No estúdio com um Beatle 

Série documental McCartney 3, 2, 1 estreia nesta quarta (22) no Star+ com Paul contando histórias inéditas

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  • Doris Miranda

Publicado em 22 de setembro de 2021 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: divulgação

Quem ouve o álbum Band of the Run, clássico do Wings de 1973, nem imagina a história por trás do disco. Contratado da EMI, Paul McCartney queria gravar num dos muitos estúdios da empresa ao redor do mundo. Olhou para a lista com tantas possibilidades e escolheu Lagos, maior cidade da Nigéria, onde convidou os melhores instrumentistas da África para participar.  

Gravação encerrada, ele e Linda Eastman levaram o material bruto para audição na casa de um amigo. Com o astral lá em cima, resolveram voltar a pé para o hotel, contrariando a sugestão do morador. Resultado: foram assaltados por homens que, além de não reconhecerem o artista, ainda depenaram o casal. 

Veja o trailer:

"Éramos hippies e não achávamos essas coisas possíveis. Os caras com armas na mão e a gente falando de paz e amor", diz. A história, que nunca tinha vindo a público, é contada às gargalhadas pelo próprio Paul na série documental McCartney 3, 2, 1, que estreia nesta quarta (22) no recém-inaugurado serviço de streaming Star+.  

Ao produtor Rick Rubin (também uma lenda dos estúdios), Macca conta o resto da façanha. A tristeza de ter perdido a gravação só acabou quando ele assistiu a uma apresentação do superstar nigeriano Fela Kuti numa casa de shows de sua propriedade em Lagos."Ver Fela ao vivo foi uma das coisas mais emocionantes da minha vida. Diante de tanta energia, não me contive e chorei de emoção na plateia", revela.  Intimidade e boas histórias Paul McCartney e Rick Rubin se reuniram no início de 2021 num estúdio para conversar sobre a trajetória do ex-Beatle e revisar canções de todas as fases da carreira de mais de 50 anos. O público acompanha isso em seis episódios, registrados em preto e branco, de 30 minutos cada. O clima é tão íntimo e descontraído que o tempo passa num piscar de olhos. Principalmente, pela boa vontade de Paul, que, aos 79 anos, ainda reage com a empolgação de um menino para vibrar com músicas que já escutou milhares de vezes.  

Saem daí preciosidades, como detalhes da infância ao lado de George Harrison, com quem ia todo dia para uma escola exclusiva para meninos, falando sobre música, guitarras e as coisas que marcavam a vida dos jovens em Liverpool. Na saída, pegavam carona, compravam arroz doce em lata e paravam numa calçada qualquer para comer, conversar e tocar rockabilly. Ou então, iam ao cinema. "Nos conhecíamos muito bem. O cara que ia comigo para escola, com seu topetinho, se tornou um homem muito sábio. Foi muito bonito ver isso acontecer", pondera. 

Filho de um pianista amador, Paul conta que cresceu ouvindo clássicos dos musicais de Hollywood. Nas festas de Ano Novo, ele tocava para a família inteira. Com o tempo, e após a artrite do pai piorar, o jovem ocupou esse lugar."Era uma atmosfera muito agradável e eu achava que todo mundo tinha famílias amorosas em casa. John deu azar, o pai saiu de casa quando ele tinha 3 anos e a mãe, que não morava com ele, ainda morreu atropelada. Depois, entendi o porquê dele estar sempre na defensiva. Ele vivia com raiva. Eu era mais otimista e isso funcionou muito em conjunto. Eu amava como ele colocava um pouco cinismo nas canções". Francês de araque  O cinismo, por exemplo, foi a mola mestra para o nascimento do clássico Michelle. Estudante de arte, Lennon convidava George e Paul para as festinhas. "Todo mundo queria ser francês naquela época e nós adorávamos os artistas franceses, principalmente as garotas. Juliette Gréco, Brigitte Bardot... Eu  vestia um suéter preto de gola rolê e ficava num canto, tocando e cantando num francês que inventava para impressionar. Anos depois, John lembrou disso e nós retomamos em Michelle.   Conversa da dupla no estúdio rendeu seis episódios (divulgação) Claro que todo mundo já sabe que os Beach Boys foram influência nas harmonias dos Beatles. Mas Paul vai além e diz que havia uma certa rivalidade intercontinental entre eles, principalmente por parte de Brian Wilson. "Acho ele ouviu um dos nossos álbuns e pensou 'tenho que fazer melhor'. Aí, surgiu Pet Sounds, que para mim ainda é um dos melhores discos de todos os tempos. Ouvimos e dissemos 'temos que fazer uma coisa melhor do que isso'. 

Aí nasceu Sargent Pepper's. Nesse ponto do filme, Rubin toca a faixa título do álbum de 1967 e a energia do jovem Paul toma conta. Sir McCartney levanta e começa a vibrar junto, cantando e dançando empolgado. Ouvimos, então, mais uma revelação: "Nós estávamos num avião e nosso roadie disse: 'Pode me passar o sal e a pimenta (Pass the salt and pepper, em inglês)? Achei ter ouvido Sargent Pepper. Rimos daquilo, enquanto eu pensava: 'Sargent Pepper é um ótimo personagem. Seria legal fazer um álbum com alter-egos'. 

Assistindo a McCartney 3, 2, 1, o público comum vai ter uma experiência muito agradável. O roteiro que Macca e Rubin segue é coeso, divertido e bastante curioso. Os músicos, provavelmente, terão outra experiência. A dupla vai destrinchando as composições, os acordes, a harmonia, desbravando os canais da mesa de som e revelando detalhes surpreendentes, como o método usado por Paul para compor.  

Até mesmo para o ex-Beatle, que se espanta quando Rick lhe mostra a linha de baixo que ele fez em While My Guitar Gently Weeps."Nunca ouvi um baixo como este. É fascinante ver isso acontecendo, vocês não misturam estilos, misturam sentimentos", diz Rubin. "Uau, parece que têm duas músicas aqui. Nunca tinha percebido isso até você me mostrar", responde Paul. O nova-iorquino Rick Rubin, 58, sabe o que está falando. É um dos maiores produtores da história do rock, dono de uma carreira recheada de álbuns clássicos. Começou no rap, trabalhando com LL Cool J, Public Enemy, Run D.M.C. e Beastie Boys. Passou pelo metal, com Slayer e Danzig, e chegou no rock californiano do Red Hot Chilli Peppers, que virou megabanda sob a tutela dele em Blood Sugar Sex Magik, de 1991.  

Rubin ajudou a conceber também os últimos álbuns do lendário Johnny Cash, a série American Records, que apresenta quatro títulos. Passaram por seu estúdio ainda Tom Petty, Mick Jagger, System of a Down, Jay Z, Adelle, Black Sabbath, Slipknot, Metallica, Pharrell Williams, Kendrick Lamar e AC/DC. E por mais lendário que seja, Rubin olha o velho McCartney com imensa admiração.