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Gabriel Amorim
Publicado em 5 de março de 2020 às 18:20
- Atualizado há 2 anos
Um dia após policiais agredirem sete homens e um adolescente a pauladas, o clima entre os moradores do palco do crime, a região da Estica, no bairro da Liberdade, é de choque e apreensão. “Nunca vi uma abordagem daquela aqui, só via isso na TV, no Carnaval”, contou uma moradora. “Aquilo foi pior que Carnaval”, completa outra. As duas pediram anonimato por medo.>
Na manhã desta quinta-feira (5), o CORREIO esteve na rua onde a abordagem truculenta aconteceu e conversou com moradores. Apesar de afirmarem que se trata de uma rua muito tranquila, todos ainda estão surpresos e assustados com o que aconteceu. >
“Essa é uma área tranquila. É costume os meninos irem no beco para queimar um (baseado) e a polícia raramente passa por lá. Às vezes aparecem, dão uns dois cascudos e vão embora”, conta um morador. “Nunca vi eles chegarem assim. Chegaram atirando, foram uns quatro tiros para cima, que o vídeo nem mostra”, detalha uma outra moradora. >
A reportagem questionou se a presença dos jovens no beco intimida os moradores, que responderam que nenhum deles nunca apresentou qualquer tipo de risco à comunidade. “São meus vizinhos, todos conhecidos. Acho até bom que eles estejam por lá, porque chego tarde da faculdade e me sinto mais segura. São pessoas que eu conheço, que ficam de olho na movimentação da rua”, explica uma estudante. >
Alguns moradores chegaram a apontar a casa onde moraria uma das vítimas da abordagem policial. O CORREIO chegou a bater na porta e chamar por algum morador, mas não obteve resposta. “Eles não vão querer falar, vão dizer que não sabem de nada”, opinou uma vizinha. >
Prisão A Polícia Militar informou nesta quarta-feira (5) que prendeu em flagrante quatro PMs da 37ª Companhia Independente da Polícia Militar (CIPM/Liberdade) que participaram da agressão durante uma abordagem na noite de quarta-feira (4), na Rua Tupy Caldas, localidade do Estica, no bairro da Liberdade, em Salvador. Eles estão no Centro de Custódia do Complexo Penitenciário da Mata Escura.>
A prisão foi motivada após a PM ter acesso a um vídeo divulgado nas redes sociais. As imagens foram compartilhadas, entre outras pessoas, pelo deputado federal Igor Kannário (DEM), que criticou a atuação de PMs na passagem de seu trio no Carnaval de Salvador.>
No vídeo de 29 segundos é possível ver homens já rendidos. Sentados e sem esboçar reação, os rapazes são chamados por um policial, que ordena que eles estendam a mão. Um dos policiais, então, usa um pedaço de madeira para bater com força na palma das mãos dos jovens.>
O flagrante registrou a agressão de duas das oito pessoas que aparecem rendidas. É possível ainda ver um segundo policial ao fundo, que acompanha toda a abordagem. Sentados e de cabeça baixa, os rapazes se assustam a cada paulada proferida pelo policial. Um dos agredidos chega a gritar de dor e recebe nova paulada após se manifestar. É possível ainda ouvir os PMs dizendo frases como 'Cala a boca' e 'Vá se foder, maconheiro'. A corporação não informou o nome nem as funções dos militares presos. >
"Neste momento os integrantes da guarnição estão sendo autuados em flagrante na Corregedoria da Polícia Militar e, após as oitivas, serão encaminhados para a Coordenadoria de Custódia Provisória (CCP), onde permanecerão à disposição da justiça. A PM-BA reitera que abusos policiais não serão tolerados por parte de qualquer integrante da corporação e todas as denúncias serão rigorosamente apuradas", afirmou a Corporação em nota. >
Outros casos Está é a terceira abordagem truculenta flagrada em vídeo que envolve PMs. Uma das abordagens de maior repercussão foi o flagra de agressão a um adolescente de 16 anos que é espancado por conta de seu cabelo. Após a repercussão, o comandante geral da PM, coronel Anselmo Brandão chegou a pedir desculpas ao adolescente O jovem, acompanhado pela mãe, foi recebido no Quartel dos Aflitos, há cerca de um mês>
No vídeo, um policial, que não teve o nome divulgado pela corporação, aborda com murros e chute nas costas um jovem estudante negro de 16 anos - além de proferir insultos racistas durante a ação. A vítima usava um penteado black power. O registor em que ele aparece sendo espancado e xingado, segundo Brandão, seria exibido como medida de alerta às tropas nas companhias da Polícia Militar do estado. A intenção é mostrar que o comportamento do policial agressor é inadequado em abordagens. Em 2019, 18 PMs foram exonerados por desvios de condutas. >
"A PM tem um protocolo de abordagens e o que o policial fez foi totalmente o contrário. Não é essa a polícia que queremos. Foi uma atitude equivocada. Ele foi afastado por 30 dias e foi instaurado um processo administrativo e militar", declarou após o encontro coronel Brandão.>
Após lamentar o ocorrido para a imprensa, o comandante geral da PM classificou a situação como um fato isolado. Dias depois da justificativa, no entanto, um outro vídeo mostrando a agressão de um PM a um homem no Pelourinho passou a cirucular nas redes sociais Na imagem, dois PMs abordam um homem negro de camisa vermelha, bermuda e mochila amarela. A imagem inicia com o homem agachado rente a um muro, ocasião em que leva um chute no rosto vindo de um dos PMs. >
O CORREIO questionou a PM específicamente sobre a situação de todos os policiais envolvidos nos últimos casos de truculência e não teve retorno até o fechamento desta reportagem. "As solicitações foram encaminhadas para a Corregedoria da Polícia Militar, assim que possível retornaremos com as respostas", disse a PM. Confirmação sobre o números de PMs presos no caso da Liberdade ou acerca do uso educativo dos flagras nas corporações, prometido pelo Comandate Geral, também ficaram sem resposta e aguardam o retorno da Corregedoria.>
*Com orientação do chefe de reportagem Jorge Gauthier >