Não é hora de visitação paterna e a guarda alternada pode esperar

Pais devem se fazer presentes por telefonemas, videochamadas ou mensagens. Se insistem na negação, mães precisam atuar com firmeza e sustentar o "não vai circular"

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  • Flavia Azevedo

Publicado em 24 de maio de 2020 às 19:55

- Atualizado há um ano

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Pode ser que você tenha parido de um homem mentalmente saudável. Nesse caso, ele já entendeu que a pandemia é um fato e que o regime de visitação (e guarda alternada, quando há) das crianças precisa sofrer alterações, enquanto essa agonia durar. Sorte sua. Benzadeus. Oxalá abençoe. Nesse caso, este texto não é pra você, inclusive parabéns pela escolha acertada e lucidez do ex-casal. Sua prole está segura, pelo menos nesse aspecto, e isso já diz muito sobre todo o resto. Fico aliviada. Mas essa não é a realidade de grande parte das mulheres.

Na maioria das vezes, em casos de pai e mãe separados, as crianças moram com a mãe e tem rotina de visitação dos pais. Pois bem. Já perdi a conta das mensagens que recebi, nos últimos dois meses, de mães desesperadas com a pressão dos pais que insistem em visitar e circular com as crianças, como se tudo estivesse normal. Esse desespero, sabemos, ainda vem muito do medo que temos de homem. Algumas de nós, claro. Um medo justificado já que, muitas vezes, eles nos matam. Mas é um sentimento que pode ser trabalhado e, assim, chegamos a outro lugar. Com o tempo, a palavra "desespero" vai sendo afastada e conseguimos raciocinar. Raciocinando, conseguimos agir com mais inteligência. A coragem - que sempre esteve aí - tem, então, espaço para se manifestar. 

(Ninguém pode lhe punir por defender sua prole, diante de uma ameaça real.)

Ontem, escutei de uma amiga, que o pai das crianças "não abre mão" das visitas e passeios, durante o isolamento social. Veja bem: isso não é uma escolha dele. Eu sei que dá preguiça, que a gente quer poupar as crianças dos desgastes emocionais, que estamos cheias de outras demandas. Mas é uma emergência. Hora mais do que apropriada pra evocar a onça parida que mora em cada uma de nós, pra transformar a angústia em ação e dizer, simplesmente, "não vai". Ponto final! Claro que vai ter presepada, ameaça, chantagem e o escambau. Alguns, vão bater na porta, ameaçar entrar. Chama a polícia, amiga. Invasão de domicílio é crime. Se ele não sabe, a polícia deve saber explicar.

Eu sei que não é fácil. Já perdi cinco quilos em uma semana, por causa de um estresse desse naipe. Conheço o problema e suas consequências, muitas vezes graves. Mas aprendi que a gente consegue, com o tempo, botar cada coisa (e pessoa) em seu lugar. Talvez não no lugar ideal, mas pelo menos num espaço onde não seja mais uma demanda, em tempos tão graves. Todos/as precisamos nos reinventar. Eu, você, Roberto Carlos, Sharon Stone, a professora da escola, a rainha Elizabeth, o Papa, a França inteira e o pai das suas crianças que, apesar de estar com certa dificuldade para acreditar, é apenas uma pessoa entre bilhões que têm, agora, as suas vidas fortemente impactadas.

Neste momento, as vias públicas devem ser ocupadas por quem desenvolve atividades essenciais ou está em percursos absolutamente necessários. Há um apelo mundial para que as pessoas fiquem em casa. Crianças são pessoas, por mais que muita gente custe a acreditar. Justamente por isso, as escolas estão fechadas. Há cada vez mais evidências de que a Covid mata em todas as idades, fora o fato de que qualquer um que circule é potencial vetor de contaminação. Crianças devem, portanto, seguir o mesmo protocolo e precisam, minimamente, desse cuidado e de adultos que lhes garantam que tudo vai passar. Adultos devem absorver os impactos e isso é uma obrigação. Pais devem se fazer presentes por telefonemas, videochamadas ou mensagens. Se insistem na negação, mães precisam atuar com firmeza e sustentar o "não vai circular". Desculpe por colocar mais essa na sua conta, eu sei que já tem coisa demais. Mas é a situação limite quem chama. No fim, eu só quero te dar coragem porque nós duas sabemos: quem é mãe, também nisso, vai precisar lutar.

(Em caso de guarda alternada - cada vez MENOS incentivada pelos estudiosos do assunto - é claro que precisa ser definido onde as crianças vão ficar. Pode ser com ele, inclusive. E aí, quem vai ter que entender é você. Não é hora de fraquejar.)