Navio português é usado em postagens como se fosse petroleiro da Venezuela despejando óleo no Nordeste

O vídeo foi gravado há cinco meses, na praia de Matosinhos, em Portugal. Além disso, o navio não despeja petróleo no mar, mas areia, em uma operação de dragagem no Porto de Leixões.

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Publicado em 15 de outubro de 2019 às 17:10

- Atualizado há um ano

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São enganosas as postagens nas redes sociais que usam um vídeo de um navio próximo a uma praia despejando uma substância escura no mar. As postagens afirmam que se trata de um navio venezuelano que estaria despejando petróleo na costa do nordeste brasileiro.

O vídeo, na verdade, mostra um navio que faz um serviço de dragagem numa praia em Portugal.

As imagens foram feitas em 30 abril, na praia de Matosinhos, em Portugal. O vídeo foi gravado por Humberto Silva, liderança do movimento “Diz Não Ao Paredão”, e publicado na página do grupo no Instagram. Por e-mail, Humberto confirmou a autoria ao Comprova. O movimento é contrário a obras anunciadas para o Porto de Leixões, em Matosinhos.

Na postagem original, a legenda é: “Cenário da Praia de Matosinhos hoje, durante as dragagens de manutenção do @portodeleixoes”. Por e-mail, Humberto Silva enfatizou que o vídeo não se trata de despejo de petróleo e adicionou nota ao vídeo original ressaltando o uso do post por publicações enganosas no Brasil.

O Comprova verificou postagens nas páginas Capitão Bolsonaro e Moro Presidente 2026 no Facebook.

Para o Comprova, enganoso é o conteúdo que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; que confunde ou que seja divulgado para confundir, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Como verificamos Para esta verificação, o Comprova inicialmente realizou busca reversa de um frame do vídeo, mas não conseguiu identificar resultados. Em seguida, a equipe pesquisou os termos “navio venezuelano” no Facebook. Ao localizar o vídeo, encontrou uma marca d’água que sinalizava que o vídeo havia sido compartilhado do perfil no Instagram do movimento “Diz Não Ao Paredão”.

Com essas informações, o Comprova visitou a página “Diz Não Ao Paredão” e confirmou a origem do vídeo, postado em 30 de abril. O Comprova não conseguiu encontrar nenhum registro anterior dessas imagens na internet ou em redes sociais.

No Instagram, pesquisamos as imagens que haviam sido publicadas com a localização “Praia de Matosinhos”. Há um post do dia 30 de abril do usuário @tiagofazendeiro. Por mensagem na rede social, ele confirmou ter sido o autor da foto e disse ser morador da região e apoiador do movimento.

Além disso, buscamos informações nos sites da Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo (APDL), que gerencia o Porto de Leixões, em Matosinhos, da Assembleia Municipal do Porto e de veículos de imprensa brasileiros e portugueses.

Também entramos em contato por e-mail com a organização “Diz Não Ao Paredão”, que faz campanhas online e manifestações contra a construção do paredão no porto.

O Comprova também entrou em contato com a pesquisadora Olivia Oliveira, do Instituto de Geociências da Universidade Federal da Bahia (UFBA), para pedir informações sobre o laudo que, segundo o instituto, confirma que a origem do petróleo cru encontrado no litoral nordestino pode ser da Venezuela. A pesquisadora nos enviou uma resposta via aplicativo de mensagens.

A equipe do Comprova também pediu acesso ao relatório da Petrobras que foi citado pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, sobre a origem das manchas de óleo. Não tivemos acesso ao laudo, mas a empresa nos concedeu uma resposta, via e-mail.

Além disso, acessamos os dados disponibilizados no site oficial do Ibama das localidades afetadas pelas manchas de óleo.

Você pode refazer o caminho da verificação do Comprova usando os links para consultar as fontes originais ou visualizar a documentação que reunimos. Óleo chegou a Praia do Forte, no Litoral Norte da Bahia (Foto: Marina Silva/CORREIO) Navio não está jogando petróleo no mar O navio que aparece no vídeo é uma “draga”, um tipo de embarcação específica para limpar resíduos, areias e sedimentos do fundo de vias navegáveis e nas proximidades de portos, que remove parte do fundo do mar ou dos leitos e canais, e os deposita na beira da praia, facilitando a navegação e criando assim um “paredão” de areia.

De acordo com uma postagem também de 30 de abril no perfil do Porto de Leixões no Facebook, a Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo (APDL) confirma que as operações de dragagem haviam sido realizadas no período para a manutenção na entrada do canal que leva ao porto.

Essas dragagens e o consequente depósito da areia na praia causaram polêmica. A administração do porto afirmou que a operação é regular e defendeu que “Antes de iniciar qualquer operação de dragagem, são recolhidas amostras das areias para análise prévia, de modo a garantir a sua qualidade para uso balnear”.

A organização “Diz Não ao Paredão” é contrária a uma obra para ampliar em 300 metros o quebra-mar do Porto de Leixões, uma estrutura que protege o terminal marítimo. O movimento tem uma petição homônima na internet contrária ao projeto, já fez manifestações e apresentou a reivindicação às autoridades portuguesas.

O grupo alega que o projeto pode prejudicar atividades como o surfe e também a preservação ambiental da região.

Em março, vereadores questionaram o impacto das obras na prática de surfe na região. Em seu site, a APDL admite que pode haver uma redução na altura das ondas.

De acordo com a APDL, o objetivo da obra é que o porto possa receber navios de transporte de carga maiores do que as condições atuais. A meta é de que possam atracar no terminal embarcações com 300 metros de comprimento, 40,2 metros de boca e 13,7 metros de calado e com capacidade para transportar até 5 mil TEU (unidade de medida padrão).

A ampliação do quebra-mar seria, então, para melhorar as condições de segurança e a navegabilidade no acesso desses navios ao Porto de Leixões. O custo total da obra é de 147 milhões de euros.

Em julho, a Assembleia Municipal opinou que o prolongamento do quebra-mar poderia ser de 200 metros, não 300 metros, como prevê o projeto.

Por que seria um navio da Venezuela? No dia 9 de outubro, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, disse que o óleo derramado no litoral nordestino é de origem, “muito provavelmente, da Venezuela”, atribuindo a informação a um relatório da Petrobras. As declarações de Salles foram rebatidas no dia 10 pela Petróleos da Venezuela S.A. (PDVSA). Na nota oficial divulgada no site, a estatal contrapõe as declarações do ministro brasileiro e diz que ele foi “tendencioso” ao culpar a Venezuela pelo óleo derramado nas praias do nordeste:

“Não há evidências de derramamentos de óleo nos campos de petróleo da Venezuela que poderiam ter causado danos ao ecossistema marinho do país vizinho”, afirma em nota.

O Comprova entrou em contato com a Petrobras e solicitou acesso ao relatório citado pelo ministro, Ricardo Salles. A empresa não nos forneceu o relatório, por e-mail, a gerência de comunicação e imprensa, enviou uma nota em que diz: “A análise realizada pela Petrobras em amostras de petróleo cru encontrado em praias do nordeste atestou, por meio da observação de moléculas específicas, que a família de compostos orgânicos do material encontrado não é compatível com a dos óleos produzidos e comercializados pela companhia. Os testes foram realizados nos laboratórios do Centro de Pesquisas da Petrobras (Cenpes), no Rio de Janeiro.”

A empresa afirmou ainda que, desde o dia 12 de setembro, realizou, por solicitação do Ibama, limpeza nas praias que apresentaram manchas de óleo, nos estados de Alagoas, Sergipe, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Maranhão, Rio Grande do Norte e Bahia.

Um estudo realizado pelo Instituto de Geociências da Universidade Federal da Bahia (UFBA) também aponta que o petróleo que atinge o litoral do Nordeste é similar aos óleos de origem venezuelana. A informação foi confirmada pelo Comprova com a pesquisadora Olivia Oliveira.

“O IGEO/UFBA por iniciativa própria e independente, coletou e analisou material oleoso de praias de Sergipe e Bahia e constatou que ele tem características químicas (biomarcadores) similares aos óleos produzidos pela Venezuela. Nossa capacidade analítica permite a identificação da bacia petrolífera que esse óleo foi gerado.”

No dia 10, o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, também falou sobre o assunto. “Não é o Brasil, o Brasil não tem aquele tipo de óleo. Num levantamento preliminar estamos levantando as possíveis navios e as possíveis bandeiras que, pelo período, podem ter sido responsáveis pelo vazamento.”

Monitoramento do Ibama No site oficial do Ibama, o Instituto apresenta um mapa com as localidades atingidas pelas manchas de óleo. A última atualização em 13 de outubro, às 20h30, mostra 9 estados, 72 municípios e 166 localidades afetados pelo óleo cru. Você pode acessar o monitoramento neste link: Áreas com localidades oleadas no Nordeste brasileiro.

As manchas de óleo apareceram no litoral do Nordeste em 2 de setembro. O presidente Jair Bolsonaro (PSL) determinou a abertura de investigações sobre as manchas de óleo mais de um mês depois, no dia 5 de outubro.

Repercussão nas redes O Comprova verifica conteúdos duvidosos sobre políticas públicas do governo federal que tenham grande potencial de viralização.

Na página Capitão Bolsonaro o vídeo foi publicado com a legenda enganosa no dia 10 de outubro e, no dia 11, tinha 6,8 mil compartilhamentos, 1,3 mil curtidas e 805 comentários. Na Moro Presidente 2026, a postagem é de 9 de outubro e tinha 217 compartilhamentos, 191 curtidas e 16 comentários no dia 11.

O conteúdo também foi verificado pelo UOL e pela AFP, veículos que fazem parte do Comprova, além de Agência Lupa, Aos Fatos, Fato ou Fake.

*Esta checagem foi postada originalmente pelo Projeto Comprova, uma coalizão formada por 23 veículos de mídia, incluindo o CORREIO, a fim de combater a desinformação a respeito de políticas públicas. Esta investigação foi conduzida por jornalistas de Estadãoo, SBT, Jornal do Commercio e Band, e verificada, através do processo de crosscheck, por cinco veículos: Folha de S. Paulo, A Gazeta, Poder 360, O Povo e Correio do Povo.