Nem todo lixo é lixo

A coleta seletiva assegura que sejam efetivamente cuidados os resíduos sólidos reaproveitáveis ou reutilizáveis

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  • Waldeck Ornelas

Publicado em 13 de dezembro de 2020 às 16:00

- Atualizado há um ano

Embora integre o plano municipal de saneamento básico – PMSB, junto com o abastecimento de água, esgotamento sanitário e drenagem, os serviços de limpeza urbana e destinação final do lixo requerem tratamento em separado. Isto se justifica pelo evento de uma lei específica, posterior, que instituiu a Política Nacional para os Resíduos Sólidos. Foi então estabelecido que os municípios estão obrigados a elaborar um Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos.

 O fato é que as cenas dos lixões formados à beira das estradas, onde as prefeituras – e não apenas as das pequenas cidades – descartam o lixo recolhido, ainda é uma constante pelo Brasil afora. Isto em um cenário em que os lixões tinham previsão legal de extinção em 2014. A realidade demonstra que essa foi mais uma regra estabelecida por Brasília de forma desconectada da realidade urbana, fiscal e tecnológica dos municípios brasileiros. Nem por isso se justifica que as prefeituras devam continuar descompromissadas com a correção deste que, além de ambiental, é também um grave problema de saúde pública.

 Embora nos municípios com menos de 20.000 habitantes – a imensa maioria dos municípios brasileiros – o PMGIRS possa ser simplificado, esta regra não se aplica no caso de municípios turísticos, na área de influência de atividades com significativo impacto ambiental ou cujo território abranja unidade de conservação; no caso de consórcios intermunicipais, não há necessidade de um plano para cada município.

 Cuida-se aqui da coleta, transporte, transbordo, tratamento e destinação final dos resíduos sólidos derivados do lixo doméstico e da varrição e limpeza de logradouros e vias públicas. Embora típicos de limpeza urbana, os serviços de capina e poda de árvores em áreas públicas são muitas vezes realizados como atividades de manutenção urbana, devendo-se ter em conta, no entanto, a destinação final dos resíduos.

Como todo serviço, a coleta de lixo também precisa ser cobrada, para que possa suprir o custeio da atividade. O mesmo se aplica no caso da execução pelo poder público de etapas do plano de gerenciamento dos grandes geradores.

A filosofia é a não geração, redução, reutilização e a reciclagem dos resíduos sólidos, para o que deve-se valer inclusive da educação ambiental, para só então passar-se ao tratamento dos resíduos e à disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos. Além da compostagem, o lixo é também passível de recuperação energética. O que se objetiva é minimizar o volume de rejeitos a serem encaminhados para o aterro.

Estão obrigados à logística reversa, ou seja, ao retorno dos produtos após o uso pelo consumidor, independente dos serviços públicos de limpeza urbana, os segmentos de agrotóxicos, pilhas e baterias, pneus, óleos lubrificantes, lâmpadas fluorescentes e de produtos eletrônicos.

 A coleta seletiva é uma das formas de assegurar que sejam efetivamente cuidados os resíduos sólidos reaproveitáveis ou reutilizáveis. A esse respeito, há na lei expressa orientação para priorizar a organização de cooperativas de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis, formadas por pessoas físicas de baixa renda, cuja contratação é dispensada de licitação.

 Ainda que proibindo, a lei até mesmo permitiu que catadores de baixa renda – desde que organizados... – possam fazê-lo nos próprios lixões, o que vale como um reconhecimento pelo Estado de sua incapacidade de promover a inserção produtiva das pessoas no mercado de trabalho, a ponto de facultar-lhes modo de vida tão degradante para obter uma renda que costuma não alcançar meio salário-mínimo. A rigor deveriam os municípios ser levados a coibir essa ação, permitindo apenas a atividade por meio da coleta seletiva prévia e até porque as cooperativas não dão conta de absorver toda a geração de resíduos correspondente.

Como se vê, nem todo lixo é lixo.

Waldeck Ornélas é especialista em planejamento urbano-regional.