O incêndio do mercado

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  • Nelson Cadena

Publicado em 26 de julho de 2019 às 05:00

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Agosto, mês do desgosto. Na madrugada da sexta-feira, 1º de agosto de 1969, meio século transcorrido, os barraqueiros do velho Mercado Modelo, lágrimas nos olhos, contemplavam entristecidos as ruínas que se evidenciaram logo que a fumaça deixou patente o estrago causado pelo fogo, um saldo de 311 boxes em cinzas. Às 6 horas da manhã, os bombeiros puxavam água do mar para o resfriamento, enquanto os repórteres desciam o elevador e muitos curiosos, contidos pela polícia, testemunhavam o pesadelo. Barraqueiros em desespero, lembravam que não tinham seguro para a mercadoria.

O baiano Gervásio Baptista, que ficou conhecido como o fotógrafo dos presidentes da República, foi um dos primeiros ao chegar ao local, fotografou para a revista Manchete a operação de resfriamento da fachada. Dessa vez não ficou pedra sobre pedra, diferente dos incêndios ocorridos em 1917, 1922 e 1943, de modo que, no dia seguinte, o governo já preparava uma área no antigo Mercado Popular de Água de Meninos para instalar boxes provisórios, enquanto a perícia aguardava baixar a temperatura no interior do prédio e as autoridades decidiam o que fazer.

 O velho mercado foi inaugurado no dia de Iemanjá, 2 de fevereiro de 1912, um galpão modernoso, de mau  gosto. A opinião pública detestou o estilo fachada metálica com cobertura de zinco. Pressionou o governo que contratou os arquitetos Filinto Santoro e Portela Passos para uma reforma total, reconstruído em estilo eclético e inaugurado em 1915. Dois anos depois sofreu o primeiro incêndio, de pequena monta, sem maiores prejuízos para o coletivo. Na madrugada de 7 de janeiro de 1922, um novo sinistro destruiu boa parte da estrutura e os boxes do andar térreo. Na restauração, a fachada ganhou uma cor verde que o povo rejeitou.

 A bruxa continuou à solta e em 28 de fevereiro de 1943 outro incêndio comprometeu parte do imóvel. Foi preciso nova restauração e requalificação do mercado que deixou de ser apenas de abastecimento para oferecer aos visitantes artesanato e, mais tarde, o fogão de Maria de São Pedro, a famosa quituteira que serviu Jorge Amado, Dorival Caymmi, Carybé, Odorico Tavares, Mirabeau Sampaio, dentre outros, e que se mudou da Ladeira da Água Brusca para o velho mercado em 1949. A sua fama lhe valeu o convite de Getulio Vargas para preparar o banquete de posse e, também, dos Matarazzo para a festa dos 400 anos de São Paulo.

Em 1964, o Mercado Modelo diversificava mais ainda e passava a oferecer, além do artesanato e da boa comida, tapeçarias e cerâmica do Recôncavo. Quando a Rainha Elizabeth visitou o mercado, em novembro de 1968,  andou sobre tapetes de sisal que forravam o chão, enquanto uma chuva de pétalas de rosas caía sobre os convidados e Camafeu de Oxossi improvisava um solo de berimbau. Os barraqueiros presentearam a soberana com uma penca de balangandãs, 12 peças de prata, confeccionada pelo joalheiro Gerson.

Nove meses transcorridos da visita da rainha, o velho mercado desapareceu para sempre, consumido pelas chamas. Ildázio Tavares com Antônio Carlos e Jocafi evocaram a saudade dos baianos na música popularizada por Vanusa: “Queimou o Mercado Modelo/Mas não devia queimar/Onde vai morar o samba?/Onde é que eu vou morar? Auê!/Queimou o céu da Bahia/Queimou o meu violão/O meu mercado de cinzas/Vai renascer na canção!/ E hoje vai minha alegria/No balanço da saudade/Face noite em pleno dia/Morre um canto na cidade/Ôôôi, adeus menina do samba/Ai, adeus!/Adeus salgueiro da rampa/Ai, adeus”.