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Paulo Leandro
Publicado em 9 de setembro de 2020 às 05:00
- Atualizado há 2 anos
Contratar treinador de fora pode ser um ótimo negócio: ignorantes, como eu, chamariam de marketing, por falta de conhecimento, mas o nome certo é outro. O custo fica para o clube e o dinheiro entra nas contas dos envolvidos, quem quiser vista sua carapuça.>
Aos auxiliares, na demissão do titular, não se tem o hábito de oferecer uma oportunidade: a tradição é admirar professores importados, de preferência de língua embolada, com garantia da distribuição de salivas como numa roda de cigarro proibido.>
Aqueles fieis amigos, cuja memória nos serve de HD externo, como Antônio Matos e Fernando Tavares, nos ajudam a separar, breves verbetes deste conteúdo enciclopédico dos chamados técnicos-tampão, em histórias acrescidas de necessária imaginação.>
Muito antes de Ricardo Silva levar o Vitória ao título de vice-campeão da Copa do Brasil (vice é título, ou não sabiam?), Bengalinha mesmo era um. Bastava cair o treinador medalhão, e logo o dirigente chamava o bom Bengala: “Conserta aí, véi!”.>
Como os auxiliares convivem mais com os jogadores, não era difícil o time melhorar. Bengalinha conhecia futebol de dentro por ter jogado de half, depois volante. Em 1974, recuou Osni e Mário Sérgio e avançou o zagueiro Paulo para fazer o combate. Perfeito!>
O humilde Bengala botou o Vitória para jogar parecendo o Carrossel Holandês, a seleção laranja de 'Cróife'. O melhor time do Brasil naquele ano foi eliminado pelo Vasco do almirante Heleno Nunes, em 0x0 arranjado pelo juizão na Fonte Nova. Nojo!>
No tempo dos deuses primordiais, o Tricolor já teve um treinador, presidente e poeta, tudo ao mesmo tempo: Amado Bahia Monteiro, responsável pelo verso “nasceu para vencer”, recitado numa temporada ao Ceará em 1938.>
Florisvaldo é uma bênção enquanto Pinguela (com a no final!) levou o Bahia a longa invencibilidade, com a ajudinha do presidente. Certa vez, ao anunciar o time, lendo os nomes num pedacinho de papel, entregou: “A letra de seu Osório tá cada vez pior...”>
Miltinho Simões, do Botafogo e Leônico; Antonio Conceição, vice no Galícia em 67 e campeão no Flu de Feira em 63; Pedrinho Rodrigues do cachimbo da paz; Ferreira, do Colo Colo de Ilhéus, domador de Leão; Silva Paraíba, no Atlético, e tantos outros!>
Já o treinador Sotero Monteiro é figura carimbada, pois era dono de um hotel no bairro da Calçada para onde iam hospedar-se candidatos a craque vindos do interior, daí a frase de inspiração pré-socrática: “Conheço jogador pelo arriar das malas”.>
Criatura da mitologia baiana foi seu Ismael Santos, um raro campeão brasileiro pela Bahia em 1934, quando o título nacional era disputado por seleções estaduais. Preocupada com os nervos do já idoso maridão, a patroa não o deixava ir à Fonte Nova.>
O Ypiranga seguia escalado, Ismael dava preleção no ônibus, descia do transporte e, lá no Mangabeirão, os jogadores se resolviam. Ismael ficava ouvindo o jogo no radinho até um dia ter sido ofendido por um boca-grande, deixando a patroa de pressão alta.>
Resultado: nem as narrações seu Ismael podia mais ouvir, sabendo quanto foi o jogo só na volta do ônibus. Os técnicos auxiliares ou nativos poderiam ser boas opções se tivessem apoio incondicional: o problema é econômico. Custam pouco... >
Paulo Leandro é jornalista e professor doutor em Cultura e Sociedade.>