Navio Negreiro

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  • Da Redação

Publicado em 7 de novembro de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Ontem escravidão. Hoje poluição. O mar brasileiro não poderia ser diferente do solo brasileiro. Território de transgressão, a exploração permanece a mesma. O povo brasileiro, principalmente o nordestino, tem experimentado dias difíceis com o derramamento de óleo no litoral. No mês da consciência negra, a nossa baía de todos os santos permanece pedindo clemência, como outrora, narrada pelo Poeta dos Escravos.

O meio ambiente marítimo, fonte de sobrevivência do povo negro que chegou em muitos navios negreiros nessa mesma baía, clama por ajuda. São pescadores, marisqueiras, ribeirinhos, vendedores ambulantes, barraqueiros. Em sua maioria, negras e negros. Na Bahia, beirando a totalidade. Sobreviventes do mar.

Responsável pela alavancagem da economia da região, as praias do Nordeste sempre foram fonte de renda através da exploração do turismo. Donos de hotéis de luxo e restaurantes sofrem com o ocorrido, mas têm uma maior capacidade de suportar possíveis danos aos seus negócios, justamente pela dimensão deles. Há, no entanto, uma parcela da sociedade que vive somente do mar. São as pessoas que só têm o mar como fonte de renda. O mar não estando para peixe, o peixe não entra em seus lares.

Quando estudei as vítimas do rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana/MG, percebi isto. Havia uma população que dependia diretamente do Rio Doce. Com a destruição total de sua fonte de renda, eram laços familiar e de amizade destruídos, projetos de vida interrompidos e a certeza de que jamais gozariam de suas vidas como no passado.

Essas tragédias, ao chegar sem pedir licença, ceifam mais do que sonhos e projetos de vida, roubam das pessoas a possibilidade de uma vida digna.

Contudo, a capacidade de sobreviver às tempestades, a dias ruins, faz do povo nordestino um símbolo de superação, afinal mar calmo nunca fez bom marinheiro por aqui.

A suportabilidade da dor, experimentada pela pessoa humana, tem limites, mas a história e a literatura nos dizem que temos que atravessá-los como meio de resistir às intempéries de uma sociedade que é violenta. “Quem quer passar além do Bojador tem que passar além da dor. ” É o que nos dizia o Pessoa. Hoje, o mar, embora permaneça salgado, já não é mais o mesmo. O Bojador assume a ideia de uma sociedade mais justa e igualitária. Já a dor, jamais deveria ser imputada como meio necessário de alcançar o além-mar!

Diego Pereira é graduado em Direito pela UFBa (2012), pós-graduado em direito público (2013) e pós-graduando em Advocacia Pública pela Escola da AGU (2019). Mestre em Direitos Humanos e Cidadania pela UnB (2018). É Procurador Federal (AGU) e autor da obra Vidas interrompidas pelo mar de lama (Lumen Juris, 2018). Professor em Curso de Direito, costuma escrever sobre direito, literatura e cotidiano.

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