O estranho mundo acadêmico

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  • D
  • Da Redação

Publicado em 3 de março de 2022 às 14:07

- Atualizado há um ano

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Não sei se o mesmo ocorre em outras áreas. Não sei se todos vivem as mesmas dificuldades. Mas, nos últimos anos, os artigos que submeto a revistas acadêmicas têm  recebido avaliações cada vez mais esdrúxulas. 

Tempos atrás, submeti um texto. Na avaliação dos pareceristas, um trecho inevitavelmente precisava ser reescrito. “A redação está ‘trucada’”. Indicaram inclusive os diversos aspectos que deveriam ser abordados. Li, reli e fiquei confusa. Para mim, tudo o que foi solicitado já estava no texto. Buscando não ser desobediente, mexi em alguns pronomes.

A nova avaliação ficou satisfeita com a “reescrita”, mas indicou que a publicação estava condicionada a uma criteriosa revisão ortográfica e gramatical. Indicou apenas um dos meus erros: a expressão redundante “há 12 anos atrás”. Li, reli, mas não encontrei os outros. Pedi ajuda a doutores em Letras. Leram e me sugeriram grafar História Oral com maiúscula. Nova submissão e o texto foi aceito. Um processo que se arrastou por um ano e três meses, com trocas de mensagens pomposas.

Mais recentemente submeti um novo artigo a outra revista. Recebi com rapidez a decisão editorial: rejeitado. O/a parecerista mais eloquente fez uma longa reflexão, avaliando que o texto está centrado em um tema “muito limitado”, com afirmações equivocadas, “sem maiores questionamentos críticos”. Tudo normal, não fosse o fato de que o meu artigo não trata do tema citado no parecer. E também não afirmo o que ele diz que afirmo. Submeti então o mesmíssimo artigo a outra revista (melhor avaliada que a anterior). A decisão editorial foi publicar: “excelente texto”, “bibliografia adequada”, “bons caminhos de interpretação”. 

Será que temos critérios? Que critérios são esses? Sabemos o que estamos fazendo? Será que ser cientista, que “pensar criticamente” é estar sempre pronto para dizer que o trabalho do outro não presta? 

Nesse final de semana, sou eu quem irei ler e emitir parecer sobre um artigo. Espero conseguir fazer uma leitura atenta. Espero não me deixar levar pela má vontade com algum autor ou afirmação que encontrar. Espero conseguir analisar o texto a partir do que ele promete e cumpre e não dos meus desejos e interesses. Espero resistir aos misteriosos prazeres de execrar trabalhos alheios para exibir a minha erudição. Espero.

Agnes Mariano é jornalista e professora da Universidade Federal de Ouro Preto

Texto originalmente publicado no Facebook