No Baba das Antigas, foi a esperança de um futuro melhor quem mais se destacou

Senta que lá vem...

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  • Saulo Miguez

Publicado em 24 de abril de 2019 às 10:15

- Atualizado há um ano

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Em um baba festivo que celebrou a história de quatro décadas de um veículo de comunicação diário, foi a esperança de um futuro melhor quem mais se destacou em campo. O BaVi das Antigas, clássico que festejou os 40 anos do Jornal Correio, nem de longe foi um primor técnico, apesar dos grandes nomes que pisaram no gramado.

O placar magro, aliás, refletiu o momento atual das principais agremiações da cidade de São Salvador — sejamos honestos. Isso, no entanto, foi o que menos importou. Em tempos de torcida única e repetidos episódios de violência nos estádios, ver crianças com camisas rubro-negras e tricolores juntas e misturados nas arquibancadas e dentro de campo foi o gol de placa da rodada.   A relação entre infância e futebol foi sintetizada pelo humorista Renato Aragão quando cravou que, ao dar uma bola para uma criança jogar você entende o que é a felicidade. Quando se é criança, qualquer passeio ou meio de rua vira arena. Qualquer par de sandália vira gol e o pé descalço é mais eficiente que a mais tecnológica das chuteiras.

Naquela noite de terça-feira, após os artistas e craques consagrados deixarem o campo, meninos e meninas invadiram o gramado da Fonte e, como num recreio pré-escolar, desembestaram a fazer gol. Crianças que nunca haviam se visto, vestindo camisas de times rivais tabelaram rumo à pequena área e a cada estufar de rede ensinavam que há triunfos mais importantes do que aquele que aparece no placar ou decide um campeonato.

O jogo festivo proporcionou que pais e filhos que carregam a rivalidade boleira no seu seio familiar — porque certas coisas são inevitáveis — pudessem assistir um clássico das arquibancadas, algo cada vez mais raro no país. Num momento em que a intolerância de todas as naturezas se proliferam como ervas daninhas no Brasil, o futebol cumpriria um papel social importante, ensinando os meninos e meninas, desde cedo, a conviverem com as diferenças e entenderem que ganhar ou perder é parte do jogo. Tudo muito constitucional.

Até o estopim das torcidas únicas, essa aula de Democracia era dada, às vezes de forma inconsciente, pelos pais que levavam seus filhos para assistir um Bavi, um Flaflu, um Sansão. Crias e genitores, muitas vezes, já saíam de casa com uniformes distintos, entoando hinos diferentes, mas unidos em nome da conquista maior, da paz, respeito ao próximo e certeza que, no fundo, o futebol é sim a coisa mais importante entre as menos importantes.

João Saldanha, ex-técnico, jornalista e figura mitológica do futebol brasileiro, acreditava que a profissionalização era maléfica ao esporte bretão. Saldanha era adepto não do amadorismo no sentido mais chulo do termo, da falta de comprometimento ou algo do tipo, mas sim da alegria, jovialidade, regozijo; de tudo aquilo que está ligado ao mais puro e simples prazer infantil de chutar uma bola.

Com esse ímpeto, Saldanha formou a base daquela seleção brasileira tricampeã do Mundo, em 1970, considerado por muitos o maior conjunto desportivo — entre todas as modalidades — de todos os tempos. Referências à infância fazem parte de outros episódios marcantes da história do futebol brasileiro. Como não falar, por exemplo, dos eternos meninos da Vila Belmiro, da Juventude Transviada do Bahia de 1957, ou mesmo do Vitória “Brinquedo Assassino”, vice campeão brasileiro.

Fatos que remetem ao essencial no futebol, renovam a fé no esporte mais praticado em todo o mundo e que as cerca de duas mil pessoas que ocuparam a Fonte Nova na festa do Correio tiveram a oportunidade de experimentar. Sem a necessidade de VAR, cartões amarelos ou vermelhos e toda essa chatice burocrática cada vez mais presente no ludopédio moderno.

Saulo Miguez é jornalista formado na Facom UFBA, apreciador da liberdade de expressão, futebol, cinema, literatura e do Art. 5º da Constituição Federal Brasileira de 1988.

Texto originalmente publicado no Medium e replicado com autorização do autor