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Gabriel Galo
Publicado em 15 de junho de 2020 às 05:00
- Atualizado há um ano
Na piscina do resort vazio e com descontos providenciais, poderosos –no sentido de poderem estar onde estão– tiram selfies alegres em merecidos descansos. Ao que tudo indica, a Linha Verde é imune ao novo coronavírus.
Nas praias, a galera se reúne num futevôlei esperto e num refresco necessário na água do mar. Ao que parece, ter areia nos trajes de banho não é muito do agrado do novo coronavírus. Quem não põe o pé na areia, trota maroto pela orla, sem máscara, porque o coronavírus é, sobretudo, sedentário.
Alguns shoppings começam a abrir, antecipando promoções e curvas de contágio. Nos bairros, o comércio local se agita em polvorosa, pra lá e pra cá um burburinho danado de gente. É o coronavírus, um notório consumista, querendo ver a economia girar e o empreendedor ganhar seu pão.
A reabertura responsável, como chamam certos locais, começou e tem coisa que não deu mais para segurar. E nem estou me referindo à ansiedade natural de ver gente ao vivo. Estou falando daquelas estatísticas estranhas que explodem na cara de quem fez de tudo para maquiar o impossível.
De repente, MT e MG viram seus casos saírem de poucos para colapso da saúde. Por óbvio, não foi súbito o salto. Antes, marcações equivocadas de SRAG, insuficiência respiratória e pneumonia chegavam a mais de 7 vezes o número de mortes no mesmo período do ano passado. Agora, fiscalizações mais rigorosas encontram erros que subnotificam o problema, expondo um cenário mais verídico–e sombrio.
O Brasil chega aos 90 dias de pandemia sendo o único no mundo que cresce ou cresceu o número de casos e de mortes depois de 60 dias da primeira fatalidade. É, há algumas semanas, o país que mais vitima sua população pela covid-19. Um contorno mórbido para o propagandeado Brasil acima de tudo.
O país se torna agente da disseminação do vírus ao nos vermos mergulhados em poderes que não se entendem, num empurra-empurra de culpa e de responsabilidade, em ameaças de rompimentos democráticos, em chamadas nefastas de justiçamento e opiniões fundamentadas em falácias, despertando no povo o desconforto insustentável que leva a querer jogar tudo pro alto, porque a ação individual é inútil diante de tantas injúrias e é necessário se afastar da realidade para manter um fiapo de sanidade.
E o escape pode ser desde desligar o jornal e maratonar a série preferida, até bater uma bolinha na praia, sob o sol de quase-inverno na pele que carecia de vitamina D. Um, no entanto, não coloca em risco nem a si nem a outras pessoas, enquanto o outro é uma roleta perversa em que o acaso decidirá quem vive e quem sucumbe–embora se saiba perfeitamente para que lado a balança pesa: o mesmo de sempre.
Em pouco tempo há de se saber os resultados do novo normal a fórceps. Os indícios de quem tentou não são positivos. E se alguém disser que se torce contra, sinto dizer que o novo coronavírus é imune não só à Linha Verde, à areia da praia, ao exercício físico, à pujança econômica e a dados maquiados, como também está pouco se lixando para a fé.
Gabriel Galo é escritor