O mar do meu pai, o sertão da minha mãe

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  • Kátia Borges

Publicado em 1 de março de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Quando criança, eu gostava de viajar ao sertão da minha mãe. Quando não, íamos ao mar do meu pai. A Bahia, entre os dois. Conexão Baixa Grande-Arembepe. Na lousa de nossa família, antepassados que habitaram as matas e que atravessaram o Atlântico. Histórias de vaqueiros, índios e pescadores.

Sou de uma linhagem de gente simples, com luxos que não temos hoje. Galinhas no quintal. Peixes frescos. Rezas capazes de prever a morte. Pemba e semba. Imagens de santos católicos e representações de Orixás. O sertão, para mim, era uma explosão de verde. Os bois mugindo no curral. A praça no centro da cidade.

O imaginário dos forrós do meu avô. Santa Luzia, Barro Vermelho. A lenda dos jacarés que passeavam nas margens do rio. As águas, para a minha avó, naquele que era o mar do meu pai, cortavam uma aldeia indígena. Na oralidade, suas cantigas acendiam fogueiras dentro da noite. Leme-griô, na proa do meu navio.

Sinto falta de ter amado mais a quem amei. A menina que fui, não sei qual arco esticou, quais flechas lançou. Uma tribo de nômades. Foi pouco demais o que amei. A maresia incrustada nas paredes do coração, alcançando a aorta. O aroma de veraneio preso aos cabelos. O perfume da adolescência e do incenso.

A Praia do Cantagalo, atravessando o Atlântico, na parte baixa de Salvador. Os turbantes africanos de Alice, seus vestidos/mantos. O semblante frágil de Donana, que eu vi uma única vez. Pequena e medrosa, na porta do quarto. Nunca esqueci os olhos azuis de minha avó. Eles eram o mar no sertão da minha mãe.

Algo em mim manteve intacto o traço de união entre os mistérios. Esses mistérios que ainda atravesso, universos paralelos, tudo que sou. O samba, o fado, o Corre Gira, as pedras firmes que forjaram meu chão. Pequenos altares erguidos por dentro, iluminados por velas que acendo: “om gam ganapataye namaha”.