Narrativa coerente, boa equipe ou torcida: qual é o segredo do sucesso de Juliette?

Entenda como a participante do BBB21 chegou a 21 milhões de seguidores e só fica atrás de Sabrina Sato e Grazi Massafera

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  • Thais Borges

Publicado em 17 de abril de 2021 às 16:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Reprodução/Instagram

Se tem uma coisa que não se pode dizer é que a advogada e maquiadora paraibana Juliette Freire, 31 anos, não avisou. No vídeo de apresentação dos participantes do Big Brother Brasil 21, em janeiro, ela dava dicas de como seria no programa: “Meu sonho era nascer essa mulher fina, educada, mas eu nasci tagarela”. De faladeira a perseguida no programa, é seguro dizer que Juliette se tornou uma das favoritas a vencer o reality, em maio. 

Mas mesmo que a trajetória da advogada na casa chame atenção, talvez nada impressione tanto quanto seu desempenho na internet. Quando ela entrou no BBB, era uma reles mortal, com cerca de três mil seguidores no Instagram. Na linguagem dos influencers, isso não é nada. Ninguém seria considerado importante online por ter isso. No entanto, com algumas semanas de jogo ainda pela frente, é como se Juliette tivesse subido muitos degraus na hierarquia das redes. 

Ao alcançar mais de 21,4 milhões de seguidores - talvez chegue aos 22 milhões antes mesmo de esta reportagem ser publicada -, ela já se tornou a terceira mais seguida, entre todas as pessoas que já passaram pelo BBB, desde a primeira edição. Só perde para a apresentadora Sabrina Sato (BBB3), com 29,5 milhões, e para a atriz Grazi Massafera (BBB5), com 23,3 milhões. “Eu desconheço alguém como ela”, diz a pesquisadora Issaaf Karhawi, doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP), referindo-se ao desempenho de uma participante de um reality show nas redes. Para Issaaf, que pesquisa influenciadores digitais e é autora do livro De Blogueira a Influenciadora, o caso de Juliette indica outra questão: a profissionalização das redes sociais. “A gente viu no BBB20, no ano passado, um reconhecimento de que as redes sociais seriam imprescindíveis para ganhar o programa. Mas o caso de Juliette mostra o papel do gestor de mídias digitais numa situação como o BBB”, analisa. 

A edição anterior foi a primeira a contar com famosos no elenco. Divididos entre Pipoca e Camarote, os participantes eram anônimos ou celebridades em determinadas áreas, respectivamente. Entre os famosos, boa parte era composta por influenciadores digitais, como a empresária Bianca Andrade, o hipnólogo Pyong Lee e a vice-campeã da edição, Rafa Kalimann. 

Juliette, representante da pipoca no BBB21, chegou a ultrapassar Rafa, esta semana. Até então, a influencer era a terceira com maior número de seguidores na história do programa (21,1 mi). A paraibana também já quebrou recordes como da participante mais seguida durante um BBB e da foto mais rápida a ganhar um milhão de curtidas (em seis minutos, ao lado da cantora americana Billie Eilish). 

De repente, todos começaram a querer Juliette - ou um pouco do sucesso dela. Em março, a equipe da sister revelou que já tinha sido contatada por mais de 100 marcas. Mas o que justificaria tanto sucesso? De acordo com pesquisadores que estudam tanto a comunicação digital quanto a estrutura dos reality shows, não há uma única resposta.  Juliette entrou no BBB no grupo da 'pipoca' (Foto: Reprodução/TV Globo) Do sofá para as redes Juliette sempre acompanhou o BBB do 'sofá'. Se você não está familiarizado com este termo, é porque talvez seja parte do próprio sofá ou não seja usuário de redes como o Twitter. Lá, é como se existisse outro universo, a julgar pela forma de consumir o reality show (e outros tantos produtos culturais). 

É um universo que organiza mutirões de votação 24 horas por dia, em que perfis fazem transcrição em tempo real dos diálogos dos participantes e onde cada um é representado por um emoji - o de Juliette é um cacto, que logo passou a representar o nome de sua torcida. Para esse público, quem acompanha o BBB principalmente ou apenas pela edição que vai ao ar na TV Globo é o 'sofá'. 

Sem fazer ideia do tamanho e da importância desse outro público, Juliette tinha deixado seu Instagram apenas com uma amiga, Deborah Vidjinsky, e o marido dela. Antes de entrar, não tinha nenhum planejamento além de fotos feitas pela fotógrafa com quem morava. Para essas fotos, que seriam postadas enquanto ela estivesse confinada, pegou roupas emprestadas. A ordem era: se Deborah sentisse necessidade, poderia até contratar uma pessoa ou duas para ajudar e, depois que ela saísse, se resolveriam. 

Juliette nem mesmo tinha outras redes, como o Twitter. O perfil lá foi criado por Deborah, no dia em que os participantes foram anunciados."Quando o negócio começou a crescer, nas primeiras 3, 4 horas, eu me vi louca, transtornada. Meu marido percebeu meu desespero e viu que era muito maior do que a gente podia imaginar", contou Deborah, em uma live feita pelos quatro principais administradores das redes, no fim de março. Foi assim que, aos poucos, o casal foi recrutando pessoas de confiança que trabalhavam com marketing e comunicação. Hoje, segundo Deborah, a maior parte da equipe, que é de João Pessoa (PB), trabalha de forma voluntária.  Antes de ser confinada, Juliette fez fotos com looks que levou para o programa (Foto: Divulgação) Equipe São mais de 15 pessoas, divididas em grupos para cada rede social - incluindo Tik Tok e Spotify. Para a maioria dos especialistas ouvidos pelo CORREIO, ter bons administradores é um dos grandes trunfos dos perfis de Juliette. É a partir desse time que a pesquisadora Issaaf Karhawi, da USP, destaca alguns aspectos para esse desempenho. 

O primeiro deles, segundo ela, é a escolha por uma narrativa coerente. A todo o tempo, Juliette é o tema central. Nas redes dela, não há discussões sobre outros participantes, justamente para reforçar qualidades que ela mostra no programa. 

Outro ponto é o estímulo à participação dos seguidores dela com desenhos, caricaturas e paródias sobre Juliette. Todo esse material é publicado no Instagram."Mas não é só um repost. Há toda uma atenção dada a isso, que estimula muito o engajamento, que é o que todos os participantes buscam", explica. A tal da 'humanização' - uma palavra tão comum no vocabulário de quem trabalha com marketing digital hoje - também está lá. Juliette não é uma marca, mas como figura pública, é possível humanizá-la. Por isso, a equipe dela recorre tanto a publicações feitas antes do reality. Ao mesmo tempo, eles não deixam de postar conteúdo em tempo real.

E, como não poderia faltar, há a presença do Nordeste. "Tem uma ideia de construção da comunidade muito com base na regionalidade, na discussão sobre o Nordeste. Esse senso de comunidade traz uma sensação de que a presença dos fãs e dos seguidores é imprescindível para aquele Instagram existir”, completa. 

Saga de heroína Mas não é só Juliette. Parte do sucesso dela não vem nem da personagem, nem dos administradores. É algo que tem a ver também com os brasileiros em si. A relação que os fãs brasileiros de reality shows têm com os programas é diferente da que fãs de outros países têm com seus próprios realities, segundo o pesquisador João Bertonie, que desenvolve pesquisa sobre audiovisual no sobre audiovisual no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da Ufba. "A gente tem uma relação muito forte com a televisão, mais forte do que com a literatura ou o cinema. A gente foi educado pela televisão e é uma linguagem dramatúrgica. Nossos jornais são muito dramáticos, nossas novelas são. A gente assiste reality show como se fosse novela", acredita. Para ele, Juliette não é uma grande jogadora no BBB. Não tem um perfil de articulação. É o contrário da youtuber Viih Tube, considerada por muitos a melhor jogadora da edição. Desde janeiro, ela nunca foi sequer indicada a um paredão. Ao mesmo tempo, Viih Tube enfrenta rejeição de parte dos espectadores justamente por seu estilo de jogo. 

"Já Juliette não é uma grande jogadora, mas a gente ama Juliette. E a gente ama Juliette porque a gente ama heroína de novela", diz. 

Daí que vem a visão de que os participantes do reality são como personagens. O de Juliette, para Bertonie, seria o 'lobo solitário'. Ela é alguém que luta contra as injustiças e falsidades, com um discurso coerente que é esperado de uma heroína. "É a pessoa que está sempre sozinha por motivos certos. O vocabulário que ela usa lembra a gente de romances, novelas. São frases fortes como 'eu acredito em você, na sua verdade'. Por isso, é particularmente fácil se identificar com Juliette", completa. .  

Até a pandemia ajuda nessa relação com a participante, para a pesquisadora Yne Manuella Cardoso, doutoranda em Comunicação na Universidade da Beira Interior, em Portugal. Com menos opções de entretenimento e lazer, a diversão se torna mais virtual. 

Nesse contexto, se sobressai quem cria as melhores narrativas."Juliette soube se aproveitar disso, intencionalmente ou não, porque lá dentro do programa, ela conta muito a história dela. É a história que o brasileiro gosta, do nordestino sofrido, que veio de família pobre e conseguiu se formar. Ela é uma pessoa que venceu na vida", diz Yne, que estuda a construção de identidades no Instagram. Tudo isso é bem mostrado pela equipe. De acordo com ela, Juliette é representada como uma pessoa sofredora e corajosa. "Ela parece com um arquétipo que se repete muito, do sofredor que, no final, vai conseguir o grande prêmio. A gente lembra de Jean Wyllys também, que foi uma pessoa que estava sendo injustiçada", lembra, referindo-se ao jornalista e ex-deputado federal que foi vencedor da 5ª edição do BBB. 

Na época, Jean foi acolhido pelo público depois que contou ser homossexual ao vivo, no programa. "No caso de Juliette, ela ainda tem uma beleza padrão, branca, que é vista como bonita. Isso também contribui muito (para a aceitação dela)", completa Yne. 

Inovação e política Só que, para quem estuda ou trabalha com estratégias digitais, já dava para imaginar que, desde a participação da cantora e atriz Manu Gavassi, em 2020, a relação do programa com as redes seria diferente. Antes de entrar, Manu deixou uma série de vídeos gravados, roteirizados por ela para cada situação que vivesse no BBB. Se ganhasse a liderança, fosse indicada a um paredão ou simplesmente resistisse a mais uma semana, havia um vídeo para isso. 

Ela acabou promovendo o que os estudiosos da comunicação chamam de convergência das mídias - ou seja, quando duas ou mais mídias se encontram. É comum também o fenômeno da segunda tela, quando assistimos ao episódio do dia pela televisão, mas acompanhando também a repercussão no Twitter.  Manu Gavassi deixou vídeos para serem usados durante sua participação no BBB20 (Foto: Divulgação) "Manu entendeu esse movimento e, a partir daí, decidiu levar sua própria história para algo que já existia", diz a pesquisadora Issaaf Karwahi, da USP. "Manu e Boca Rosa, a Bianca Andrade, conseguiram desviar a atenção da TV para suas produções no ambiente digital. Manu como compositora e roteirista e Bianca para seus produtos, sua marca de beleza", explica. Bianca também foi a primeira a deixar fotos dos looks que usava aos domingos, dias de paredão, prontos para serem postados em seus perfis. Tanto as fotos quanto os vídeos foram imitados por diferentes participantes nesta edição, mas sem a mesma repercussão. No caso dos vídeos, tanto Fiuk quanto Carla Diaz e Karol Conká, ambas já eliminadas, deixaram material para suas redes.   Mas há quem acuse a equipe de Juliette de usar as mesmas estratégias que as campanhas políticas usam na internet. Isso ganhou mais força nos últimos dias, depois que foi divulgado que um dos administradores dos perfis dela, Huayna Tejo, teria sido acusado de receber R$ 250 mil, através de sua empresa, para criar um site de fake news contra o ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT). O caso teria acontecido em 2012, durante as eleições municipais. 

Em nota divulgada à imprensa, Huayna pediu desculpas e disse que a situação foi resolvida na justiça. Segundo ele, sua agência cometeu um erro "classificado por muitos como piadas de mau gosto". 

No entanto, a pesquisadora Issaaf Karwahi acredita que não há problema em usar estratégias legais do marketing político. "Quero enfatizar que não estou falando de bots e fake news. Mas o marketing político tem estratégia de chegar a muita gente, de converter as pessoas por um voto. É exatamente o que Juliette precisa", reforça. 

É porque, no fim, ter seguidores nas redes sociais não quer dizer que ela vai levar o prêmio de R$ 1,5 milhão. Rafa Kalimann e Manu Gavassi, na final do BBB20, tinham o dobro da vencedora, a médica Thelma Assis. Antes disso, Bianca Andrade, a mais popular até então, foi a quinta eliminada. Até o apresentador Tiago Leifert vive repetindo que 'hashtag e textão não define paredão'. 

"Hoje, o BBB não se ganha só dentro da casa, porque não existe uma vida fora da internet. Mas a vitória de Juliette não está garantida. Construir uma imagem é algo que demora, mas você pode destruir em segundos. Nesse final do caminho, pode acontecer algo que venha a arranhar muito a imagem dela", completa a pesquisadora Yne Manuella, da UBI.