O consumismo tá caindo de moda, felizmente

Por Flavia Azevedo

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Publicado em 31 de maio de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Vamos falar sobre um comportamento ultrapassado do qual muitas pessoas já sentem vergonha. Sim, o consumismo tá caindo de moda, felizmente. A consultora de estilo Ana Fernanda, por exemplo, nos convida a rever nossa relação com o verbo vestir. Mudar hábitos, pensar em soluções. Entre estas, o "armário compartilhado" que ela acaba de inaugurar, em Salvador. Ana Fernanda (foto: Marcos Socco) F - Qual a sua formação e o que você faz hoje? A- Eu sou jornalista de formação e amo o rolê social, mas tinha lá dentro uma vontade de trabalhar com moda que eu super sufocava, porque né - eu acreditava que moda era coisa de gente fútil e burra. Mas aí virei mãe e aí sei lá, toquei o foda-se, sabe? Acho que fiquei mais corajosa, quero que meu filho tenha coragem de realizar o que deseja e achei que eu tinha que dar o exemplo. Comecei um caminho meio autodidata na moda, virei consultora de estilo... mas o lance social ainda tava forte. Porque moda, se vacilar, vira uma onda 100% consumo, exploração, é uma industria escrotíssima. Comecei a me aproximar de pessoas que lidavam com a moda por outro ângulo, primeiro pela Internet. Conheci assim o Roupa Livre, de Florianópolis, e virei representante Fashion Revolution em Salvador. Fui achando minha turma e nos organizamos em um coletivo, o Justa Moda. Hoje, eu sou consultora de estilo, o que quer dizer que eu atendo mulheres que estão promovendo, por qualquer motivo, uma mudança na forma de se vestir / se apresentar no mundo e querem ajuda com isso. O meu foco é redução de consumo, então eu faço isso apenas com o que a pessoa tem no próprio armário - e se precisar comprar, fazemos uma lista, tipo lista de compras de mercado, saca? 

F - Quais foram as suas primeiras reflexões sobre moda e com quais motivações? A - Acho que as primeiras reflexões tiveram relação com moda como identidade, sabe? Uma forma de expressar quem a gente é, sem repetir tendência. Sempre achei isso muito legal, a forma como a minha roupa conta sobre quem eu sou, mesmo que eu não esteja "na moda".F - O que pensa sobre o "mundo fashion" comercial, como colocado hoje nos grandes eventos, passarelas, shoppings... A - O "mundo fashion" é divertido, eu acho. E bonito, também. Mas é um reducionismo do que o fenômeno moda é. Esse fenômeno cultural, que expressa o espírito de um tempo, isso não cabe em uma vitrine. Ele passa pela vitrine, mas vai além, é comportamento também.F - Você acha que a contemporaneidade propõe um novo conceito de elegância mais ligado a uma atitude menos consumista e superficial? A - Há pesquisas de tendências que apontam que sim, viu? Há quem fale hoje em lowsumerism no lugar de consumismo. Eu diria que é uma tendência, comercial inclusive: o crescimento dos brechós, o surgimento de negócios baseados em compartilhamento... se a gente segue o fluxo do dinheiro, vê que tem atenção direcionada a essa nova elegância, digamos assim. Porque ninguém aguenta mais.F - Como é esse conceito? A - Tem algumas correntes, me parece. O pessoal do slow fashion, que consome design mais autoral de pequena marcas; a galera dos brechós / segunda mão / troca; o pessoal que compra de marcas grandes, desde que estejam comprometidas com a sustentabilidade. Em comum, tem um pensamento de comprar movido por uma ética, o que me preocupa muito, aliás. Não existe essa de "comprar direito". O consumo criou muitos dos nossos problemas, não é o consumo que vai nos tirar deles.F - Como você acha que as grifes e o mercado da moda respondem a esse movimento? Eles já estão sendo alcançados por isso? A - Estão sendo alcançados... de algum modo quase todas estão respondendo. Seja na forma de greenwashing, a "lavagem verde", que é quando se apropria do discurso sustentável para vender mais, até marcas que estão fazendo uma parada séria, investindo em tecnologia e design, buscando uma coerência, enfim. Porque sustentabilidade é ecologia, mas é tb respeito ao trabalhador, é justiça econômica e é respeito à diversidade cultural.F - O que é o "armário compartilhado"? A - Um sonho! É um serviço que a gente já conhece. Aluguel de roupas é clássico, né? Então, é um serviço de aluguel de roupas, roupas casuais, no caso, não é aquele rolê de roupa de festão. Mas o que eu acho mais legal é a ideia de que o acervo dele não é próprio, é formado pelo excedente dos guarda roupas das clientes (sim, apenas para mulheres). Porque TODO MUNDO TEM peça no armário sem uso - ou com pouco uso. Às vezes a gente não quer se desfazer dessas peças (e eu tenho uma certa treta pessoal com esse negócio de "doar roupa para os pobres"), porque tem apego, porque gosta, mas usa pouco. E é esse excedente que vai ser compartilhado.F - Como funciona, na prática? A - A cliente seleciona as peças que quer compartilhar e leva na sede, que fica na loja Guapa (Shopping Rio Vermelho, Rua Odilon Santos, n. 205, Rio Vermelho). Essa peça vai ser cadastrada e continua a ser dela, mas vai ficar à disposição para empréstimo para outras mulheres. Daí ela escolhe o plano que quer pagar - o mais barato é R$ 25, o mais caro, R$ 100 e tá feita a mágica.F - De onde surgiu a ideia? A - Eu vi, há uns anos, uma matéria na Internet sobre a Lena, que foi o primeiro serviço desse tipo. Achei uma coisa tipo GÊNIO e fui acompanhando a tendência. Chegou ao Brasil primeiro em São Paulo, fui lá visitar - chama Roupateca. Aqui em Salvador já temos serviços semelhantes, a Outside é um armário compartilhado de roupas casuais que temos aqui na cidade, com a diferença (que pra mim é fundamental) de que as roupas lá são novas e eu não abro mão, pelo menos por enquanto, da ideia de um acervo que seja coletivo. O que me importa na história é a ideia de fazer circular o excedente.