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Da Redação
Publicado em 5 de julho de 2021 às 15:32
- Atualizado há 2 anos
No sábado retrasado conheci, em carne e osso, Ademar Ferreira da Silva. Uma tremenda coincidência, considerando que estamos às vésperas da Olimpíada de Tóquio. Com dores insuportáveis no pé direito, fui levado pelo cunhado Diogo para a UPA do Marback, socorro mais próximo da casa de minha sogra Petinha, no Stiep, onde confraternizávamos em família até o pé perder o rumo.>
Pois bem, com identidade em mãos, aguardava pela regulação na recepção da UPA quando as caixas de som anunciaram que o senhor Ademar Ferreira da Silva deveria se dirigir a sala de triagem. Paralisei. Como assim Ademar Ferreira da Silva? Seria um parente próximo, um filho, um neto? Mas onde foram parar o Neto, o Filho, o Júnior em caso de DNA olímpico positivo?>
A dor no pé deu uma trégua. Agora eu tinha uma missão a cumprir como nos velhos tempos de repórter: descobrir quem era aquele senhor simpático, de caminhar lento, cabelo grisalho e pele negra a semelhança do nosso herói nacional. Um dos maiores, diga-se de passagem.>
Cumprido o protocolo de atendimento, aliás algo exemplar em se tratando de sistema público de saúde, entrei no corredor onde vários pacientes esperavam sua vez de atendimento clínico, entre eles o senhor Ademar Ferreira da Silva. Ao lado de sua companheira nosso personagem aguardava sentado, quieto e pacientemente, no último banco do corredor, mais precisamente entre a sala do médico e a enfermaria, bem em frente ao raio x, não por acaso meus três destinos, não exatamente nessa ordem.>
Caminhando devagar para não piorar a situação do pé, a esta altura bastante inchado, fui sentando sorrateiramente ao lado do senhor Ademar e, tão logo nossos olhares se cruzaram, aproveitei a deixa e falei: bom dia, o senhor é ou foi esportista? Não sei porque optei por esta via. Talvez eu tivesse apenas criando uma situação para ouvir a resposta que eu, conscientemente ou não, adoraria ouvir. De qualquer maneira foi um jeito de engatar uma breve e curiosa conversa:>
“Não. Sempre fui motorista de ônibus. Até me aposentar...”>
Seu Ademar o senhor tem nome e sobrenome do primeiro brasileiro bi-campeão olímpico. É coincidência? É seu parente? Ou uma homenagem? Emendei de supetão.>
“Na verdade, eu não sei. Mas toda vez que eu ia procurar emprego em alguma garagem vinha um monte de gente do escritório ver quem era o Ademar Ferreira da Silva...”>
E o senhor ao menos sabe que foi ele?>
“Foi um esportista. Acho que bem mais velho que eu. Mas não tenho muito conhecimento não. Ainda é vivo?”>
Saquei do celular, dei um google para não passar informação incorreta e, num passe de mágica, surgiram na telinha várias fotos de Adhemar Ferreira da Silva, medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Helsinque, em 1952, e Melbourne, em 1956. >
Fazendo cálculos rápidos e sem muito fundamento perguntei em que ano o seu Ademar nasceu e para surpresa de ambos ele respondeu:>
“Janeiro de 1956...”>
Mas este foi o ano do bi campeonato olímpico. Adhemar já era ídolo nacional. Quando o senhor nasceu ele estava se preparando para a conquista do bi. Será que seus pais não aproveitaram a coincidência do sobrenome para homenagear o maior e mais famoso esportista brasileiro até aquela data? Pelé só surgiu para o mundo dois anos depois, em 1958.>
“Agora o senhor me pegou. Quem sabe não foi mesmo uma homenagem. Nunca vou saber. Mas que é muita coincidência, isso é...”>
Missão cumprida, decidi que seu Ademar deveria saber um pouco mais sobre o famoso xará Adhemar. Olha amigo, ele nasceu em 29 de setembro de 1927, em São Paulo. E faleceu em 12 de janeiro de 2001, também em São Paulo, aos 73 anos...>
Nesse instante uma jovem na porta da enfermaria indica que era chegada a hora de ministrar a medicação do seu Ademar. Nem deu tempos de nos despedirmos, fui encaminhado ao médico e, na sequência, ao raio x. Confirmada a fascite plantar, acabei, por outra coincidência, sendo medicado ao lado de seu Ademar. Ambos no soro e com enjoos e náuseas próprias da ocasião. Estávamos fora de combate.>
Como meu caso era menos grave, terminei primeiro. Me despedi do seu Ademar com uma singela lembrança: amigo não esqueça que daqui a alguns dias teremos mais uma olimpíada e certamente seu xará será lembrado mais uma vez. Ele faz parte da história do esporte nacional e dos Jogos Olímpicos. Até mais, cuide-se...>
“Obrigado amigo. Vou procurar saber um pouco mais sobre o meu xará. Vai com Deus...”>
Amém>
Oscar Paris é jornalista.>