isso. Um grupo de professoras e estudantes mulheres foi se organizando e pautando a situação do assédio a partir de uma jornada pedagógica", explica. A ideia veio há quase quatro anos e foi se desenvolvendo até ganhar um regimento próprio, em abril deste ano. 

Foi graças ao trabalho da comissão que foi possível identificar algumas informações sobre as vítimas e os autores dos assédios. Uma das lutas hoje é para mudar a forma de notificação dessas ocorrências - e, assim, tornar as estatísticas possíveis. Hoje, não há números quanto ao perfil dessas pessoas. "O que eu posso dizer pela minha experiência de trabalho é que a maioria das vítimas é de mulheres negras - estudantes e funcionárias terceirizadas. E, em sua maioria, o agressor é um homem branco", afirma. Até mesmo o assédio sofrido por essas mulheres se dá de forma diferente. Com frequência, essa agressão envolve o toque. Os relatos recebidos por ela são de olhares com ainda menos respeito e comentários explícitos sobre o corpo. Já as estudantes brancas costumam citar situações com assédios mais sutis, até disfarçados de paquera ou de vontade de iniciar um namoro. "À medida que o racismo, sexismo e desigualdade de classe se encontram, eles vão deixar ainda mais vulneráveis as mulheres negras. O corpo delas é tido como um objeto mais fácil". 

Existem, atualmente, oito processos em investigação no campus Salvador. Desses, cinco são de assédio - três de assédio moral; dois de assédio sexual. Outros quatro processos correm fora do campus. Ou seja: são casos investigados por órgãos como o Ministério Público Federal (MPF). A comissão não participa dos inquéritos locais; a ela, cabe acolher as vítimas e encaminhá-las, se houver necessidade, a hospitais ou à polícia. 

No entanto, ela reforça que esses números não condizem com a realidade. A subnotificação ainda é grande. "Só eu, como presidente da comissão, atendi quatro estudantes do ano passado para cá, e tentei convencê-las a registrar, mas elas não quiseram por medo de represálias ou de constrangimento". 

Para todo o instituto Mas a comissão ainda é uma iniciativa local. O Ifba, como os outros institutos federais, é uma autarquia com 22 campi com autonomia administrativa. Ainda que também tenha pró-reitorias, o que lembra  a estrutura das universidades federais,  cada campus chega a votar para o próprio diretor ou diretora, nas eleições em que a comunidade escolhe quem vai ocupar a reitoria. 

"Esse movimento culminou em políticas mais amplas, como uma política institucional de combate ao assédio", diz, referindo-se ao projeto que vem sendo delineado a partir da reitoria para ser ampliado para todos os campi. Essa política vem sendo elaborada em reuniões semanais, às quartas-feiras, por representantes como Heide. 

Ela conta que a comissão construiu uma proposta de fluxo contínuo para continuar fazendo trabalho educativo, mas também contribuir com o recebimento da denúncia. Depois, é preciso saber qual foi o desfecho da investigação - o que a instituição fez, se o acusado de fato é culpado e se foi punido. 

Para ela, Salvador acabou sendo o primeiro a ter uma comissão por ser o campus mais antigo. Hoje, além de Salvador, Barreiras também tem uma comissão constituída. Outras unidades, como de Eunápolis e Ilhéus, também já se organizam. "A gente sabe que não havia um enfrentamento de fato. Vinha numa cultura de invisibilizar, de não punir. E acho que isso chegou num limite que não dava para esperar uma iniciativa de cima para baixo". 

Heide diz que há uma cultura institucional que favorece esse tipo de situação."O Ifba não é uma ilha. A gente está numa estrutura patriarcal. Mas o assédio no Ifba é uma questão de desigualdade de gênero e há uma cultura de impunidade", diz. Os servidores se protegem, especialmente os professores homens. Muitas denúncias são invisibilizadas, tratadas como 'fofoca' ou mesmo culpabilizam as vítimas. 

Diante disso, há consequências diretas. Se as vítimas forem funcionárias terceirizadas, são comuns os casos de depressão, transtornos alimentares e outros problemas de saúde. Essas mulheres se sentem mais vulneráveis, pela forma do contrato de trabalho. Assim, tem muito medo de serem demitidas pela denúncia. 

Entre as estudantes, não é incomum que aconteça a evasão escolar. Com medo, elas se isolam, se escondem e prejudicam o próprio processo de aprendizagem. Em alguns casos, abandonam a instituição antes de completar o curso. Dos quatro relatos de vítimas de assédio citados nesta reportagem, dois incluem jovens que decidiram sair do Ifba. 

No entanto, o instituto não tem dados quanto à evasão de estudantes devido a casos de assédio. Em 2019, a evasão geral foi de 11,4% - não há recorte quanto ao gênero dos alunos. De acordo com a assessoria de comunicação do Ifba, dificuldades financeiras costumam ser um dos principais motivos para a evasão, ainda que existam auxílios para estudantes em situação de vulnerabilidade social. 

Quando assumiu o comando do Ifba, a reitora Luzia Mota tinha o combate ao assédio como um compromisso de campanha. Ela sabia que uma mudança de postura seria necessária. Ainda que diga que é um problema que atravessa a história de uma sociedade patriarcal, ela acredita que faltou vontade política dos gestores que a antecederam. 

Como professora do campus Salvador, ela chegou a acompanhar a criação da comissão contra o assédio, embora nunca tenha participado dela. "A primeira ação quando assumi foi um diagnóstico do que existia de denúncia, dos processos abertos. Coloquei sobre os cuidados da correição, que é como se fosse nossa controladoria", conta. 

A partir disso, Luzia percebeu que havia várias frentes por onde atuar. A primeira foi colocar os processos que estavam parados para andar. No final do ano passado, a criação da política de enfrentamento ao assédio foi aprovada. Ela é um primeiro passo. "Hoje, não temos uma norma que imponha aos campi, por exemplo, a criação dessas comissões de enfrentamento ao assédio. Os diretores e as diretoras criam pela vontade, pelo problema que ocorre. Com essa política, vai constar", explica.Para definir como vai ser essa política, existe uma comissão com 20 pessoas, sendo que mulheres são a maioria. A previsão é de que seja implementada em setembro.

Para a reitora, a sensação de impunidade citada por muitos estudantes não é "fora de propósito". O processo é demorado e não é incomum que servidores que fazem parte dela peçam para sair por diversas razões. O que se pode fazer é instaurar um Processo Administrativo Disciplinar (PAD), mas Luzia reconhece que apenas isso nem sempre dá uma resposta. Por isso, defende que as vítimas também sejam orientadas do que podem fazer judicialmente. 

Desde 2018, o Ministério Público Federal (MPF) pode processar um crime sexual independentemente da vítima dar início à ação penal. Nas instituições federais, como o Ifba, todos os PADs concluídos já são enviados ao órgão, que vai decidir se é preciso instaurar o processo. De acordo com a assessoria do instituto, o Ifba tem autonomia para encaminhar casos de crimes diretamente à polícia, mas, por força legal, deve seguir o trâmite administrativo que prevê o envio ao MPF. 

Às vezes, a impunidade vem escancarada, na avaliação dos estudantes. Há casos de professores acusados de assédio que pedem afastamento por licença médica ou mesmo transferência de campus. Luzia explica que, se o servidor apresenta um atestado médico com validade e que seja periciado, a administração não tem o que fazer. 

“Por isso que a política pode prever o que vai acontecer com servidor acusado do ponto de vista pedagógico. Hoje, eu não tenho uma legislação que me garanta segurança de tirar o servidor público do trabalho”, explica. 

Ela acredita que ter uma mulher na reitoria atualmente é uma das razões para esse combate estar acontecendo agora. Mas, de forma geral, as mulheres ainda estão longe das instâncias de poder. Nas últimas eleições, entre os 17 campi que elegem diretores próprios, em só dois deles mulheres saíram vitoriosas do pleito. “Mas fico com o coração muito tranquilo, porque estou fazendo um trabalho que sei que vai repercutir para gerações de meninas que estão chegando agora. Sei que não vou conseguir apagar o sofrimento causado no passado, mas pelo menos estamos trabalhando para que, daqui para a frente, elas não passem por esse tipo de violência”.Ex-aluna da Ifba, a reitora diz que não espera eliminar todos os casos. “Vivemos numa sociedade onde o assédio é uma prática recorrente”, explica. Quer, por outro lado, que se tornem realmente pontuais. “Me sinto triste de falar de assédio toda semana. Queria estar tratando de pautas como as coisas maravilhosas que o Ifba faz, mas não vou recuar nesse enfrentamento. É um compromisso que assumi com a comunidade e vou levar até o fim”, garante.

A reportagem procurou o MPF, mas não houve nenhuma resposta ao pedido de entrevista até o fechamento. 

Outros estados têm exemplos de comissão contra o assédio Ter uma comissão permanente para enfrentar o assédio sexual em instituições federais de ensino não é obrigatório. A Ufba, por exemplo, não tem. Em outros estados, há exemplos como a Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). 

Na Ufes, a comissão foi criada justamente depois que denúncias de assédio e stalking (perseguição obsessiva) a uma aluna de Engenharia Mecânica, por parte de um docente, chegaram aos professores do Departamento de Direito, em 2017. "Uma colega comentou que nós não podíamos ficar omissos. Eles me chamaram para presidir uma audiência pública e foi como mexer no vespeiro", lembra a professora Catarina Gazele, docente do Departamento de Direito e presidente da comissão.  Em meio a um auditório lotado, começaram a surgir relatos de outros casos - inclusive no curso de Direito. Na primeira fase, com o foco na prevenção, uma cartilha contra o assédio sexual foi produzida e colocada no mural de todas as salas. Na segunda fase, as integrantes elaboraram uma política pública de um curso EAD sobre violência de gênero. 

Agora, a meta é implementar um núcleo que inclua atendimento não apenas jurídico, mas também de Serviço Social e Psicologia tanto para mulheres do campus quanto para as que vivem em comunidades periféricas no entorno da instituição. 

"Acho louvável que todas as universidades, além de ter um núcleo da mulher, tivessem também um núcleo para atender mesmo e acolher, porque a maioria das pessoas têm medo de ir na ouvidoria", reforça. 

O Ministério da Educação (MEC) confirmou que essas medidas fazem parte da autonomia de cada instituição. O MEC disse, ainda, que acompanha denúncias supostamente praticadas pelos dirigentes máximos das instituições - ou seja, reitoras e reitores. 

‘As pessoas precisam sair da faculdade sensibilizadas para atuar na educação’, diz pesquisadora

Se o gênero já está presente nas relações sociais de uma forma tão naturalizada, não há motivos para tentar ignorá-lo na escola. É o que diz a pesquisadora Edilza Sotero, doutora em Sociologia e professora da Faculdade de Educação da Ufba. 

"É preciso passar por um processo de desnaturalização e isso é fundamental para que a gente entenda as relações cotidianas", diz, ao comentar sobre a forma como as estudantes viam os assédios que sofriam em outros momentos da história do Ifba. 

Ao mesmo tempo, ao refletir sobre a formação docente, ela acredita que não existe receita de bolo. Na vida prática, devem surgir situações inesperadas."Tem muitos relatos na educação infantil do menino que queria vestir um vestido e a professora entra em pânico. 'E agora, o que eu faço?'. Mas as pessoas precisam sair sensibilizadas para atuar e compreender que o discurso de gênero é presente", reforça. Ela também não acredita em uma evolução ou em retrocesso, mas em história cíclica. Neste momento, por exemplo, a educação enfrenta uma onda conservadora. Na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que orienta os conteúdos que devem ser trabalhados em sala, não há nenhuma menção à palavra gênero. Os termos foram retirados por disputas políticas. 

"Esse debate deve estar presente nas difernetes áreas de formação. Quando falo de currículo, de didática, de filosofia da educação, de história da educação, preciso falar de gênero. Não vão ser debates que vão dar todas as respostas, porque a sala de aula é o lugar do imprevisto, mas é preciso entender que primeiro é necessário desnaturalizar as relações de gênero e depois pautar as relações de gênero", completa.

*Nome fictício.