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Tailane Muniz
Publicado em 18 de janeiro de 2019 às 05:00
- Atualizado há 2 anos
Era nítido o esforço que o pedreiro João dos Santos Cortes, 47 anos, fazia para não chorar. A voz embargada e o olhar perdido refletiam, porém, o que palavras e lágrimas nem sempre traduzem: a imensurável dor de perder um filho. >
O sentimento de desolação é conhecido por João desde a manhã desta quinta-feira (17), quando soube que o corpo da filha de 10 anos, desaparecida desde a segunda-feira (14), havia sido encontrado por vizinhos a 100 metros da casa da família, em Alto de Coutos, no Subúrbio Ferroviário de Salvador. >
Maria Elaine Sobral Cortes era a filha do meio do pedreiro, que tem outras duas crianças, de 2 e 12 anos. A garota foi assassinada e jogada nos fundos de um prédio - em local de difícil acesso [veja vídeo abaixo] -, com a blusa suspensa e o short na altura da virilha.>
Na segunda-feira (14), Elaine estava sozinha em casa quando decidiu sair para comprar pipoca a poucos metros da sua residência, na Travessa 15 de Novembro, onde nasceu e foi criada. Criança foi encontrada em terreno a 100 metros de casa (Foto: Reprodução) Alguns indícios dão conta de que a menina não pretendia demorar: deixou a TV da sala ligada em um canal de desenho, a porta aberta, e sequer calçou os seus chinelinhos preferidos da Hello Kitty. Trancou apenas o cadeado do portão, por volta de 15h - horário estimado por parentes.>
O plano de retorno foi tirado dela. Assim como o direito de crescer, estudar e ir à praia, o último programa que fez com a família. Alguém que conhecia a rotina dos Cortes é o responsável pela barbárie cometida à garota, acredita o pai. O pedreiro acha que a menina foi estuprada."Queria saber onde está o coração dessa pessoa, será que ele deita e dorme? É alguém aqui do bairro, é daqui da rua. É alguém muito próximo a mim. Eu acho que cometeram um estupro e deixaram ela lá, por ser alguém conhecido da nossa família", disse o pai da vítima ao CORREIO.>
'Tudo planejado' Até aqui, o que se sabe sobre o crime foi construído pouco a pouco, com pequenas informações de vizinhos. A família recebeu de uma moradora a informação de que Elaine foi vista na mercearia da rua que, por causa do horário, não encontrou aberta. >
A suspeita do pai de que ela havia saído para "comprar um doce" ganhou força a partir daí. Considerando os lugares onde Maria foi vista por vizinhos, contudo, fica ainda mais forte a possibilidade levantada pelo pedreiro João: quem levou Elaine, de fato, conhecia bem a família.>
A extensão total da rua tem pouco mais de 200 metros, e alguns garantem ter visto a vítima no limite entre uma ponta e outra da travessa - que tem uma vista privilegiada do mar do Subúrbio.>
Não há relatos de que, em algum momento, a garota estivesse acompanhada de um estranho. Tudo leva a família da jovem a crer, como afirma o pai, que o crime foi planejado."Não tem como não pensar isso. Ela saía de casa para a escola, da escola para a igreja, da igreja para casa. Ou até a casa de Paulo [amigo da família e 'tio' da menina], ficava lá, sempre entre a família. Quem pegou, sabia que ela ficava sozinha".O geógrafo Paulo Luz, 49, o 'tio Paulo', que mora na mesma esquina em que a família do pedreiro João - e é casado com a irmã da mãe biológica da vítima, morta há dois anos -, contou à reportagem que quando soube que um corpo havia sido encontrado, correu até o local. Lembrou que, de longe, reconheceu a sobrinha só de olhar. Pai acredita que criança foi estuprada por "alguém próximo" (Foto: Almiro Lopes/CORREIO) "É muito triste, porque desde o sumiço acreditamos que ela estava viva. Não consigo entender, ela certamente foi levada até ali, mas não dá pra entender se ela foi morta lá, é tudo muito estranho", comentou, ao dizer que a menina era uma "criança esperta e tranquila". A dificuldade de chegar a uma conclusão de como Elaine foi parar em um vão localizado nos fundos de uma casa, argumenta a família, se dá por dois motivos: o primeiro é o fato do local ser cercado de outras casas, onde moram vizinhos que ajudaram a procurar a criança pelos três dias em que ficou desaparecida. >
De acordo com pai, por ser uma "criança forte", Maria pode ter sido carregada até lá por mais de uma pessoa, já desacordada, o que teria chamado a atenção de testemunhas. À reportagem, moradores disseram que não viram ou ouviram nada estranho no local.>
O CORREIO esteve no lugar onde o corpo de Elaine foi encontrado na quinta-feira (17). Para chegar, a equipe contou com a ajuda da balconista Marta Rúbia Santos, 39, quem encontrou o cadáver da criança, e permitiu o acesso por sua casa. >
O terreno, um pequeno espaço localizado na parte inferior de uma das casas, em uma ribanceira cercada de mato, é uma área comum aos fundos de todas as casas do lado direito da rua."Não entendo como trouxeram ela pra cá. Eu tinha tanta esperança, toda a comunidade, de encontrar ela viva. Foi horrível. Eu achei que era um rato morto, comecei a procurar, quando olhei direito, vi uma perna humana", relatou Mara, acrescentando que o '"cheiro muito forte" começou a ser observado na terça-feira (15). Nesta quinta, a balconista precisou queimar palha para espantar o odor. Logo que o corpo foi encontrado, os moradores entraram em contato com o Departamento de Polícia Técnica (DPT). Os peritos precisaram quebrar parte do vão em que estava a garota, já que o corpo inchou e já não pôde ser retirado pelo mesmo espaço em que foi colocado.>
O Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), responsável pela investigação do caso, ainda não tem informações da autoria e motivação do crime. O pai da criança comentou com a reportagem que vai prestar depoimento na próxima segunda-feira (21). Corpo foi achado embaixo de vão de uma casa na rua em que família mora (Foto: Almiro Lopes/CORREIO) Mais um funeral Sentado sobre a escada de casa, cercado de vizinhos e amigos, João disse que a família vive mais um "episódio de horror". Há cerca de dois anos ele enterrou a sua esposa à epoca, Maria Quitéria Sobral, mãe de Maria Elaine e dos outros dois filhos.>
Quitéria, que era dona de casa, morreu aos 45 anos, em decorrência de problemas cardíacos, além de diabetes e hipertensão. Desde então, o pedreiro criava as três crianças na casa de dois andares, parcialmente rebocada, no bairro de Coutos. >
Além do sofrimento pela morte da esposa, João precisou lidar com o fato de que a filha recém nascida havia sido diagnosticada com uma espécie de cisto no cérebro. >
Com a ajuda de famíliares, criava os filhos, trabalhava, e dava toda atenção às crias, garantiu o presidente da Associação dos Moradores 31 de Dezembro, vizinho e amigo da família, Domingos da Silva Filho, 53. "Desde que Maria morreu, ele se dedicou totalmente aos meninos. Sempre foi um pai amoroso, cuidadoso com todos. Ele é um homem bom, que sofreu muito nesses dias de busca pela menina. Elaine era muito bem cuidada, a gente fica se perguntando o porquê", afirmou à reportagem, em prantos. Emocionado, Domingos disse que não consegue entender como alguém que possivelmente conhecia a família da vítima "pôde cometer um crime tão cruel".>
O último dia Ao CORREIO, João contou que a filha costumava ficar sozinha em casa sempre que a madrasta saía para acompanhar a irmã de 2 anos até o Hospital do Subúrbio, onde está internada desde dezembro.>
Já o filho de 12 anos habitualmente era levado pelo pedreiro para o trabalho.>
"Na segunda-feira, saímos de casa mais ou menos às 6h. Deixei minha mulher no hospital e segui pro trabalho com meu filho. Sempre falava pra ela não abrir a porta pra ninguém. A chave, deixava à disposição dela, porque não podia trancar. O pesadelo começou quando chegamos, às 18h, e eu vi o cadeado fechado", recordou.>
Quando subiu, notou que a porta da casa, porém, estava aberta, a TV ligada e o chinelo de Elaine. Pensou, a princípio, que estivesse na casa de 'tio Paulo', mas não."Quando vi que ela não estava lá e em lugar nenhum, comecei a movimentar todo mundo. A comunidade inteira me ajudou, nos unimos e procuramos em tudo, mas não encontramos mais. Eu sempre acreditei que ela estivesse viva, até o último momento", lamentou o pai da vítima, que disse que quer justiça.Abalada, a madrasta da criança, a dona de casa Josenildes Brasilino, 37, falou que foi "bem recebida" por Elaine, com quem convivia há pelo menos sete meses, desde que foi morar com João.>
"Graças a Deus, ela gostava de mim e eu dela. Onde eu ia, ela queria ir. Me chamava de mãe, e eu tratava como filha. Assim como eu trato os outros dois filhos dele. Eu passava mais tempo no hospital, com a menorzinha, por causa do problema na cabeça, mas eu e Elaine nos gostávamos muito".>
Mãe de um jovem de 18 anos, a madrasta da menina comentou que "sofre a dor do marido"."Não deve ter nada pior na vida. Ela era só uma menina, que nunca fez mal a ninguém, que tinha uma vida pela frente, era uma menina feliz", descreveu.De férias, Maria Elaine estava ansiosa para iniciar o ano letivo, onde cursaria o 5° ano do ensino fundamental. Em vários momentos, o pedreiro comentou, com orgulho, o fato da filha ter passado de ano.>
Assim como a família, a criança era evangélica. Gostava de ir à praia, mas também se divertia em casa assistindo TV e ouvindo louvores evangélicos. No dia em que sumiu, segundo uma vizinha, passou parte da manhã cantando músicas religiosas.>
Para o pai, a inocência de Elaine a atraiu para a morte. Após três dias e noites sem comer e dormir, João Cortes aposta que dias "ainda mais difíceis virão". >
O primeiro deles chegou: hoje, quando vai até o Instituto Médico Legal Nina Rodrigues (IMLNR) reconhecer o corpo de sua menina, a quem pretende enterrar no Cemitério Municipal de Plataforma, às 14h, para que "descanse perto da mãe". >