O ato final de um bufão

Linha Fina Lorem ipsum dolor sit amet consectetur adipisicing elit. Dolorum ipsa voluptatum enim voluptatem dignissimos.

  • Foto do(a) author(a) Paulo Sales
  • Paulo Sales

Publicado em 9 de novembro de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: .

No artigo da semana passada, usei a expressão “nódoa” para designar a ruptura civilizatória provocada por atentados como o ocorrido em Nice. Só a muito custo as impurezas são extirpadas quando o tecido da civilização se vê manchado de sangue. Guardadas as proporções, a mesma expressão poderia denominar a patética, desesperada e, acima de tudo, perigosa investida do presidente norte-americano Donald Trump contra as sólidas instituições do país. Suas diatribes empesteadas de mentiras provocam uma nódoa no tecido da democracia.

Embora seja impossível cravar, no momento em que escrevo, a vitória do candidato democrata Joe Biden, parece claro que o fanfarrão cor de laranja sairá do pleito derrotado. E vai sair atirando para todos os lados, podendo causar uma grave crise institucional e revoltas nas ruas. É o epílogo melancólico de um tipo desprezível, responsável por corroer um processo eleitoral que, a despeito de todas as suas deficiências e contradições, sempre se deu sem percalços. Claro, eram outros tempos.

Vi por estes dias os discursos dos candidatos republicanos George Bush e John McCain quando perderam as eleições para, respectivamente, Bill Clinton e Barack Obama. São de uma elegância invejável. O discurso de McCain – um bravo veterano de guerra e sujeito honrado, morto de câncer há dois anos – possui inclusive a grandeza de reconhecer a importância histórica da vitória do primeiro presidente negro dos Estados Unidos. Isso é democracia – a pior forma de governo, com exceção de todas as outras, nas sábias palavras de Winston Churchill.

Donald Trump é um acidente, uma fratura no processo democrático norte-americano. Mas sua ascensão e chegada ao poder devem servir de lição. A democracia é frágil, e sua vulnerabilidade decorre do próprio conceito de alternância do poder. Não se trata de uma novidade: de tempos em tempos diferentes povos colocam no poder o seu algoz. Hitler, vale lembrar, foi eleito democraticamente pelo povo alemão em 1933. Deu no que deu.

Corto para o Brasil. Vi recentemente uma foto de 2008, em que José Serra, então governador de São Paulo, aparece aplicando uma vacina da gripe em Lula, então presidente. Ambos estão sorrindo, num clima de genuína descontração. Ambos se enfrentaram numa disputa ferrenha anos antes. Mas estamos falando aqui de homens públicos relevantes, com uma longa história de bons serviços prestados ao país, por mais que se possa fazer reparos à trajetória de ambos. A foto provoca em mim uma pontinha de saudade e lamento.

Entre 1994 e 2014, os anos PSDB-PT, vivemos uma época sem igual de prosperidade econômica e social e de estabilidade política. Uma época de embates duros, mas que se desenrolavam no campo das ideias e de diferentes projetos para o país. Hoje, essa época é apenas uma fotografia na parede. Mas como dói, diria Drummond. À vitória de Trump, em 2016, se seguiu a eleição de Jair Bolsonaro dois anos depois. E então mergulhamos no caos. Um tempo melancólico, doloroso e sombrio, de bravatas e mentiras, semelhante ao que os norte-americanos ainda vivem por lá. Mas que – para sorte deles – parece enfim encerrado.