'Nunca vou esquecer o que vi e ouvi', diz vizinho de prédio que desabou em Fortaleza

Cabeleireiro conta como sobreviveu ao desabamento que bateu à porta do salão

Publicado em 18 de outubro de 2019 às 09:29

- Atualizado há um ano

. Crédito: .

No Instagram de Marcello Rodrigues, 42, a fotografia de um laço preto ilustra um aviso sobre a vida que teve de dar um tempo. "Por motivo da tragédia ocorrida no edifício ao lado do Salão, a Defesa Civil evacuou a área e com isso o MR Retrô não irá funcionar até segunda ordem. Oremos pelas vítimas! Atenciosamente, Marcello Rodrigues e Diego Albuquerque.

E não tinha como ser diferente. O Salão de Beleza, localizado na esquina da travessa Hilnete com a rua Tibúrcio Cavalcante, só não foi engolido pelo desabamento do edifício Andréa porque a queda do prédio de sete andares pendeu para o asfalto em uma linha quase reta.

"Na porta da nossa casa tem um QG dos Bombeiros e do IML (Pefoce). Aí, você imagina o que tivemos que ouvir. Estou do lado dos escombros, foram duas noites em claro porque os apitos, os aplausos e as lágrimas não nos deixavam dormir", ressente o cabeleireiro Marcello Rodrigues.

As cenas do momento do desabamento e do que foi acontecendo na manhã do dia 15/10 e depois, conta o rapaz, ainda não deram trégua. "Estamos vivendo uma coisa que jamais imaginei na vida. Um misto de felicidade por estar vivo, derrota por não poder ter feito nada, angústia ao ver pessoas sendo retiradas mortas dos escombros e tristeza pelas famílias que esperam por notícias", pontua.

Por motivo indizível da história de cada um, Marcello Rodrigues era a única pessoa no Salão na hora do tombo inimaginável do Andréa. Apenas ele, os cachorros Bartolomeu e Romeo e o gato Inácio. Diego Albuquerque, seu companheiro, havia saído para fazer pagamentos. "E isso é uma das coisas que mais agradeço a Deus".

Desorientado, por causa da poeira que se fez e dos gritos por socorro de outras vítimas, o cabeleireiro até chegou a ligar para o marido e avisou do prédio que acabara de cair. "Juro que nem lembro de ter ligado, mas confesso que o melhor momento daquela manhã foi quando olhei nos olhos do Diego e disse: amor, tira a gente daqui. E ele respondeu: tiro", recorda Marcello.

Antes dali, o cabeleireiro percorreu o "cenário de guerra". Aturdido, encontrou duas senhoras em estado de choque e perdidas nos destroços. Foi para o "olho do furacão" e ajudou um senhor que sangrava e não sabia para onde ir. "Entrei no salão para buscar umas coisas e vi como o abandonei. Luzes acesas, tesoura e pente no chão, café na xícara do cliente. Sim, é isso que você faz quando você percebe que o mundo está acabando, você corre", relembra.

Traumatizado, Marcello decidiu viajar para "sair do inferno". E me diz que está bem. "Talvez diga para poder acreditar nisso". De resto, a única "lembrança boa" foi testemunhar a disposição de homens e mulheres (bombeiros) trabalhando no resgate. "Deveriam ser venerados. Nunca vi tanta vontade de trazer alguém de volta daquela montanha de tristeza", refaz.

Retorno No primeiro momento, o cabeleireiro Marcello Rodrigues achava que reabriria o salão em quatro dias. Depois, viu que não tinha condição emocional nem a rua voltaria à rotina.