Nietzsche tinha razão quando disse que 'o cristianismo morreu na cruz'

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  • Da Redação

Publicado em 31 de julho de 2019 às 16:20

- Atualizado há um ano

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"Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem”.[1]

Um fenômeno moderno e ocidental, levado ao extremo no século XXI, chama muita atenção: palavras religiosas viraram uma apropriação subjetiva, pois cada um pinta Jesus com sua própria cor. A democratização da interpretação privada do divino (muito impulsionada pela Reforma Protestante, mas com raízes mais antigas) foi tão banalizada que chegamos ao ponto de um fiel considerar-se religioso e defender tortura, execução, pena de morte e uso de arma pessoal. Em outras palavras, elogia-se a defesa da mesma barbárie que crucificou Cristo, deturpando, inclusive, suas palavras. Vivemos em tempos de balbúrdia!

Em Pindorama, e alhures, a gourmetização religiosa, particularmente a  cristã,  é uma subjetivação bel prazerosa e premium da figura de Jesus, ao gosto do fiel degustador. Hoje, basta apenas ter alguma fé no divino encarnado sem a devida prática da compaixão, reflexão e aprofundamento bíblico - que deveria fazer parte da compreensão das santas revelações. Tornou-se regra ignorar ou modificar as sábias palavras de Cristo e mesmo assim considerar-se um seguidor. O devoto louva a ignorância sobre os fatos e adere aos sentimentos mais primitivos, grosseiros, anticristãos. 

 Em nome da Deus muitas guerras foram praticadas. Ainda são. Infelizmente, elas  sempre foram instrumento político, ideológico que leva à intolerância e aniquilação do outro! A novidade é que hoje os conflitos acontecem aí, no dia a dia, com maior naturalidade. O aprisionamento subjetivo de Cristo acabou virando a medida universal, glorificado pela autoridade do fiel, que em vez de ser temente ao transcendente, pasterioriza-o à sua própria vontade e semelhança. O velho Nietzsche tinha mesmo razão quando disse que "o cristianismo morreu na cruz".

Adotamos um cristianismo privado ("o meu Cristo, o "meu Deus", a "minha congregação") e usamos como arma contra tudo e contra todos que pensam diferente. A prática do amor passa muito longe.  Se na crítica de Ludwig Feuerbach, no século XIX, o homem genérico criou Deus, hoje a divindade virou completamente contornável a partir de vários afetos e desejos arbitrários, solitários ou compartilhados.

A consequência nefasta é o acirramento das divisões sociais: todos querem o monopólio da fé e da verdade. Estamos sempre a mercê de um retrocesso civilizacional, ainda mais quando líderes e falsos ídolos ganham protagonismo e vomitam perseguição, intolerância e repúdio aos diferentes.

Por fim, os conflitos cotidianos, no mundo físico e virtual, só tendem a criar redes antissociais, que, se levada ao extremo, podem  acarretar  em um estado de selvageria permanente.

 [1] Mateus 5:44

Alan Rangel Barbosa é  doutor em Ciências Sociais/UFBA e professor da Faculdade Fundação Visconde de Cairu

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