O jeitinho baiano

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  • Nelson Cadena

Publicado em 21 de abril de 2022 às 05:00

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Em inícios da década de 1920, o Brasil ainda sofria as consequências do desabastecimento provocado pela I Guerra Mundial em todas as frentes da economia. A importação de automóveis e insumos da indústria automobilística demorou a ser normalizada, levando alguns setores a recorrer ao jeitinho de improviso para atender certas demandas.  Um dos setores mais afetados foi o da saúde pública que, além de contar com um número de ambulâncias aquém das necessidades, não conseguia repor as peças na urgência requerida.

Salvador possuía cinco ambulâncias da marca Fiat, insuficientes para atender a demanda, a ponto de se usarem carros convencionais, sem os compartimentos adequados de leito, da própria repartição e até de diretores do então chamado Posto Central de Assistência Pública, em casos de remoção de pacientes de menor gravidade. E até carros alugados. A oficina da repartição chegou a ter quatro das cinco ambulâncias em reparos ao mesmo tempo, aguardando peças de reposição. Imaginem o comprometimento do serviço.

Apesar da inquestionável qualidade das ambulâncias da Fiat, elas quebravam com frequência pelo uso excessivo, sem tempo para a devida manutenção, agravado pela íngreme topografia de Salvador não compatível com as expectativas do fabricante, com suas ruas mal calçadas e acidentadas. As ambulâncias eram projetadas para outro tipo de terreno. Eram carros grandes, cumpridos, equipados com um catre-leito, portas de correr semelhante ao das Topics atuais e mais os itens de socorro.

Nesse quadro de dificuldades, o jeitinho baiano criou as condições para uma solução provisória, enquanto se normalizava a importação. Um experiente mecânico da repartição montou uma auto-ambulância, num impecável serviço de funilaria, adaptando um chassi Mercedes-Benz a um motor de outro fabricante. Foi uma solução que atendeu à situação emergencial e, de certo modo, driblou a exclusividade da marca. A Ford, desde 1919, já montava carros em São Paulo, mas sua produção era voltada para o consumidor comum, e carros fúnebres e ambulâncias não eram prioridade.   

Desde 1918, o governo fazia gestões, sem sucesso, com importadores desses veículos utilitários do Rio de Janeiro e São Paulo e, ao mesmo tempo, implementara gestões diplomáticas junto aos consulados da Itália e dos Estados Unidos, sem resultados. A situação foi se agravando a ponto de ter de recorrer ao jeitinho baiano aqui descrito.

Na década de 1930, o serviço de Assistência Pública de Saúde passou a adquirir exclusivamente ambulâncias da marca Ford. A Chevrolet, por sua vez, dominava o mercado de utilitários para carros funerários e caminhões, este segmento contava também com expressiva participação de mercado da Internacional, fornecedor da Companhia de Saneamento da Bahia. Os utilitários de limpeza pública, em Salvador, então dispondo de mais de 30 caminhões, eram fornecidos pela Willys-Knight e pela Chevrolet, esta, em menor número.

Da Fiat não há registros de utilitários para o serviço público naqueles idos, e, mesmo assim, é ínfimo o número de veículos particulares da marca que circulavam na cidade. Os seus proprietários, boa parte, eram cidadãos de origem Italiana: Alfredo Vita (embora a empresa da família Fratelli Vita utilizasse caminhões Chevrolet para a distribuição de bebidas); Américo Botelli, Rafael e José Avena, Roberto Selmi, Américo Gigli, dentre outros. Menos de 30 usuários da marca entre mais de 3.500 veículos de todas as marcas emplacados até o ano de 1935.

*Nelson Cadena é publicitário e jornalista, escreve às quintas-feiras