Necrolikes, um caso de comoção e cegueira

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Publicado em 26 de maio de 2020 às 15:44

- Atualizado há um ano

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Esta semana que passou acompanhei, intrigado, diversas publicações de celebridades, artistas, influenciadores digitais e dos noticiários jornalísticos sobre o assassinato do adolescente João Pedro Mattos, de 14 anos, no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, durante uma operação da Polícia Civil e da Polícia Federal, na região metropolitana do Rio de Janeiro.

O assassinato deste jovem que sonhava ser advogado, morto dentro de casa, dilacera o coração de um país. Nos embrulha o estômago. Sabemos que este não é um caso isolado no Brasil. É apenas mais um, entre milhares noticiados pela imprensa e comunidades, que deixam claro o descaso social e a sua correlação com a segurança pública. Apesar de toda dor sofrida e sentida- as evidências me trazem questões de caráter empático-sócio-virtuais. Me pergunto : - “O que faz com que as pessoas sintam empatia/indignação pela morte de João Pedro no Rio de Janeiro e, no restante do Brasil, não? Melhor: - “O que faz com que as pessoas, que não são do Rio de Janeiro, se indignem com a violência que aconteceu em um outro estado do sul e ‘ignorem publicamente’ os corpos e a violência em seus estados, cidades e capitais de origem?” Impiedoso, pensei: - “ Tem um monte de gente surfando nas águas do Rio para ganhar “necrolikes”.

Por outro lado, também, pensei: temos uma imprensa, cujo JORNALISMO NACIONAL se concentra no eixo Rio -São Paulo, e por tabela, a ‘comunicação de massa’, em sua recepção nacional, está ancorada no sentimento e triagem destas cidades. Não se trata, aqui, de desqualificar ou desmerecer a comoção sócio-virtual diante da violência e dor sofrida s empaticamente pela família do adolescente. Trata-se, no entanto, de problematizar tais fenômenos que, ao mesmo tempo, nos causam empatia e cegueira via mídias digitais.

De acordo com dados do Atlas da Violência de 2019, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o Brasil apresentou o maior nível histórico de letalidade violenta intencional no país, pois 59,1% dessas mortes violentas acometem principalmente a população masculina jovem entre 15 a 19 anos. Os negros representam 75,5% das vítimas desses homicídios.

Os números revelam: há quinze estados que matam mais que a média nacional no Brasil (69,9 por grupo de 100mil), dentre eles, Rio Grande do Norte (152,3), Ceará (140,2), Pernambuco (133,0) Alagoas (128,6), Sergipe (125,5), Bahia (119,8). Todos eles (pasmem!) apresentam as maiores taxas de homicídios para a população jovem negra promovido pela necropolítica estatal, termo cunhado e disseminado no contemporâneo pelo filósofo camaronense, Achille Mbembe.

Os cinco estados com as maiores taxas de homicídios da população jovem e negra, estão localizados na região Nordeste. Reconheço e admito, que o Rio de Janeiro está fazendo a sua parte, denunciando literalmente o seu estado de dor e violência policial, através da sua gente , jornalismo, artistas e celebridades. Fazendo com que o seu grito e indignação ecoem em todo país. A Bahia e outros estados têm apresentado índices bem superiores (ou alarmantes) que os do eixo Rio-São Paulo, aqui apontados. Precisam, por sua vez, fazer a sua parte através do protesto de sua gente e de suas múltiplas mídias e de suas redes de artes.

É básico, inevitável, inescusável, imprescindível se indignar publicamente, mesmo que não haja chuva de likes porque o post publicado não engaja audiência nacional. É preciso gritar as suas/nossas violências cotidianas e fazê-las chegar à garganta do país. Para que juntos, como nação, possamos combater a violência que tem vestido a nossa segurança, publicamente, de sangue.

Ângelo Flávio é ator, diretor e dramaturgo

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