Número de pontos comerciais fechados cresce 40% na pandemia 

Redução das horas de funcionamento e queda na receita fazem lojas e escritórios ficarem vazios  

  • Foto do(a) author(a) Marcela Vilar
  • Marcela Vilar

Publicado em 27 de abril de 2021 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Nara Gentil/CORREIO

A empresária Olga Montenegro tinha sua loja, no Shopping Paralela, quando estourou a pandemia da covid-19 em Salvador, em 2020. Com os decretos da prefeitura e do governo estadual que proibiram o funcionamento do comércio para conter o contágio do novo coronavírus, o empreendimento teve que ficar de porta fechada por quatro meses consecutivos. A conta não fechou e, após dois anos, ela abandonou o negócio no final do ano passado por falta de clientes.

"O faturamento ficou em 50% por muito meses. Não valia mais a pena arriscar e entrar o ano sem ter a certeza que a demanda iria normalizar", relata a empresária. Ela não é a única. Segundo estimativa do Sindicato da Habitação da Bahia (Secovi-BA) e do Conselho Regional de Corretores de Imóveis da Bahia (Creci-BA), o número de imóveis comerciais fechados cresceu entre 30 a 40% durante a pandemia, em todo o estado.

Na imobiliária de Karina Cintra, por exemplo, são seis lojas vazias atualmente. “Aumentou muito o número de imóveis vazios para locação. Nesse período de pandemia, recebi nove lojas para locação em Itapuã, em áreas que antes não ficava vazia. Era um inquilino saindo e outro entrando”, conta Karina.  A devolução dos espaços pelos inquilinos também ocorre na corretora de Mário Fernandes. “Muitos imóveis estão fechados, sem perspectiva de retomada, e outros irão sucumbir mais tarde. É visível o desânimo dos proprietários ao entregar seu imóvel para nós, porque as perspectivas não são animadoras”, constata.  

A crise foi tanta que o empresário Geraldo Gomes precisou fechar três das cinco lojas em shopping centers que ele tinha na capital baiana. Ele era proprietário da Versato do Shopping da Bahia (SDB) e do Salvador Shopping, assim como do restaurante Thai Wok, também no Salvador Shopping. Ele fechou os estabelecimentos nos dias 1 de março de 2021 e 28 de dezembro, respectivamente. “Os shoppings estão exorbitando no poder de cobrança. Dessa forma, achei melhor sair logo do que ficar criando débitos impagáveis”, explica Gomes.  

Segundo ele, tanto o Salvador quanto o SDB não reduziram o valor dos aluguéis, condomínio e outras taxas em nenhum momento. “Acho uma irresponsabilidade muito grande, durante a pandemia, com as lojas fechadas, os shoppings cobrarem aluguel integral e um condomínio abusivo, sendo que o custo deles caiu pela metade e houve evidentemente uma redução de fluxo de clientes. A queda foi brutal”, critica.  

Ele moveu uma ação na Justiça, que ainda está em trâmite, para não precisar arcar com esses custos. Com o fechamento, 54 funcionários, no total, foram demitidos. A receita diminuiu 70% em relação ao caixa de 2019 e anos anteriores. Cada empresa tinha, em média, 10 a 12 anos. “Não sei o que futuro aguarda. Imagino que, se vier uma terceira onda e haja um fechamento de shopping novamente, vai ser outra leva de lojas fechadas”, prevê. Ele continua com a loja Bonzai, de culinária oriental, nos shoppings Bela Vista e Paralela.  

Queda já acontecia desde 2014  Para o diretor 2º secretário do Creci-BA, Noel Silva, essa tendência de fechamento do aluguel de imóveis comerciais ocorre antes de março de 2020. “Já vinha há algum tempo, desde a crise econômica de 2014, que esse mercado de locação de salas e lojas já vinha declinando. A gente brincava que a loja mais vista do Brasil chamava aluga-se ou vende-se", brinca Silva.  

Com a crise sanitária, a situação piorou. “Quase todos os segmentos comerciais e de serviços estão sofrendo muito, as pessoas estão devolvendo os imóveis, principalmente quem tinha sala comercial. Se você pode trabalhar em casa, 100% online, elas devolvem para trabalhar de home-office”, acrescenta o diretor do Creci. Ele nota que houve esse movimento entre os psicólogos e advogados e os bairros mais afetados foram os da Pituba, Itaigara e na região do Iguatemi, na rua Tancredo Neves.  

Além disso, os preços dos aluguéis desses imóveis diminuíram. “Além da devolução, muita gente conseguiu renegociação, com 30, 50% de desconto no aluguel. Uma sala de 300 m², que ficou fechada a maior parte da pandemia, é natural que haja uma negociação para reduzir o preço, até porque, para o proprietário, não é vantagem que venda, porque ele vai ter dificuldade para repor. Então a negociação tem sido a tônica”, conclui. A procura por imóveis residenciais, no entanto, só tem crescido, como mostrou o CORREIO.  

O presidente do Sindicato da Habitação da Bahia (Secovi-BA), Kelsor Fernandes, concorda com a estimativa do Creci-BA. “É visível que o mercado imobiliário, na área comercial, tenha passado por quedas, por conta do fechamento do comércio, as pessoas ainda estão reticentes em abrir novos negócios e mudar as empresas de endereço. Com essa incerteza, não sabemos quando vamos voltar à normalidade e ter uma estabilidade do mercado”, avalia Fernandes.  

Na sua corretora, são 30 imóveis não residenciais que estão esperando novos inquilinos. Um deles, na Avenida Antônio Carlos Magalhães, está há dois anos sem alugar. “Houve uma queda de em torno de 40% das ofertas que estão no mercado que não conseguiram ser realocados. A gente sai na rua e olha uma infinidade de placas de alugo nas ruas. É um segmento que tem sofrido tanto com devolução, inadimplência e pessoas que não conseguem receber redução temporária do valor do aluguel”, completa o presidente do Secovi-BA.  

O presidente do Sindicato dos Lojistas do Comércio do Estado da Bahia (Sindilojas-BA), Paulo Mota, presume que pelo menos mil lojas de rua perderam seus inquilinos em toda a Bahia. “Infelizmente, temos um número expressivo de lojas que não puderam voltar a funcionar. Os empresários desistiram da sua atividade econômica, foram surpreendidos com o fechamento do comércio e temos uma média de mil lojas fechadas na Bahia. Isso representa mais de 10 mil empregos diretos”, analisa Mota.  

Metade dessas lojas fecharam em Salvador. O real cenário da crise econômica será visto após a pandemia. “Enquanto tiver nessa insegurança de protocolo de funcionamento, muitos não têm como sobreviver. Mas todo mundo está tentando fechar com honradez, sem deixar sequelas de passivos. Quando tivermos essa estabilidade de funcionamento, a gente vai ver quem tá com a água no poço e quem estava com o poço seco”, pondera.  

Nem a Câmara dos Empresários de Shoppings Centers (Cesc) da Fecomércio-BA, nem a Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce) da Bahia souberam informar a quantidade de lojas que fecharam em centros comerciais de na cidade ou no estado. O CORREIO procurou a maioria dos shoppings da capital, mas quase nenhum deles se pronunciou até o fechamento do texto. A Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário da Bahia (Ademi-Ba) não enviou resposta.

O Shopping Itagaira informou que duas farmácias fecharam e quatro novas operações começaram na pandemia, o Shopping Barra teve uma vacância em torno de 5%. Já o Salvador Shopping e Salvador Norte Shopping tiveram 7 e 11% das lojas fechadas com a pandemia, respectivamente. No Salvador, 20 operações já abriram e no Salvador Norte, 11 foram substituídas. 

De acordo com a Junta Comercial Do Estado Da Bahia (Juceb), foram 8.781 empresas abertas no estado no primeiro trimestre de 2021, contra 5.778 fechadas no mesmo período, gerando um saldo de 3.003 empresas. O segmento que mais abriu e mais fechou, coincidentemente, foi o de comércio, reparação de veículos automotores e motocicletas. O segundo que mais abriu foi o de saúde humana e o segundo que mais fechou foi o de atividades administrativas.

A Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado da Bahia (Fecomércio-BA) pontua que muitas empresas podem ter fechado, mas preferiram não dar baixa, portanto, estes números da Juceb não condizeriam com a realidade. Pelos dados da Federação, o setor mais afetado por fechamentos foi o de vestuário e calçados. Já os que mais faturaram foram os supermercados e farmácias. 

Preciso sair do aluguel: o que fazer?  O advogado Roberto Figueiredo, mestre em Direito Econômico e professor de Direito Civil da Ufba ressalta que existem dois caminhos para quem precisa deixar o imóvel - seja comercial ou residencial. “Se deve primeiro notificar o locador pra uma negociação do contrato, por e-mail ou através de correspondência. Em pandemia, é dever se fazer negociação, não é obrigatório se fazer um acordo, mas há uma obrigação de renegociar, de conversar e receber uma proposta”, esclarece Figueiredo, também procurador do Estado. 

A notificação ao locador deve vir com uma apresentação da situação financeira do locatário, como documentos que comprovem a diminuição de renda. “Existe a prova documental, em que se junta os documentos, como os decretos públicos do diário oficial, os balancetes do comerciante, a testemunhal, com a testemunha e a pericial, que ele solicita uma perícia técnica ou contábil para fazer o ônus da prova”, acrescenta Figuereido.  

Após a notificação e apresentação dos documentos, o inquilino deve apresentar uma proposta concreta ao proprietário do imóvel. “Essa proposta pode ser uma moratória, para a pessoa não pagar o aluguel por alguns meses, pode ser uma redução da mensalidade de algum tipo”, exemplifica. Se a resposta não vier em torno de 5 a 7 dias e não houver negociação, o outro caminho para o caso seria por via judicial. “O inquilino pode pedir uma revisão ou extinção do contrato na Justiça, alegando o caso fortuito, quando existe um evento imprevisível, de força maior, que não foi causado por nenhuma das partes e que tenha gerado essa situação de inexecução do contrato”, direciona o advogado, sócio fundador do Pedreira Franco e Advogados Associados.  

*Sob orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro