'Não tivemos uma falta no serviço', diz comandante geral da PM

Para o coronel Anselmo Brandão, saques a lojas e bancos foram causados por 'oportunismo'

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  • Thais Borges

Publicado em 9 de outubro de 2019 às 14:59

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Alberto Maraux/SSP

O comandante da Polícia Militar da Bahia, o coronel Anselmo Brandão, afirmou no início da tarde desta quarta-feira (9) que nenhum membro da frota aderiu à greve proposta por um grupo de policiais no fim da tarde de terça-feira (8). “Não tivemos uma falta no serviço nem ontem, nem hoje. Só faltas de rotina, por atestado de doença, por exemplo. Todas as viaturas saíram. Não houve adesão a esse movimento”, garantiu, em entrevista ao CORREIO. Segundo ele, há cerca de 40 policiais militares que estão na sede da Adelba, clube onde o movimento grevista tem se reunido. Esses policiais estariam fora do horário de serviço. A corporação monitora se há faltosos ou não quando os policiais se apresentam aos comandantes de cada batalhão ou companhia. 

“Esses policiais (que estão no clube) estão se solidarizando com o movimento, que não é crime. Não estão aquartelados, sem sair para trabalhar”, completou. 

Ainda de acordo com o comandante, a maioria dos ataques a lojas e agências bancárias que foi registrada desde a noite de terça, em alguns bairros de Salvador, foi provocada pelo “oportunismo”. 

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“Foi devido às fake news e à forma como o deputado (Marco Prisco, um dos líderes do movimento), de maneira irresponsável, transmitiu à sociedade. Assim, a bandidagem, ouvindo isso, começou a fazer alguns saques”, disse. 

No entanto, Brandão ressaltou que a Polícia Civil investiga a situação da agência bancária da Caixa Econômica Federal do Caminho de Areia. O prédio do banco estava fechado e sem funcionários quando foi atingido por tiros. 

De acordo com o comandante, uma das hipóteses da investigação é de que o atentado tenha sido cometido por alguém ligado ao movimento grevista.“A agência vazia foi para amedrontar. Temos uma força-tarefa com vários delegados olhando as cápsulas, as câmeras, para fazer perícia”, assegurou o coronel. Assim como a PM, o Corpo de Bombeiros também disse que não registrou faltas nesta quarta-feira. 

Através da assessoria, a Procuradoria Geral do Estado (PGE) informou que, até o momento, não pretende acionar a Justiça para que a greve seja declarada ilegal – isso porque, para a Secretaria da Segurança Pública do Estado (SSP-BA), não há paralisação. 

Procurado pelo CORREIO, o Ministério da Justiça, que, em outras greves policiais no estado, liberou a ajuda de militares da Força Nacional para ajudar na segurança, disse que não recebeu nenhuma solicitação sobre o assunto.  

Assembleias O coordenador regional da Associação dos Policiais e Bombeiros e de seus Familiares do Estado da Bahia (Aspra) em Ilhéus, Augusto Araújo Júnior, contestou a versão do comandante geral da PM. De acordo com ele, o posicionamento da entidade permanece o mesmo desde que o grupo decretou greve. “O comandante é governo. Cabe a ele dizer que não tem movimento. Se as pessoas estão achando que esses furtos que estão acontecendo e esses índices de homicídio alto à noite são normais, então é verdade o que ele diz”, declarou. Nesta terça-feira (8) e quarta-feira (9), Salvador e Região Metropolitana tiveram 10 homicídios somando os dois dias – seis na terça, quatro na quarta. Destes, nove aconteceram após o grupo de PMs decretar a greve. A média de homicídios por dia na capital e RMS é de 3,9, de acordo com o especial Mil Vidas, levantamento feito com base nos boletins diários da SSP. 

Araújo Júnior criticou as afirmações de que o movimento seja eleitoreiro. “O que se espera é que eles sejam homens e cumpram o que foi acordado em 2014. Nós temos um acordo e a imprensa toda cobriu, na época. De lá para cá, não cumpriram absolutamente nada e o estado ainda demitiu alguns policiais daquele movimento. Quem está fazendo política constante é o comandante e o governo”, criticou. 

Segundo ele, quatro PMs foram demitidos após de 2014, que teve 39 mortes em apenas em Salvador, em dois dias. No mesmo período, foram 70 homicídios na Região Metropolitana. O próprio Araújo Júnior está entre os quatro demitidos. 

No acordo, a Aspra diz que o estado não tem cumprido a regulamentação do artigo 92. Nesse artigo, ficou estabelecido que os PMs teriam auxílio transporte – recebem desde o ano passado – e o adicional de periculosidade com 30% de aumento. O adicional, por outro lado, não foi implementado. 

Além disso, a entidade pleiteia a regulamentação do plano de carreira da categoria, bem como do Código de Ética. Os dois, segundo ele, já foram feitos pelo governo e precisam ser enviados à Assembleia Legislativa da Bahia (Alba). “A gente sabe das dificuldades da crise econômica, mas existem pautas de suma importância para a categoria, como o plano de carreira. É inadmissível que, na PM da Bahia, um soldado demore 24 anos para se tornar cabo”, criticou. Ainda segundo ele, assembleias para definir os próximos rumos do movimento estão previstas para acontecer no interior do estado ainda nesta quarta-feira. 

Conquistas dos policiais Por ser considerada uma categoria essencial – e, justamente por isso, proibida de fazer greve, por lei – a Polícia Militar tem um grande poder de barganha, como destaca o professor Luiz Claudio Lourenço, coordenador do Laboratório de Estudos Sobre Crime e Sociedade (Lassos) da Universidade Federal da Bahia (Ufba). “Não foi à toa que o governador (Rui Costa) falou que a PM da Bahia é muito valorizada. Muitas dessas conquistas foram através dessas greves. Agora, resta saber se essa paralisação teve mesmo adesão da tropa”, pondera o pesquisador, que é professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Ufba. A população, acredita Lourenço, não apoia as paralisações, na maioria das ocasiões. De forma geral, os moradores se sentem inseguros pela restrição de mobilidade cotidiana e tendem a ficar apreensivos, em casa. 

A PM baiana já parou em outras três oportunidades: 2001, 2012 e 2014. Este ano, pelo menos dois estados brasileiros já tiveram greves ou paralisações de policiais militares – Rio Grande do Norte, cujo movimento foi encerrado no mesmo dia em que foi anunciado, e Amazonas. 

Na avaliação de Lourenço, porém, a greve na Bahia não tem relação com o contexto nacional – nem com medidas do governo federal, por exemplo. “Quem está pedindo a greve não está preocupado com isso. Pelo que estamos vendo, tem algumas reivindicações justas, mas a gente pode entender que quem está chamando a greve já esteve por trás dos últimos movimentos no estado. Isso alavancou algumas carreiras políticas e pode aí ter uma motivação para esse tipo de movimento”, diz. 

Surpresa Entre os parlamentares baianos, o anúncio da greve provocou reações fortes. O líder do Governo na Assembleia Legislativa da Bahia (Alba), o deputado Rosemberg Pinto (PT), condenou o que chamou de “decisão isolada do deputado estadual Marcos Prisco (PSC)” de deflagrar greve da Polícia Militar. 

Segundo Pinto, o colega nunca buscou discutir com o governo.“Sou um deputado que transita em ambos os lados. Em momento algum o deputado Prisco sentou para manifestar algum tipo de insatisfação”, afirmou Pinto, através da assessoria, nesta quarta-feira. O deputado afirma, ainda, que a decisão do grupo de PMs teria pegado todos de surpresa. “Inclusive seus colegas da bancada de Oposição”, lamentou. Ainda de acordo com Pinto, a greve teria sido deflagrada por cerca de 300 PMs – a maioria da reserva. 

Um projeto de lei que altera a idade limite para permanência na reserva remunerada dos Praças está na pauta da Alba. Na proposta, que altera o Artigo 178 da Lei n° 7.990, de 27 de dezembro de 2001, a idade passará de 56 para 60 anos. 

“Fui dirigente sindical e sempre antes de tomar qualquer decisão procurava negociar, apresentar as reivindicações. Sem sentar e apresentar a pauta de reivindicações, como se negocia? Isso está mais para uma ação de cunho político do que de busca por melhores condições para a categoria”, condenou Rosemberg. Já o líder da oposição na Alba, o deputado estadual Targino Machado (DEM), afirmou que se coloca à disposição do governo estadual para ajudar a mediar, junto às lideranças do movimento grevista, uma oportunidade de diálogo. 

Segundo o deputado, o anúncio da greve “não foi uma surpresa” para ninguém. Ao CORREIO, disse que vinha conversando com o também deputado estadual Marco Prisco (PSC) sobre o assunto. “Vinha dizendo a ele que esse movimento deveria ser evitado a qualquer custo e que o principal caminho seria o diálogo à exaustão. Ele me disse que já tinha exaurido. Eu respondi que o grande objetivo de quem está numa negociação e quer negociar até a exaustão é não permitir que venha alcançar esse nível. Não pode exaurir”, disse Machado. Machado afirmou, ainda, não concordar com o ordenamento jurídico que aponta que a Polícia Militar não pode fazer greve, por se tratar de um serviço essencial. Para ele, esse trabalho deveria vir acompanhado de um “tratamento essencial e salário essencial”. 

“O governador (Rui Costa), no Papo Correria dele ontem (terça-feira), personalizou e demonstrou sua raiva do soldado Prisco. Peço ao governador para se contaminar pela isenção, equilíbrio e tranquilidade. Essa greve não interessa a ninguém”, disse.