O melhor amigo de Franz Kafka

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  • Kátia Borges

Publicado em 8 de março de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Certa vez peguei num balaio de doações, no Goethe, um livro, em formato pocket, de autoria de Max Brod, frequentemente, lembrado apenas como o melhor amigo de Franz Kafka. Sim, aquele que, contrariando o último pedido do escritor, para que sua obra fosse incinerada, após sua morte, conseguiu convencer o dono da editora alemã Die Brücke (A Ponte) a publicar a primeira edição de O Processo, em 1925.

Por devoção, decidi ficar com aquele romance, mesmo desconhecendo a obra de Brod, que, na minha ignorância, julgava ter sido um autor obscuro, à sombra da genialidade de Kafka. Só de posse da versão em alemão de Schloss Nornepygge (Castelo Nornepygge), fiquei sabendo que aquele livro marcou a estreia de Brod, aos 24 anos, em 1908, e foi considerado uma obra prima do Expressionismo Alemão.

Ao longo de sua vida – 84 anos –, Max Brod escreveu 83 livros em vários gêneros. Também foi ele quem apresentou Kafka a Felice Bauer, um de seus grandes amores, e o incentivou a escrever diários. A devoção de Brod a Kafka era tão genuína que, ao fugir da Alemanha, em 1939, por conta do nazismo, levou consigo os inéditos do amigo, morto em 1924, a quem aclamava como “o maior poeta do século”.

No livro de ensaios Reflexo e realidade, Otto Maria Carpeaux relembra – em um texto republicado pela revista literária eletrônica Bula – ter encontrado em Berlim, em 1926, a primeira edição encalhada de O processo, na sede da falida editora. E, mais, ter escutado de seu editor que só publicara aquele livro por conta da insistência de Max Brod, “que teima em considerar gênio um amigo dele, já falecido”.

Nem três exemplares de O Processo, de acordo com Carpeaux, haviam sido vendidos. Um desses exemplares encalhados, por sorte ficou com o jornalista austríaco naturalizado brasileiro, que o guardou até a morte, em 1978. Os originais do livro fracassado foram leiloados, em 1998, pelo equivalente a um milhão e meio de euros. Estão hoje na biblioteca de Marbach am Neckar, na Alemanha.

Foi Brod quem editou a versão inacabada de O Processo, a partir de manuscritos de Kafka, bem como O Castelo e América. Os direitos sobre o material inédito foram transferidos por Brod, que morreu em 1968, para sua secretária pessoal Esther Holffe e suas duas filhas. Após uma longuíssima batalha judicial, esses direitos passaram a pertencer à Biblioteca Nacional de Israel, em Jerusalém.

Ironia das ironias, o escritor que desejava que todas as suas obras fossem incineradas teve, em agosto de 2019, parte importante de seu legado resgatado pela biblioteca israelense de um cofre na Suíça, onde permaneceu durante mais de seis décadas. São desenhos, manuscritos e cartas que devem ser digitalizados e terem seu acesso franqueado ao público, possivelmente, este ano.