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Gabriel Galo
Publicado em 23 de novembro de 2020 às 14:37
- Atualizado há um ano
Desde a volta do futebol em plena pandemia, estava claro que a decisão era um risco à saúde todos os envolvidos. Mas voltou no famigerado novo normal. Vemos arquibancadas vazias, o isolamento social nacional nunca realmente aconteceu, e de tanto empurrar o problema com a barriga, como se o fingimento por não existir o fizesse desistir de ser um problema, está aí o retorno de quem nunca foi embora. O futebol vive uma segunda onda, talvez mais forte que a primeira, de contaminações pela Covid-19.
Vasco, Palmeiras, Flamengo, Atlético-MG e muitos outros veem seus elencos limitados. Porque, de acordo com a moralidade torta e com atração incontrolável pela morte, a economia tem que continuar, os bares têm que abrir, a vida continua, saia na rua, encare, arrisque sua vida, que covardia é essa? Ah, como é fácil brincar e ser herói com a vida alheia, não?
Houve um tempo em que a ausência de imagens ao grande público fazia o futebol ser terreno fértil para a romantização do futebol. Imagine um tempo em que não se pudesse assistir a Garrincha, exceto ao vivo no estádio, mas se apaixonar pelos seus dribles e peraltices pelas ondas do rádio. A licença poética era ferramenta necessária para incitar a viagem do povo ao mundo encantado do futebol.
Só que hoje o que não falta é imagem. Podem pintar a realidade fantástica que seja, negar a verdade é tarefa árdua com tanta prova à disposição. Ainda assim, insistem. Lançam mão de argumentos nocivos de autoridade, exalando uma autoevidência sem sentido. E se distanciam absurdamente da maneira de se falar de futebol que nos arrebatou como apaixonados.
Se antes a mentira estava mais para exagero, para a construção de mitologia do futebol como algo extraordinário – porque é –, a premissa de agora é a de inverter a realidade, a de subverter a lógica, a de negar o óbvio para confundir. Se antes se embarcava em literatura, a arte agora é a da manipulação. Não é que estejamos sendo feitos de idiotas. Os donos do poder têm absoluta certeza de que somos.
Enquanto isso, o discurso estúpido daqueles que antes acreditavam que o protocolo era a salvação da vida e da economia – como apontei aqui mesmo nessas páginas, se baseiam numa crença de que os outros, se contaminados, fazem errado, enquanto nós, o alecrim dourado da pureza e do cumprimento do protocolo, não cede à tentação de deixar de usar o álcool gel só daquela vez, porque ninguém tá vendo – é o de pedir anulação, paralisem o campeonato, stop the count, estou doente, meu mundo caiu.
Com isso, entram em campo equipes desfiguradas. As narrações e reportagens se debandam a expor veja-bens para contextualizar o péssimo espetáculo que se avizinha. Aparentemente, deixamos de acompanhar a pontuação de um campeonato equilibrado para avaliar o ranking nefasto de quem mais tem contaminados. Porque, é simples: se estamos numa pandemia, a conta chega, nem adianta fazer de conta.
E assim seguimos, testemunhando o desfile de péssimas intenções do futebol, que em vez de arte e humanidade, se torna cifras e frases feitas. Distribuem mentiras na fé de que torcer a favor é solução para os males que nos assolam. Mas diante de fatos, torcer contra não tem qualquer efeito. No que restam, apenas, os males e as mentiras deslavadas. Uma combinação do fim dos tempos.
Gabriel Galo é escritor