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Nelson Cadena
Publicado em 30 de novembro de 2018 às 05:00
- Atualizado há um ano
Não se sabe quando começou. Já li e ouvi versões fantasiosas, tantas quanto às da origem da Festa de Santa Bárbara que tudo leva a crer seja da segunda metade do século XIX. Fazem de tudo para enquadrá-la como originária da fundação do morgado e da primitiva capela em louvor à santa no distante ano de 1641. Na Bahia, inventamos datas quando não temos documentação, ou referências concretas, e nesse caso partimos do raciocínio simplista de que se existia uma capela existia uma festa. Perdoai-nos Santa Bárbara pela ignorância, sabemos que não saber também é pecado.
Se não sabemos quando de fato começou a ser realizada a festa, muito menos podemos afirmar uma data para a tradição do caruru servido no dia 4 de dezembro. É tradição que se remonta ao século XIX? Não acredito. Manoel Querino, que escreveu um clássico sobre nossa culinária e em vários escritos abordou aspectos de nossas festas populares, nada diz a respeito. Outros autores nonacentistas, como Nina Rodrigues, em seus estudos antropológicos sobre o negro, e Melo Moraes Filho nos seus relatos sobre tradições de festas, não apontaram qualquer pista sobre o assunto. Tudo indica que tenha sido incorporado à festa no século XX.
Importa que a tradição do caruru na festa de Santa Bárbara, seja qual for a sua origem, é seguramente o mais forte elemento ritual incorporado ao evento, muito mais do que o figurino vermelho e branco que é recente e estimulado pelo poder público a partir de 1986 quando a Emtursa assumiu a organização e fixou como templo de referência a Igreja do Rosário dos Pretos. Antes, o culto ocorria nas Igrejas da Ordem Terceira do Carmo ou na do Passo e, no final do século XIX e início do século XX, na do Corpo Santo. Fotos anteriores à década de 1980 nos revelam uma diversidade de cores e muito branco e não um figurino padrão.
Faz sentido que a tradição do caruru tenha se fortalecido na Festa de Santa Bárbara e não em outras congêneres. Era uma festa dos mercados, dos peixeiros, assim se referia depreciativamente a imprensa baiana, organizada pelos próprios barraqueiros sem interferências de irmandades, ou de outras corporações. No mercado havia fartura de quiabo, camarão, castanha, cebola, amendoim, feijão, gengibre, dendê... E foi essa fartura e a contribuição inicialmente dos mercadores e, posteriormente, do poder público que tornaram o caruru grandioso no contexto.
A pesquisadora Edilece Souza Couto escreveu certa feita que na Bahia contar os quiabos era uma maneira de medir a importância da festa e a intensidade da fé no santo. Feliz observação. Foi essa medida que tornou possível a realização de caruru de até 70 mil quiabos. Serviam mais de 10 mil pessoas, hoje uma tradição que se mantém a duras penas, em proporções mínimas, pela costumeira falta de recursos e até de espaço. Lembrando que na década de 80 o caruru chegou a ser servido no calçadão entre o Taboão e a Baixa dos Sapateiros, para atender a grande demanda.
Ao longo de sua história, o tradicional caruru de Iansã revelou grandes quituteiras como Maria Tertuliana da Silva, que preparava o prato por encomenda do comerciante Antônio Franco, da Loja Mattos, para servir ao povo, Tia Balduina, Marcolina, Tia Massi, Maria Pequena, Conceição do Peixe, Dona Toninha e Dona Carmelia no tempo em que a organização da festa esteve sob o encargo do espanhol Leopoldo Martinez assessorado por Oscar Ornelas da barraca do Ornelas, imortalizada no samba de Tião Motorista. O caruru de Santa Bárbara passou a ser servido também no Quartel dos Bombeiros, a partir da década de 1950, quando Izidro Monteiro, orador da festa por mais de 25 anos, incluiu o espaço no roteiro da procissão.